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Artigo: o que falta para as ciclovias de SP deslancharem para valer?

Apesar de inúmeros avanços, a malha cicloviária ainda falha em se apresentar como boa alternativa ao deslocamento cotidiano

Por Bruno Monteiro e David Naslavsky
Atualizado em 7 dez 2018, 06h00 - Publicado em 7 dez 2018, 06h00
 (Alf Ribeiro/Estadão Conteúdo)
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Com o viaduto que partiu na Marginal ou até na inesquecível greve dos caminhoneiros em maio, o uso da bicicleta aumentou ainda mais que da forma espontânea dos últimos anos. Precisamos discutir o muito que ainda falta para incentivar o seu uso, da falta de integração com trens e metrô e de bicicletários à manutenção das vias cicloviárias existentes.

Antes, é fundamental combater alguns mitos sobre uma suposta desimportância de estimular o uso da bicicleta na cidade de São Paulo. Mesmo com a maior malha cicloviária do país (498,3 quilômetros, sendo 94% destes na forma de ciclovias/ciclofaixas e o restante como ciclorrotas — com velocidade limitada e sinalização que, em tese, servem de rota segura para os ciclistas), o sistema ainda é modesto. Portland (EUA) tem 595 quilômetros de malha cicloviária permanente, apesar de ter um vigésimo do tamanho da cidade de São Paulo. Bogotá, 30% menor, chegará a 700 quilômetros no ano que vem. Nova York tem 1 820 quilômetros.

Um estudo realizado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) concluiu que a atual massa de ciclistas já ajuda a reduzir 3% das emissões de CO2 da capital, além de apresentar um fator de risco mais baixo no desenvolvimento de diabetes e doenças cardíacas. Caso a população de São Paulo aderisse ao perfil de atividade física do ciclista médio, economizaríamos mais de 34 milhões de reais por ano somente com tratamento e prevenção dessas duas classes de patologia.

“O fator mais preocupante é a ausência de integração com outros modais de transporte, como trem e metrô. Ciclistas sofrem com a falta de bicicletários na maior parte das estações e com horários muito restritos de circulação com bikes nos vagões”

E por que não falar mais sobre poupança doméstica, produtividade e comércio? O uso da bicicleta em detrimento do carro ou da motocicleta pode chegar a uma economia média mensal de 451 reais por pessoa. O menor tempo de deslocamento em horários de pico promove ganhos de produtividade que têm o potencial de chegar a 18,7 milhões de reais por ano. Ainda, o órgão de planejamento estratégico de transportes de Londres, Transport for London (TfL), mostra que ruas planejadas para pedestres e ciclistas, as chamadas living streets, induzem a um aumento de até 30% nos lucros do comércio, ao fomentar maior convívio entre transeuntes e o seu entorno. Calçada mais larga e ciclovias, quem diria, dão lucros para as lojas vizinhas.

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De fato, a simples existência de mais ciclistas abre portas comerciais, como empreendimentos relacionados ao bem estar dos passantes e oportunidades para os bike couriers, os entregadores que, impulsionados por aplicativos como Rappi e UberEats, trocaram as motos pelas bicicletas para economizar tempo e dinheiro em suas entregas.

O número de ciclovias não basta para medir o bom funcionamento do sistema. Pesquisadores vêm encontrando condições que se mostram relevantes para a eficiência do uso das bicicletas no dia a dia. Foram achadas relações sólidas entre pedalar e estar perto da zona costeira, ter de subir muitas ladeiras durante o caminho ou mesmo achar o seu percurso bonito. Mas entre muitas outras explicações, há pelo menos quatro que se destacam como consenso em qualquer levantamento científico. Não importa se for em Nova York, Pequim ou Adelaide: a densidade residencial, a diversidade no uso da terra, a conectividade entre as ruas e a integração com pontos de transporte público são fatores que, sem dúvida, ajudam a impulsionar a quantidade de ciclistas.

Para o caso de São Paulo, parece-nos que o fator mais preocupante é a ausência de integração com outros modais de transporte, como trem e metrô. Ciclistas sofrem com a falta de bicicletários na maior parte das estações e com horários muito restritos de circulação com bikes nos vagões. Atualmente, apesar de aos domingos e feriados o acesso ser livre, só é possível embarcar com elas a partir das 20h30 nos dias de semana e das 14h aos sábados. Isso significa que, mesmo no meio das manhãs e tardes, quando há uma normalização do fluxo de passageiros, ciclistas são impedidos de levar a bicicleta consigo, o que inviabiliza uma eficaz integração existente em outras cidades, como Nova York e Paris.

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A sinalização instalada não fez. o seu papel, e os motoristas, caso. a notem, não a respeitam.. A indiferença ao limite de velocidade. também não foi mitigada com. estratégias de acalmamento de. tráfego, como lombadas em. relevo ou canteiros intercalados

Outra preocupação é a presença — e eventual expansão — das ciclorrotas. Não entendam mal: a ideia de introduzir um equivalente brasileiro das chamadas bicycle boulevards, estruturas cicloviárias já implantadas com sucesso em diversas cidades do mundo, é promissora. Um exemplo, aliás, seria Portland. Mas a dinâmica de ciclistas deslocando-se junto com automóveis sem nenhuma estrutura de separação não funcionou tão bem por aqui. Aparentemente a sinalização instalada não fez o seu papel, e os motoristas, caso a notem, não a respeitam. A indiferença ao limite de velocidade também não foi mitigada com estratégias de acalmamento de tráfego, como lombadas em relevo ou canteiros intercalados na via (formação “S”). E, apesar de serem tema contemplado no último plano cicloviário, publicado em agosto de 2018, esses mecanismos de acalmamento estão longe de existir hoje.

Quanto ao atual plano cicloviário, vale falar da construção de um cicloanel ao redor do perímetro do centro expandido. Julgado por muitos como uma tentativa de aplicar técnicas rodoviaristas à gestão cicloviária, o anel deixa muito a desejar quando se trata de densidade do tecido urbano circundante ou conectividade com a grade de vias urbanas — fatores caros à ideia de pedalar. Diferentemente dos veículos motorizados, que preferem a fluidez das vias, ciclistas diários optam pelos percursos que minimizam seu esforço físico. Fazê-los pedalar ao longo do cicloanel até chegarem a algum eixo que os conduza a seus destinos não parece levar em conta como funcionam os deslocamentos por bicicleta.

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Novas sugestões são deixadas como propostas despretensiosas. Vale estudar, por exemplo, as recém-instaladas cycle tracks de Portland, que separam os ciclistas dos automóveis por uma faixa de carros estacionados. Ou o sistema Hawk, de Tucson (EUA), que promete tornar os cruzamentos mais tranquilos para os ciclistas. A vida na Pauliceia, com todo o seu vigor e efervescência, estará pronta para receber um sistema cicloviário de ponta. Cabe a nós desenvolvê-lo.

Bruno Monteiro é estudante de economia no Insper; David Naslavsky é estudante de direito na SanFran-USP

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