Amor e negócios: “trisal” de empresários comanda a badalada Clínica Mais
Wagner Junior, Edson Luiz e Newton Morais mantêm relacionamento incomum e levam vida luxuosa com a gestão de um dos principais centros de estética da cidade
O verso “cabem três vidas inteiras” de Oração, hit do grupo indie curitibano A Banda Mais Bonita da Cidade, aparece nas redes sociais para definir o médico Newton Morais e os administradores Wagner Amaral Junior e Edson Luiz. Eles estão à frente da Clínica Mais Excelência Médica, criada em 2014. O consultório na Vila Nova Conceição atrai em média 2 000 pacientes por mês, entre eles dezenas de famosos, como as cantoras Anitta e Elba Ramalho, a ex-esportista Hortência e o DJ Alok.
O negócio fatura mensalmente entre 1 milhão e 2 milhões de reais, graças a tratamentos estéticos modernos, a maioria deles com o uso de 32 máquinas de alta tecnologia (cada uma custa na faixa dos 500 000 reais). A técnica molda o corpo dos sonhos e a famigerada “barriga tanquinho” e traz a promessa de rejuvenescer rosto, corpo e — acredite — até “partes íntimas”.
Alguns clientes sabem, outros desconfiam: além da parceria profissional, desde 25 de março do ano passado, os empresários vivem como um “trisal”, ou seja, um “casal formado por três pessoas”. Ao contrário da máxima “um é pouco, dois é bom e três é demais”, o clima nesse primeiro ano e meio de amor segue na maior parte do tempo como uma lua de mel.
Juntos desde 2008, Morais e Junior dividem a mesma suíte, a maior do apartamento de 300 metros quadrados nos Jardins. Edson, que entrou no relacionamento em 2017, fica no aposento ao lado. Não se trata de bullying contra o novato. “Nunca vi ninguém se movimentar tanto durante o sono!”, diverte-se Junior.
Nessa dinâmica, Morais, de 39 anos, o médico que é o rosto da empresa, revela-se o mais carinhoso: pacifica o temperamento forte dos companheiros, propõe passeios para fugir da rotina e dispensa a empregada nos fins de semana porque faz questão de preparar refeições e cafés da manhã dignos de hotel para os parceiros. Os dois retribuem o afeto chamando o doutor de “amor”. O diretor financeiro Luiz, 38, mostra-se sedutor e até mantém em seu quarto uma espécie de palco para fazer performances íntimas. Seu apelido? Xuxu. Junior, 46, cuida das questões práticas do dia a dia e encabeça os negócios. “Ele é o macho alfa da casa e o chamamos de ‘vida’”, conta Luiz.
Toda manhã, o trio vai à academia, mas, nos últimos meses, Junior tem mantido a forma apenas por meio dos aparelhos da clínica. É ele quem toca a mudança de endereço do empreendimento. O novo ponto da Mais ficará na Rua Coronel Oscar Porto, no Paraíso, com inauguração prevista para a primeira quinzena de setembro. Será um prédio de seis andares e 2 000 metros quadrados, cuja reforma custará 16 milhões de reais. “Nosso espaço físico ficou pequeno”, comenta Morais, sobre o atual casarão de 400 metros quadrados.
A ideia agora é pelo menos dobrar o número de fregueses e, é claro, também o faturamento. Além dos tratamentos disponíveis (que custam de 2 000 reais, por uma depilação a laser em uma área pequena, a 15 000 reais, por um serviço de “harmonização facial”), o local oferecerá cirurgia plástica, consultas com um coach, academia, joalheria e butique de algum estilista renomado — os nomes ainda estão em negociação. “Faremos tudo para nossos clientes saírem de lá em sua melhor versão”, promete Junior.
O rápido crescimento da clínica se deve não só à tecnologia de ponta mas também ao atendimento e ao marketing. “Eles são sempre muito solícitos”, afirma Hortência. “O doutor Newton me explica tudo com muita paciência e sinto confiança”, afirma a cantora Ludmilla. Como é de praxe no meio, celebridades costumam ganhar descontos generosos ou mesmo não pagar nada pelos procedimentos em troca de posts no Instagram ou elogios públicos ao local. Os “anônimos pagantes”, entretanto, também saem satisfeitos e curtem a clínica nas redes sociais. No Tribunal de Justiça do Estado não há nenhum processo contra o estabelecimento. No Reclame Aqui, há apenas dois registros, sobre demora no atendimento.
Em compensação, parte da área de saúde torce o nariz, pois Morais não é dermatologista. Capixaba, ele se formou médico, há quinze anos, na Santa Casa de Vitória, e frequentou alguns cursos de pós-graduação lato sensu no setor. No ano passado, por exemplo, três médicos abandonaram um evento em São Paulo, voltado aos melhores nomes da dermatologia, quando Morais entrou no salão. Aos organizadores, reclamaram: não queriam dividir o mesmo ambiente com alguém sem especialização. “O Newton se tornou conhecido graças ao dinheiro do Junior. Ele tem só uns cursos de estética, algo bem malvisto em nosso mercado”, alfineta um concorrente. “Não desmereço o título, mas não acredito que provas teóricas possam validar bons profissionais”, rebate Morais, que ressalta manter na clínica dermatologistas e biomédicos para lidar com casos graves ou específicos.
Segundo o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), o doutor pode realizar procedimentos como aplicações, lasers, Botox e afins. “Em caso de erro médico, as consequências são as mesmas para todos os profissionais, mas quem não possui a qualificação terá maior dificuldade para comprovar que não houve negligência”, explica Lavínio Camarim, presidente do Cremesp.
Em tempos de denúncias de clínicas clandestinas e profissionais charlatões, Junior opina: “Uma pessoa pode morrer até em um procedimento simples, como um peeling. É um absurdo esses aventureiros atenderem em salões de beleza ou em residências. Estamos preparados para atender qualquer emergência durante os atendimentos”. Volta e meia, o “trisal” recebe notificações do conselho por fazer propaganda no Instagram. Até o momento, não houve nenhuma punição. “Não adianta torcida contrária dessa gente que faz essas denúncias: seremos a maior clínica do Brasil”, almeja Junior.
Superlativos marcam a rotina do trio. Em julho, desembolsou 800 000 reais em uma folia para celebrar os quatro anos da clínica, em um evento para 500 pessoas no Hotel Unique, nos Jardins, com shows de sete cantoras, entre elas Elba Ramalho e Zizi Possi. “Faremos dessa festa uma disputada comemoração anual”, planeja Junior. Em casa, a grife Versace predomina dos closets aos vasos na decoração, toda planejada por Junior. “Amo o Palácio de Versalhes, e a Galeria dos Espelhos inspira os ambientes de nossa residência e também da clínica”, explica.
Apaixonados pelo tema, no último mês maratonaram a série da Netflix que leva o nome da cidade dos reis franceses. Mesmo com o dólar nas alturas, mensalmente fazem uma viagem internacional a destinos como Paris, Roma ou ilhas gregas. O “mais” rege até a quantidade de pets: cuidam de cinco lulus-da-pomerânia, todos machos. Na capital, passeiam aos domingos pela Avenida Paulista com patinetes elétricos comprados na última visita a Israel. Depois do almoço — não saem do Paris 6 —, vão ao cinema. “Qualquer filme, desde que a sala tenha aquela poltrona que reclina”, brinca Junior.
Nos assentos de cinemas e restaurantes, Luiz normalmente fica no meio. Ele conheceu o casal, junto desde 2008, em janeiro do ano passado, após curtir a página da clínica no Instagram e engatar uma paquera virtual no espaço de mensagens privadas. Naquela época, Morais e Junior buscavam um terceiro marido. “Como na maioria dos relacionamentos, o tempo esfriou o sexo”, lembra Morais. “Até tentamos frequentar baladas liberais, mas não temos esse perfil promíscuo, somos românticos e curtimos fidelidade.”
Luiz morava em Connecticut, nos Estados Unidos, desde 2015, e trabalhava lá como pedreiro. Com as leis de imigração enrijecidas pelo presidente americano Donald Trump, cogitava voltar ao Brasil. “Quando eu os conheci, vi tanto amor, tanta diversão e cumplicidade que me apaixonei e vim correndo”, recorda Luiz. Na primeira semana de abril, poucos dias depois de desfazer as malas no apartamento nos Jardins, o novato ganhou o cargo de diretor financeiro do negócio e uma mesa na sala do CEO, Junior.
Houve certa turbulência. Em meados de março deste ano, depois de uma briga, Luiz voltou para a casa da família em sua terra natal, Curitiba, e o “trisal” se desfez. “‘Vida’ gosta de controlar e ‘Xuxu’ questiona tudo”, explica Morais. Logo a saudade bateu e eles voltaram. No cotidiano, passaram por críticas preconceituosas, mas por se assumirem homossexuais, jamais pelo relacionamento a três. “Ao contrário, sempre ouvimos cantadas do tipo ‘como faz para entrar?’”, ri Luiz.
Seus companheiros se casaram no papel há quase cinco anos. Com a chegada do “terceiro elemento”, assinaram uma espécie de testamento no ano passado. A legislação brasileira ainda não reconhece esse tipo de relacionamento, e eles são precavidos. Em junho deste ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) proibiu os cartórios de registrar uniões poliafetivas, formadas por três ou mais pessoas. “É um atraso, né? Esse tipo de relacionamento está cada vez mais comum e o governo precisa acompanhar a evolução da sociedade”, diz Morais.
Entre quatro paredes, digamos assim, a união entre os três predomina. Mas valem também encontros a dois, não importa a combinação. “Sou apaixonado por eles e saber que estão se curtindo, mesmo sem minha presença, me dá prazer”, define Morais. “Temos um sentimento igual: vale tudo entre nós, menos trazer gente de fora, porque somos fiéis”, acrescenta Luiz.
Ele lembra certa vez, quando Morais disse que encontraria um amigo em um sábado. “Falei: ‘Oi?! Aqui é um por todos e todos por um!’. E lá seguimos os três para o compromisso”, recorda. Se casais dão satisfações por meio de mensagens de WhatsApp, eles também mantêm esse hábito. O nome do grupo na rede social? “Xuxus”, respondem em uníssono. Então caem na gargalhada e fazem valer seu hino indie: “Coração não é tão simples quanto pensa / Nele cabe o que não cabe na despensa”.
Amor em conjunto
De famílias de classe média baixa, os três superaram preconceitos para hoje levar uma vida de luxo
Wagner Amaral Junior, 46
Filho de um policial civil e uma secretária, o administrador passou dificuldades na infância, no Planalto Paulista. “Cortavam nossa luz por falta de pagamento”, lembra. Na adolescência, seu pai criou uma empresa de outdoors e o filho foi trabalhar com ele. Dois anos antes disso, porém, precisou sair de casa. “Contei a meu pai que era homossexual e ele não aceitou.” A empresa levou um baque com a Lei Cidade Limpa, em 2007. Junior deixou o negócio familiar e se reergueu por causa de investimentos em imóveis, até criar a clínica Mais, em 2014.
Newton Batista Morais, 39
Nascido em Vitória, formou-se em medicina na Santa Casa da cidade, há quinze anos. Mudou-se para São Paulo em 2007, por causa de um namorado. “O relacionamento durou um mês”, conta. Aqui, trabalhou em hospitais públicos da periferia. Conheceu Junior em uma festa, em 2007. Foram morar juntos no ano seguinte e o marido o indicou para trabalhar em duas clínicas de estética. Em 2014, criou a própria, em parceria com o companheiro.
Edson Luiz, 38
Bacharel em direito pelo Centro Universitário Curitiba, teve uma empresa de construção civil, em sua cidade natal. O negócio faliu em 2015 e ele se mudou para os Estados Unidos. Do trio, é o único que mantém bom relacionamento com a família. “Meus pais (evangélicos, ele frisa) estranharam quando ‘saí do armário’, aos 14 anos, e também quando entrei nessa relação, mas depois aceitaram e me dão a maior força”, comemora.
[Colaborou Juliene Moretti]