Chez Balenciaga
Cidade natal de um dos costureiros mais reverenciados do século XX abriga o primeiro museu dedicado às suas mais de 1.000 criações
No ano em que a retrospectiva de Alexander McQueen entrou para a lista das dez exposições mais vistas da história do Metropolitan Museum, de Nova York — mais de 650.000 visitantes em quatro meses, tornando o estilista inglês, que cometeu suicídio em 2010, quase tão popular quanto Vincent Van Gogh —, e em que a grife mais valiosa do mundo, Louis Vuitton, separa itens históricos para exibi-los no Museu de Artes Decorativas, em Paris, um vilarejo pesqueiro de 2.628 habitantes, no norte da Espanha, se tornou a nova meca da moda. Desde junho, funciona em Getaria, no País Basco, o Cristóbal Balenciaga Museoa.
No edifício de 9.000 metros quadrados moram 1.213 peças (noventa em exibição permanente) de Cristóbal Balenciaga, nascido na cidade em 1895. Trata-se de uma coleção duas vezes mais extensa que a pertencente ao Metropolitan de Nova York, até então a mais completa dedicada ao costureiro que reinou em Paris entre 1937 e 1968. Ele era reverenciado, inclusive, por seus rivais da alta-costura. Para Coco Chanel, Balenciaga era “o único autêntico couturier” — ele não só desenhava como também era hábil com a linha e a agulha, uma qualidade em extinção no universo da moda. Já Christian Dior o definia como “o mestre de todos nós”.
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Projeto do arquiteto cubano Julián Argilagos, o caixote de vidro espelhado custou 30 milhões de euros. Tem como incentivador (e presidente) Hubert de Givenchy. Ex-assistente de Balenciaga, Givenchy revelou a influência do mestre nas linhas elegantes e simples do figurino mais chique do cinema até hoje: o de Bonequinha de Luxo. A importância da coleção não está apenas no tamanho. O museu acende uma luz sobre o início da carreira do costureiro. Foi em Getaria, e não no ateliê do número 10 da Avenida George V, que Balenciaga iniciou o flerte com a aristocracia que mais tarde faria fila às suas portas.
Viúva de um pescador, a mãe de Balenciaga, Martina Eizaguirre, costurava para as famílias abastadas das redondezas e passou o ofício ao filho. Aos 13 anos, o pequeno aprendiz confeccionou um vestido para a marquesa de Casa Torres, que veraneava a poucos quarteirões do modesto sobrado de esquina no qual vivia sua família (sinalizado, hoje, com uma placa em quatro idiomas). Não à toa, a casa de veraneio funciona como anexo ao museu. O farto guarda-roupa de sua cliente mais antiga foi o primeiro contato do estilista com a moda parisiense e a londrina.
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Em 1919, aos 24 anos, ele abriria seu primeiro ateliê, no número 2 da Calle Vergara, em San Sebastián. “Ele já era um estilista em plena maturidade técnica e criativa quando chegou a Paris”, diz a historiadora da arte e curadora do Cristóbal Balenciaga Museoa, Miren Arzalluz, autora do livro “Cristóbal Balenciaga — La Forja del Maestro (1895-1936)”. Balenciaga se exilou em Paris quando a Guerra Civil Espanhola o obrigou a fechar os ateliês em San Sebastián, Madri e Barcelona. “A França lhe deu a oportunidade de atingir a dimensão internacional que tem até hoje”, acrescenta.
Dividido entre o caixote futurista e a casa do século XIX, o museu tem seis salas. Na primeira está a criação mais antiga de que se tem notícia: saia e jaqueta bordadas e blusa de gola rendada de 1912. Grande parte do acervo foi montada com doações angariadas por Givenchy ao longo de uma década. Do principado de Mônaco, por exemplo, veio um modelo de lã alaranjado, de 1962, que pertenceu a Grace Kelly. Há ainda 109 originais da coleção pessoal do pupilo, além da túnica fúcsia de Mona von Bismarck, sua mais voraz e fiel cliente. Em 1963, a condessa chegou a comprar 88 dos 300 vestidos feitos por Balenciaga por ano.
“Suas roupas impunham respeito e mostravam poder”, diz a empresária e consultora de moda Costanza Pascolato, cuja filha mais nova, Alessandra, se casou no ano passado usando um modelo inspirado num Balenciaga da mãe. “Ele criou formas de vestidos e casacos que alongaram pescoços e deixaram mais elegantes costas, torsos e braços.” É dele a invenção das “mangas-bracelete”: punhos mais curtos para que as clientes pudessem exibir suas joias livremente. Esnobe, elitista e inacessível para candidatas a clientes que não tinham porte para seus vestidos — segundo o critério de Renée d’Esling, sua assistente —, Balenciaga se retirou de cena em 1968, quando surgia o prêt-à-porter. Quatro anos depois, morreu em Valencia, cerca de 600 quilômetros ao sul de sua cidade natal. Seu sobrenome pertence hoje ao Grupo Gucci. E o museu é a chance para multidões verem de perto a moda que circulou pelos melhores salões do passado.