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Cães de assistência ajudam pessoas com autismo e deficiências

Especialistas, porém, apontam que falta de lei para regulamentar o tema traz prejuízos

Por Hyndara Freitas
Atualizado em 14 out 2022, 14h29 - Publicado em 14 out 2022, 06h00

Boris está sempre ao lado de Ania Fontes, 22 anos. Ele é seu cão assistencial, que ajuda a jovem a viver melhor com sua condição de autismo e de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. “Ele me acompanha em todos os lugares, é treinado para observar sinais de crise e dá sinal para que eu saia do ambiente em que estou. Também é treinado para fazer terapias de pressão que acalmam o sistema nervoso central. Durante uma crise, eu preciso de pressão até sair dela, e o Boris se deita no meu corpo sob comando e me ajuda com isso”, conta.

Kyra é o cão de assistência de Bruno Landgraf, ex-goleiro e atual atleta paralímpico. Em 2006, ele sofreu um acidente de carro que o deixou paraplégico. A cadela chegou a sua vida em 2020 e o ajuda em tarefas como levar e trazer objetos e até na hora de vestir uma roupa. “Ela é incrível, faltam palavras para dizer o que significa para mim agora”, comenta. “Se acontecer de cair o celular, o boné, ela está lá, mas posso treinar para que abra gavetas, consegue até me ajudar a tirar a blusa.”

Ania e Boris, seu cão de assistência.
Ania e Boris, seu cão de assistência. (Acervo pessoal/Reprodução)

Essas duas duplas de tutores e cachorros fazem parte de uma tendência: o auxílio desses animais para além do cão-guia. Thiago Pereira, presidente do Instituto Magnus, entidade sem fins lucrativos que tem como principal atividade treinar cães-guia para pessoas com deficiência visual, afirma que há uma demanda crescente por cachorros de assistência para outras condições, como o transtorno do espectro autista (TEA) e deficiências físicas. Por isso, a instituição ampliou a atuação. “Todos os dias, recebemos pedido de alguém querendo um cão para acompanhar uma criança com TEA. Diante disso, a gente vem tentando aumentar a oferta.” Os animais nascem no próprio instituto, onde são treinados, passam por socialização e, com o tempo, por avaliações para entender se podem ser cães-guia ou cumprir outras funções.

Oliveiros Barone Castro, psicólogo especializado em comportamento e na relação humano-animal e presidente da Cães de Assistência: Núcleo de Formação e Treinamento, destaca que leva de um a dois anos para que um cão de assistência fique apto para suas funções — o maior tempo é o do cão-guia — e diz que a falta de legislação sobre o tema é um dos fatores que impedem que eles sejam mais comuns no país. A Lei 11.126, de 2005, autoriza portadores de deficiência visual a ingressar em locais públicos acompanhados do cão-guia, mas ela não contempla outros cães de assistência. Esse vácuo legal gera ações na Justiça e problemas no dia a dia.

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Na Assembleia Legislativa de São Paulo, tramita o PL 147/2021, que autoriza pessoas acompanhadas de cão de terapia ou de assistência a entrar em locais e em transportes públicos. Na esfera federal, o Senado aprovou em maio o PL 33/2022, que trata sobre cães de apoio emocional para pessoas com deficiência mental, intelectual ou sensorial, mas o projeto está pendente de votação na Câmara dos Deputados. Oliveiros pondera que normas pulverizadas podem deixar lacunas, por exemplo a falta de certificação para formar instrutores aptos a treinar cães de assistência adequada. O especialista sugere uma classificação desses animais em cinco grupos: cães de apoio emocional, de apoio à mobilidade, de alarme ou de alerta médico (que conseguem antecipar episódios convulsivos, por exemplo), cães ouvintes e os cães-guia. “O Brasil poderia fazer igual Portugal, que adaptou a lei do cão-guia e fez algumas modificações específicas. Mas não existe direcionamento político para isso. Aí começam a fazer projetos de lei muito mal escritos em alguns municípios e estados, e tudo fica capenga, leis que têm falhas até de denominação”, opina.</p

Olivares em treinamento com cão de assistência.
Oliveiros
em treinamento com
cão de assistência. (Acervo pessoal/Reprodução)

A falta de legislação adequada traz problemas aos tutores. Ania conta que ela e Boris já foram rejeitados em restaurantes e supermercados. “Alguns lugares se negam a nos receber e isso é bastante difícil, porque o cão é treinado para tudo, desde não pegar comida, não fazer as necessidades no ambiente até não atacar ninguém. Não são pets comuns”, argumenta. Bruno também já teve problemas. “Em shoppings, praça de alimentação, supermercado. Eu levo toda a documentação dela, coloco o colete de cão de assistência para identificar, e muitas vezes o pessoal diz ‘Aqui não pode’. Às vezes tenho de falar com o gerente porque o pessoal só conhece o cão-guia”, afirma.

É comum que pessoas que queiram viajar com cães de assistência entrem com ações judiciais contra as companhias aéreas. No estado de São Paulo, há decisões diversas, aponta a advogada Antilia Reis, mas geralmente, quando há comprovação da condição do passageiro e laudos de adestradores assegurando o treinamento dos cachorros, além de atestados sobre a boa saúde dos animais, a Justiça tende a autorizar os cachorros a viajar com os tutores.

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Os cães também têm aparecido com frequência em consultórios médicos e hospitais, no caso de terapias assistidas por animais. A psicanalista Silvana Prado, fundadora da Patas Therapeutas, conta que, além de cachorros, trabalha com gatos, furões e coelhos em locais como os hospitais Albert Einstein, A.C. Camargo e Darcy Vargas. “O animal auxilia na comunicação, na socialização, no fortalecimento de vínculos afetivos e na vontade de se restabelecer. Além de liberar hormônios como a oxitocina e ajudar a combater o estresse”, diz.

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Publicado em VEJA São Paulo de 19 de outubro de 2022, edição nº 2811

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