Roubo de alianças cresce 36% na capital em meio a aumento no preço do ouro
A média é de cerca de dezoito alianças roubadas por dia em 2025; polícia investiga onze lojas da Rua do Ouro possivelmente relacionadas à 'mainha do crime'

Um passeio com a tia se tornou um evento traumático para a consultora de RH Alexsandra Ganzer, 54. Eram 17h de uma sexta-feira de janeiro deste ano quando ela, ao parar no sinal vermelho, foi surpreendida por batidas ininterruptas no vidro de seu carro. A via — a Avenida General Mac Arthur, no Jaguaré, próxima ao cruzamento com a Avenida Corifeu de Azevedo Marques — estava cheia. As batidas logo revelaram ser vindas da arma de um assaltante, utilizando uma bolsa de delivery de aplicativo. O pedido do homem foi apenas um: “Passa a aliança!”. Como Alexsandra, pelo menos 1 671 pessoas tiveram esse item roubado ou furtado na capital paulista neste ano. É o que mostram dados colhidos por Vejinha no Portal da Transparência da Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP).
O número revela um aumento de 36% nos roubos de aliança em relação ao primeiro trimestre de 2024, quando foram subtraídos 1 188 desses itens. O aumento pode ser explicado pela alta do valor do ouro, cujo grama figurava na casa dos 400 reais em 2024 e, agora, chega a quase 600 reais. “Ele aumenta de valor principalmente por causa das depressões econômicas. Quando o dólar passa a não ser uma moeda tão confiável, o ouro ganha valor. A tendência é chegar a 1 000 reais até o fim do ano”, explica o delegado Fernando David, da 3ª Delegacia de Polícia de Investigações sobre Fraudes Financeiras e Econômicas, da Divisão de Investigações Gerais (DIG).

A aliança é o item mais registrado em boletins de ocorrência dentro da categoria de joias da SSP, mais que o dobro do segundo colocado (veja abaixo). “Mesmo que seja uma aliança de namoro ou de noivado, a tendência de ser de ouro mesmo é muito grande, e ouro de melhor qualidade, muito maior do que em um colar, um bracelete ou até mesmo em um relógio. E o roubador precisa de velocidade. Ele sabe que, se levar a aliança, o peso do objeto tende a ser convertido em porcentagem maior de ouro muito mais fácil”, afirma Fernando.
São cerca de dezoito alianças roubadas por dia na capital em 2025 e um total de 3 674 joias nos três primeiros meses do ano, 518 a mais que no ano passado. Vale ressaltar que o número real pode ser maior, uma vez que são contabilizados apenas os roubos registrados em boletim de ocorrência.
Outra hipótese da investigação conduzida pelo Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), como parte da Operação Ouro Reverso, que explica esse aumento é a facilidade e a velocidade com que o ouro é destinado à revenda. “Principalmente alianças, são rapidamente derretidas, transformadas em materiais novos e revendidas, sem nota fiscal muitas vezes”, diz Fernando. A rapidez faz com que roubar essas joias possa ser mais vantajoso até que roubar um celular, por exemplo. “O celular, agora, tem mecanismos de travamento e rastreabilidade”, explica o delegado. Ou seja, é mais fácil de ser recuperado pela polícia.
Ao somar cerca de 50 000 reais em joias roubadas — quatro anéis de ouro, aliança, colar e relógio — em um assalto à mão armada em julho de 2023, em uma rua de casas no Brooklin, juntamente com seu celular, a empresária Mayara Corrêa, 35, prontamente fez o boletim de ocorrência. O aparelho foi recuperado, mas as joias nunca mais foram vistas. “Estou começando a perder o medo e de vez em quando saio com joia de novo”, conta.
Alexsandra nunca mais usou sua aliança na rua. Ao abrir o vidro para o assaltante em meio ao trânsito das 17h no Jaguaré, ela removeu o anel de ouro que usava por cima da aliança, mas a joia se recusava a sair. “Ela estava apertada. Ele pedia para eu cuspir no meu dedo: ‘Você não quer que eu atire aqui, não é?’ Até que, depois de quase um minuto, ele desistiu, foi embora, eu fechei o vidro e comecei a chorar.” O objeto agora fica guardado em casa e ela usa uma falsa, de bijuteria. “Na hora que começa a ficar feia, compro outra e coloco no lugar. Não consigo ficar sem. É mais do que você ser roubado, quando roubam sua aliança. Celular, amanhã você compra outro. Aliança, não. Vem junto com o momento, com uma experiência que você teve. Não tem preço.”
Neste mês, policiais do Deic prenderam o principal negociador de ouro e joias furtadas e roubadas da organização criminosa que era liderada pela “Mainha do crime”, detida em fevereiro e apontada como financiadora de crimes como o latrocínio que vitimou o ciclista Vitor Medrado, no Parque do Povo, no mesmo mês. O negociador recebia as joias roubadas e vendia para lojas. Atualmente, a polícia investiga onze lojas ligadas a esse homem, de 37 anos, a maioria no centro da capital, na chamada “Rua do Ouro”. Lá, foram apreendidas dezesseis alianças, que podem ser vistas no site da SSP e reconhecidas na sede do Deic, no Carandiru.
Quais as joias mais roubadas ou furtadas em São Paulo no primeiro trimestre de 2025
- 1 671 alianças
- 689 colares/gargantilhas
- 516 anéis
- 283 relógios
- 210 brincos
- 137 pulseiras/braceletes
Publicado em VEJA São Paulo de 16 de maio de 2025, edição nº 2944.