Artigo: Plano Diretor em debate nas eleições municipais

É importante valorizar candidatos que dialogam com aquilo que já avançou e com as estratégias que precisam ser melhor articuladas para saírem do papel

Por Mariana Chiesa Gouveia Nascimento e Hannah Arcuschin Machado
Atualizado em 14 nov 2020, 15h42 - Publicado em 14 nov 2020, 10h40
 (Bruno Niz/Divulgação)
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O Plano Diretor está na fala e na plataforma da maioria dos candidatos à Prefeitura de São Paulo. Para quem estuda urbanismo, essa foi uma boa surpresa. A importância já sabíamos: 2021 é ano de revisão do Plano Diretor! Mas daí, estar nas propostas dos candidatos assim, explicitada, é um avanço. Um avanço que tem origem na construção constitucional e legislativa desde 1988, mas que conta com o papel central de governos e da sociedade civil.

O debate foi sendo qualificado aos poucos e as discussões ganhando espaço e narrativas mais facilmente acolhidas pelos leitores. Partimos de uma discussão que utilizava só termos técnicos para uma comunicação mais assertiva. Quem acompanha a imprensa observou os temas como: zoneamento, direito de protocolo, aumento de gabarito, usos mistos, habitação de interesse social, função social da propriedade, velocidade de vias, ciclovias, mobilidade urbana. Enfim, um conjunto de temas que teve mais espaço no debate público.

E, como consequência, estamos vendo os candidatos antenados.

Assim como em outros campos, as polarizações também atingem a temática em questão e os candidatos dividem-se entre os que acreditam que a maior liberdade do setor imobiliário vai trazer uma cidade mais justa e aqueles que privilegiam a regulação como estratégia para chegar a esse resultado. Mas, poucos fundamentam suas propostas em dados e, normalmente quem o faz, entende a importância da regulação. O Plano Diretor não é mais um instrumento desconhecido, experimental. Há um histórico de implementação de muitas estratégias. E, com a aprovação de 2014 e os avanços nos modelos de acompanhamento de sua execução, temos hoje um conjunto de informações muito valiosas e que são o ponto central para qualquer debate, revisão e avanço. Não apenas centrais, as informações deveriam ser o ponto de partida.

Segundo dados produzidos pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Município, algumas importantes estratégias tiveram resultado condizente com o esperado. Por exemplo, a estratégia de adensamento construtivo e populacional nos Eixos de Estruturação e Transformação Urbana, regiões da cidade que são bem servidas de infraestrutura urbana e de alternativas de transporte. Essa conclusão é possível quando se observa uma redução de imóveis com mais de 120 m2 e uma ampliação de unidades de 35m2 a 70m2, associadas a um aumento dos usos mistos e das fachadas ativas, bem como uma significativa redução do número de garagens. E como essa estratégia foi possível? Essas foram regiões em que determinadas formas de produção foram incentivadas, por meio de descontos na Outorga Onerosa do Direito de Construir. Como a cidade inteira passou a cobrar outorga, o Município conseguiu estimular determinadas produções em regiões estratégicas, conferindo descontos e até deixando de cobrar.

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Veja a importância que a outorga onerosa tem numa cidade do tamanho e com a complexidade de  São Paulo: além de permitir essa orientação do mercado para determinadas regiões, estimular usos específicos – para estimular a aproximação entre casa e trabalho, por exemplo – ainda garante uma fonte de receita que será fundamental para os investimentos públicos na cidade. Esses investimentos são realizados por meio do Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano – FUNDURB e garantem a aplicação de recursos públicos em habitação, mobilidade e outros. Desde o Plano Diretor de 2014, mais de R$ 1 bilhão foi arrecadado. Além de importante fonte de receita para o Município, ainda tem um caráter distributivo, já que a receita vinda das áreas mais ricas custeia investimentos nas regiões mais pobres, onde há maior demanda.

A execução do Fundo deixou a desejar por não ter atingido os percentuais definidos pela legislação, que prevê 30% para mobilidade e outros 30% para habitação, por exemplo, mas teve apenas 18% e 14% executados, respectivamente. No campo da mobilidade, os investimentos em circulação de pedestre e sistema de ciclovia caíram significativamente, quase a zero, nos anos de 2017 em diante.

Outra estratégia que parece estar em um caminho promissor foi o estímulo à produção de Habitação de Interesse Social na cidade. O Plano Diretor definiu áreas estratégicas e 73% dos empreendimentos licenciados neste formato estão nas áreas incentivadas pelo plano. Ainda que seja necessário checar se as aprovações correspondem ao que foi ou será construído de fato, constatou-se uma ampliação da produção privada desses empreendimentos dentro e fora das zonas especiais de interesse social (áreas reservadas para empreendimentos para pessoas de baixa renda). Mas, no campo da habitação, os estímulos à autogestão, locação social e o Plano Municipal de Habitação, não foram implementados.

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Aliás, há importantes legislações que ficaram paralisadas na Câmara Municipal, como o Arco Tietê, fundamental para garantir a mudança de uso das marginais no futuro. Sim, uma cidade que pensa em sustentabilidade precisa garantir um melhor uso dos seus rios e, para isso, as marginais precisam ser repensadas. O Plano de Habitação também ficou sem movimentação da Câmara e, no apagar das luzes, aprovaram uma alteração no FUNDURB permitindo utilizar recursos para recapeamento, invertendo a lógica de prioridades definidas pelo plano em ano eleitoral.

Neste contexto, é importante valorizar candidatos que dialogam com aquilo que já avançou e com as estratégias que precisam ser melhor articuladas para saírem do papel. Estratégias comprometidas com o desenvolvimento sustentável e que enfrente as desigualdades, além de descentralizar alguns processos de eleição de prioridade. Grande parte dos Planos de Bairro, por exemplo, não foram sequer formulados e são um importante instrumental para atender as demandas locais.

E, por fim, a necessidade de garantir a participação de qualidade no processo de revisão do Plano Diretor não pode deixar de estar na agenda dos candidatos. Sob pena da cidade se ver paralisada, como já ocorreu anteriormente, o compromisso com a participação é inegociável. Há jurisprudência consolidada que impede processos de revisão e formulação de normas urbanísticas sem a garantia do processo participativo. E garantir a participação vai muito além de realizar audiências públicas. Construir propostas em conjunto com a população, trazer dados para formulação das propostas, apontar os impactos das propostas para as regiões, elaborar material explicativo, são ações fundamentais a serem realizadas pela próxima gestão da Prefeitura.

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Fiquem atentos, propostas que falam em extinção da outorga onerosa (importante fonte de financiamento), adensamento construtivo como algo que necessariamente levará a um adensamento populacional (pode haver ampliação construtiva para atender apenas alta renda), ausência de menção a dados e estudos, e nenhuma palavra sobre participação da sociedade no processo de formulação, não consideram a complexidade que o tema demanda. E há muito em jogo neste debate que pode aprofundar ainda mais as desigualdades que vivemos.

Mariana Chiesa Gouveia Nascimento, advogada, doutora em direito do estado pela USP e vice presidente da Comissão de Direito Urbanístico da OAB-SP.

Hannah Arcuschin Machado, arquiteta urbanista e vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento de São Paulo (IAB-SP).

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