Antigos clubes sociais inovam para sair de crise financeira
Locais centenários como Circolo Italiano, Esperia, Homs, Spac e União Fraterna buscam atrair novos sócios, frequentadores e renda

Outrora uma sede de bailes gloriosos da comunidade italiana em São Paulo, a União Fraterna não tem mais sócios suficientes para encher um micro-ônibus. “São apenas catorze, todos com mais de 70 anos, e dois estão na UTI”, conta o vice -presidente do clube, Luiz da Silva Júnior. O espaço já teria fechado as portas não fossem o tombamento do edifício da Rua Guaicurus, na Lapa, e a ajuda da iniciativa privada.
Outra tradicional agremiação instalada em um grande prédio envelhecido, o Piratininga também passa por maus bocados na Alameda Barros, em Santa Cecília: dos 5 000 sócios nos tempos áureos, restaram 250. “Muitos perderam o interesse, outros morreram mesmo”, explica Carmen Silvia Camargo, funcionária do clube há décadas. Existem casos mais graves de locais que encerraram as atividades por causa do sumiço dos frequentadores e da falta de dinheiro.

Foi o que aconteceu com o Zahle Clube, que funcionava até este mês em um endereço do Paraíso. Com apenas dezenove sócios na carteira, a agremiação vendeu o terreno à incorporadora Tegra e estuda se voltará a operar. Algo semelhante havia ocorrido em 2012 com o Clube de Regatas Tietê, que, atolado em dívidas, acabou extinto depois que a prefeitura lhe tomou o terreno, até então em comodato, às margens do Rio Tietê. “Como não tinha dinheiro para pagar aos funcionários demitidos, o presidente distribuiu mesas de sinuca, geladeiras e outros itens do clube”, conta Wagner Carniato, gerente na época. Após décadas de jantares dançantes, matinês, festas de 15 anos e competições acirradas, assim como uma série de restrições elitistas, os clubes sociais e esportivos da capital passaram a enfrentar uma crise a partir de meados da década de 80. Um dos fatores que explicam o fenômeno é o aumento da oferta de lazer na cidade. Exemplo disso são as quinze das atuais dezenove unidades paulistanas do Sesc que surgiram após 1982.

“Outra mudança ocorreu no formato de moradia da classe média; muitas famílias optaram por condomínios com áreas de esporte”, diz o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo, José Roberto Geraldine Jr. A experiência estrangeira recente mostra que ainda há espaço para esse tipo de atividade. Clubes hypados como o britânico Soho oferecem casas (hospedagem, área de lazer e trabalho) em três continentes a seu seleto grupo de associados. Mesmo aqui, um punhado deles ainda esbanja sedes com milhares de metros quadrados, faturamento milionário, quadro de 40 000 sócios e títulos com valores superiores a 90 000 reais, caso de Pinheiros, Paulistano, Hebraica e Paineiras do Morumby. Quanto aos demais, submersos em problemas, só lhes resta reinventar-se para sobreviver. Nesse cenário, vale realizar promoções e arrendar parte do terreno. Confira as iniciativas adotadas por quem tenta driblar a crise no setor.

Festerê rentável
A União Fraterna vive de fachada, literalmente. Sem grande contribuição de sócios, o clube ficou atolado em dívidas e esteve perto de encerrar as atividades. Graças ao tombamento do prédio, com um icônico letreiro colorido, a gestão conseguiu em torno de 250 000 reais em recursos com a prefeitura para obras de emergência. Após a recuperação, diversos interessados têm aparecido para alugar o local. Os preços variam de 6 000 a 12 000 reais para festas de até 400 convidados. Não é o único a apostar nisso. Dono de um bem cuidado complexo aquático, o Juventus, na Mooca, depende de um concorrido salão de festas para fechar as contas. Com capacidade para cerca de 4 000 pessoas, o lugar recebe shows de artistas como Péricles e Wesley Safadão. São, em média, seis eventos ao mês, o que rende um faturamento aproximado de 180 000 reais. Outro pedaço de agitação que também garante dividendos extras ao clube é a boate com capacidade para 300 pessoas, localizada no prédio principal do complexo. Uma empresa organizadora de bailes paga 3 000 reais mensais para utilizar o espaço. “Lutamos com dificuldade, mas estamos controlados perto de outros clubes”, diz o presidente da organização, Domingos Sanches. Com uma dívida da ordem de 20 milhões de reais com a prefeitura, algo trivial entre os clubes, o Clube Piratininga também terceiriza os bailes realizados por ali até três vezes por semana. Apesar disso, a diretoria não tem muita esperança de reverter a situação de penúria se não conseguir ajuda. “Às vezes parece que estou aqui maquiando um defunto”, resume o presidente, João Guimaro.

Promoção de títulos
“Não perca essa oportunidade, associe-se ao Clube Atlético São Paulo (Spac)! Um oásis no coração de São Paulo”, convida um anúncio no site. Acostumada às filas de espera nas décadas de 80 e 90, a tradicional agremiação paulistana recorreu a uma liquidação para manter as cerca de 1 000 vagas disponíveis. Foram colocadas nas prateleiras duas levas de cinquenta unidades, com preço fixo de 15 000 reais e joia incluída. O valor é 8 000 reais mais barato do que o habitual e conseguiu render 75 novas adesões ao grupo, que tem sedes no bairro da Consolação e em Santo Amaro. Com gastos que superam 18 milhões de reais e receita de pouco mais de 19 milhões, a engrenagem funciona de forma apertada. “Ou você inova ou é melhor fechar, porque não paga as contas”, diz o empresário Francisco Graziano Neto, atual presidente. Em operação semelhante, o Juventus ofereceu 500 novos títulos remidos — isentos de mensalidade — que levaram a um ganho extra de 3 milhões de reais durante os anos de 2017 e 2018.

Adeus a joia, título, bola preta…
Sede lotada em plena tarde de terça-feira. Não é o que se espera encontrar em um clube social com a imagem vinculada ao passado, mas é a realidade no Esperia. Para buscar um destino diferente do de seu vizinho Tietê, que sucumbiu à crise, a administração decidiu adotar uma medida drástica para se adequar aos novos tempos. Acabou com o sistema de cotas e implementou planos de curto e médio prazos para os associados. Existem versões de seis meses a dois anos de duração com mensalidades fixas entre 200 e 300 reais por pessoa mais uma única taxa de administração, na monta de 400 reais. Filhos de 10 a 17 anos pagam metade e os com menos de 9 anos têm isenção. O clube, que chegou a contar com mais de 20 000 sócios na década de 80, hoje conseguiu atingir o número de 8 000 pessoas a duras penas, após a adoção das novas medidas. “Mas ainda estamos longe do azul”, lamenta o presidente, Osmar Monteiro. No balanço apresentado pelo Esperia das receitas e despesas do ano de 2018, ficou registrado um déficit de mais de 2 milhões de reais.

Cursos realmente abertos
Em sua origem, muitos clubes serviram para manter uma determinada comunidade mais unida. No Circolo Italiano, por exemplo, os imigrantes reuniam-se para matar a saudade da terra natal e relembrar suas tradições. Hoje, no entanto, a dinâmica mudou. Os sócios antigos debandaram, os encontros segmentados desapareceram e o espaço nobre no Edifício Itália está às moscas. Para piorar, o clube teve de se desfazer da sede de campo, na região do Morumbi, em 2014. De modo a transformar esse quadro, uma das soluções encontradas foi reviver as aulas do idioma nativo ministradas por ali em outros tempos. “É uma forma de manter a ‘italianidade’, mas sem necessariamente fazê- lo apenas para a comunidade italiana”, diz Daniela Policela, coordenadora do curso. Atividades do tipo surgiram ali na década de 50, mas eram oferecidas gratuitamente e apenas a sócios. Agora, as classes são abertas a qualquer paulistano e constituem uma das grandes fontes de receita, juntamente com o restaurante e o aluguel de espaços. Divididas entre os níveis básico e superior, além de conversação, as turmas contabilizam mais de 200 alunos. Os interessados devem desembolsar 1 450 reais por semestre, em cinco parcelas, com o material incluído. Instalado às margens da Represa de Guarapiranga, o Yacht Club Santo Amaro também passou a diversificar suas operações para não precisar levar a mensalidade às alturas. Funciona ali uma escola de vela para crianças não associadas (400 reais mensais) e adultos (800 reais mensais). Como atrativo, essa turma pode treinar no mesmo espaço utilizado pelos principais atletas profissionais do time.

Gestão profissional
Parte integrante dos problemas de sobrevivência, as “gestões associativas” também prejudicaram bastante as administrações. Essa é praticamente uma unanimidade entre os presidentes das agremiações. Além dos conflitos internos, a falta de transparência em relação aos gastos e investimentos tornou-se uma barreira na relação entre direção e sócios. Uma necessidade cada vez mais urgente é levar os clubes a funcionar como empresas. No Spac, por exemplo, o presidente Francisco Graziano Neto, eleito de forma tradicional, tem trabalhado como gestor profissional. Sua missão à frente da diretoria é renegociar contratos de fornecedores e enxugar a folha de pagamento. Em paralelo, ele passou também a publicar balanços financeiros, editais e atas de reunião no site do clube. Esse processo foi implementado em outras casas, como o Esperia. Trata-se de um modelo adotado por um “primo rico”, a Hebraica, que contratou um CEO e mesclou equipes associativas com profissionais. “O formato de cogestão potencializa uma governança democrática e ajuda a pôr na mesa tudo o que o sócio demanda”, diz o gestor Gabriel Milevsky.

Terceirização dos espaços
Para o Nacional Atlético Clube, o terreno de mais de 80 000 metros quadrados na Barra Funda é seu maior patrimônio e um trunfo para não sucumbir aos efeitos do tempo. Parte da receita para manter o time de 1919 vem da terceirização de áreas para as escolinhas dos clubes europeus Barcelona e Paris Saint-Germain, essa última instalada neste ano. Juntas, as equipes desembolsam cerca de 30 000 reais mensais para usar dois campos de futebol durante a semana. Estrutura tradicional do clube, um vagão de trem reformado ganhou um bar terceirizado como vizinho. Uma estratégia mais agressiva de uso do complexo, no entanto, deve começar a ser implantada até 2021. “Queremos fazer um esquema parecido com o do Palmeiras e da WTorre”, diz o vice-presidente do Nacional, Edison Gallo, em referência à parceria que deu origem ao Allianz Parque. De acordo com ele, há interessados em instalar no lugar empreendimentos que vão de hospital a uma arena para shows. O complexo como se conhece hoje deve ser demolido. Só não entrarão na jogada o Estádio Nicolau Alayon e suas arquibancadas cobertas. Ambos são tombados pelo Conpresp, conselho municipal de preservação do patrimônio histórico, e não podem ser alterados. O Club Homs, na Avenida Paulista, também lucrou com a chegada de forasteiros. Por ali, dão expediente uma unidade da rede de academias Smart Fit e uma filial do restaurante Bovinu’s.

Operação millennials
Outra preocupação constante no setor é o envelhecimento do quadro de associados, que não costumam deixar herdeiros interessados em seguir frequentando o espaço. Para atrair os mais jovens, o Club Homs passou a liberar a entrada dos netos de sócios de até 18 anos sem nenhum tipo de acréscimo na mensalidade. O regimento oficial garantia esse benefício apenas aos filhos. “O clube está envelhecido, estamos tentando trazer os jovens, senão vai acabar”, afirma o presidente, Walter Abib Abud. Outras ações, como a realização de festas e luaus, também foram apostas para rejuvenescer o quadro, mas não tiveram muito sucesso. Apesar de alguns jovens darem as caras em atividades esportivas, como o futebol durante a semana, os clientes mais assíduos do local continuam sendo os da terceira idade, que aproveitam a sala de carteado nos fins de semana. Um alento para a turma do Homs é que a captação dos jovens tem surtido efeito no Paineiras do Morumby, um dos mais ricos da metrópole. Por lá, a diminuição de taxas levou 600 filhos de sócios a voltar a frequentar o pedaço no último ano.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 1º de maio de 2019, edição nº 2632.