As iniciativas de empresas para conter violência em entregas
Serviços colecionam queixas tanto de clientes quanto de entregadores
No cotidiano agitado da maior metrópole da América do Sul, tarefas como ir ao supermercado ou à farmácia podem nos tomar um tempo precioso. Para evitar o estresse dos deslocamentos e trânsito, 68% dos paulistanos optaram por compras on-line entre os meses de abril de 2023 e março de 2024, de acordo com pesquisa da Fundação Seade publicada no mês passado.
Embora cômodo, o serviço coleciona uma série de queixas tanto por parte dos consumidores quanto dos entregadores, que relatam ter sofrido até violência. O iFood, que registrou em média 70 milhões de pedidos mensais no país em 2023, recebeu 5 095 denúncias realizadas por profissionais de entrega da capital paulista no mesmo ano. Os principais motivos relatados são casos de roubo, agressão verbal e discriminação (veja o quadro).
“Um desafio que temos é em relação aos códigos de recebimento. Muitas vezes, o usuário que pediu não é a pessoa que recebe e esquece de passar o número. Como o entregador não é autorizado a deixar o pedido sem essa confirmação, o cliente se irrita e gera situações de agressão”, relata Johnny Borges, diretor de responsabilidade social do iFood A prevenção de casos como esse é um desafio que envolve um ecossistema formado por estabelecimentos, entregadores, aplicativos e usuários.
Do lado da clientela, as denúncias costumam ser relacionadas ao tipo de transporte usado pelo entregador (quando difere do cadastrado no aplicativo), atrasos e pedidos danificados. Mas há riscos mais graves aos quais os clientes estão expostos, como golpes e fraudes. Em junho do ano passado, a relações-públicas Paula Regufe pediu em seu apartamento, na Alameda Jaú, uma marmita de cerca de 20 reais que acabou lhe custando bem mais.
“O entregador insistiu para eu inserir o cartão e ficou mexendo em dois celulares ao mesmo tempo. Eu tentei pagar uma vez e deu erro. Na segunda tentativa, percebi que era golpe e pedi para o porteiro ligar para a polícia. Descobri que o estabelecimento nem existia no endereço que informaram no aplicativo”, conta ela, que teve 2 000 reais debitados de sua conta bancária.
Para atender os usuários, os aplicativos de delivery indicam a área de suporte e algumas medidas de prevenção, como conferir as informações do entregador e acompanhar o status do pedido. Em casos de entregas parceiras — quando é o estabelecimento que se responsabiliza pelo profissional de entrega —, o controle dos dados pelas plataformas é reduzido.
A produtora Loida Manzo relatou problemas justamente ao realizar um pedido nesse modelo em uma rede de fast food. “Atrasou mais de duas horas. Liguei para o entregador, que me disse que haviam passado a entrega para outro devido ao atraso. Eu fui até a loja e eles alegaram erro do motoboy. Acabei cancelando o pedido de 118 reais e só recebi o estorno dez dias depois.”
Para os entregadores, as empresas também disponibilizam canais de denúncia e suporte, além de manuais com recomendações específicas — sobre o tamanho dos pacotes, exigência de código de verificação e tempo máximo de espera para que o cliente receba a encomenda — para intermediar a relação com os usuários. “Os manuais não dão conta. É preciso instituir normas que tragam conforto para os entregadores e responsabilizem as plataformas. Muitos canais de denúncia são automatizados e não têm a agilidade e eficácia necessárias”, argumenta Gilberto Almeida, presidente do SindimotoSP, sindicato que representa os motoboys.
Para auxiliar os profissionais em situações de risco, o iFood passou a deixar em evidência no app deles o botão de denúncia, e a fornecer assistência jurídica e psicológica em casos de agressão e discriminação.
Com a mudança, em outubro, o app registrou um salto de denúncias em novembro (963) e dezembro (1 039). “Eles estão expostos diariamente a crimes de toda natureza. Inicialmente, atenderíamos apenas casos de discriminação, mas ampliamos para outras modalidades como assédio e agressão física”, conta Dione Assis, fundadora do coletivo Black Sisters in Law, que presta serviço de assistência jurídica para o iFood.
O grupo também realiza cursos de formação para conscientizar sobre os tipos de agressão, os limites da interação de uma entrega e quando se configuram os casos de racismo ou classicismo, por exemplo. “A banalização da violência dificulta a compreensão do que é a agressão verbal”, analisa a advogada. Fora das plataformas, as denúncias também se multiplicam. “Recebemos muitos vídeos de situações de discriminação contra entregadores. Na ausência de normas, as empresas podem deixar essas lacunas”, lembra Almeida, do SindimotoSP. De um lado ou de outro, bom senso e respeito continuam sendo valores imprescindíveis para uma boa relação, seja pessoal, seja comercial ou profissional.
Publicado em VEJA São Paulo de 31 de maio de 2024, edição nº 2895