O colégio sem diretor, funcionários ou bedéis onde gestão é feita por alunos e professores
Em forma de cooperativa, a Arco Escola retorna ao presencial após a pandemia e à construção prática de seus pilares de convivência
A primeira quinta-feira de dezembro (1º) foi um dia movimentado na Arco Escola-Cooperativa, no bairro do Butantã. Com vassouras, rodos e baldes, as crianças e adolescentes lavavam os corredores e o pátio. Na cozinha, o pessoal do terceiro ano do ensino médio preparava um churrasco para os 150 alunos e 34 professores-cooperados, como celebração do fim do ano letivo — enfim um ano presencial “normal” na escola, pioneira em autogestão no setor em São Paulo. Embora os almoços e a rotina de limpeza aconteçam semanalmente, naquela manhã nenhum professor participava das atividades. Era como um rito de passagem. “O almoço deve atrasar um pouco, mas vai sair”, prometia Frederico Ravioli, o professor de artes e marcenaria.
“Todos os dias, após as aulas, os alunos e professores fazem uma limpeza rápida na escola, de 15 minutos. Às quintas-feiras, tem uma faxina mais pesada”, diz Flávia Chiavassa, professora de química. Do cardápio da cantina à lista de compras, uma série de responsabilidades é assumida pelos alunos — no caso dessas tarefas, elas são baseadas no orçamento para cada semana feito no início do ano letivo pelos próprios professores. “É comum ver jovens do sexto ano que nunca cozinharam. Os mais velhos são receptivos, mas às vezes também dão um puxão de orelha — e isso tem um tom diferente do que se fosse um adulto falando”, conta Luis Braga, cooperado no colégio desde a idealização, em 2017, que também dá aulas de marcenaria.
Com as primeiras turmas formadas em 2019, a Arco tem um modelo horizontal de gestão: não há diretoria, funcionários ou bedéis. Os integrantes da cooperativa — todos professores — exercem as funções, conforme a experiência e a disponibilidade de cada pessoa. As reuniões semanais, de três horas, discutem desde o conteúdo das aulas até o valor das mensalidades.
Não é uma escola barata: o valor mensal varia entre 2 600 e 3 100 reais. Dada a preocupação com a diversidade de alunos, existe um sistema de bolsas. “Um quinto da arrecadação é destinado a bolsas, que chegam a 100% do valor da mensalidade. Os alunos beneficiados são buscados ativamente pela escola”, diz Braga. “Optamos por turmas pequenas e decisões coletivas, e isso também demanda mais tempo de discussão e mais custos”, ele completa.
Após o ano de estreia, a pandemia afetou justamente um pilar da Arco: o convívio e a construção coletiva. Para amenizar as distâncias, foram tentadas diversas iniciativas, desde o envio de kits para atividades em casa até momentos em que todos cozinhavam com a câmera ligada. Para Liz Gentile, 14, aluna do nono ano, foi fundamental manter os Grupos de Elaboração, reuniões semanais entre alunos e dois professores para discutir as questões do convívio. “Todo mundo se sentiu mais pressionado (com a Covid-19), mais prejudicado. Aquele era um espaço em que você podia contar com todo mundo, onde estabelecia um vínculo de confiança e abertura”, diz a aluna.
A flexibilidade também fez parte do ensino a distância. Para alunos que tiveram mais dificuldade, por exemplo, houve negociação de prazos. “A escola não exerce pressão (em relação ao vestibular), mas os professores também estão abertos a estimular um estudo mais direcionado. Já neste ano, tivemos simulados da Fuvest e do Enem”, conta Irene Calheiros, aluna de 17 anos do terceiro ano do ensino médio.
Em 2022, enfim, as turmas puderam se relacionar presencialmente. “A convivência tem sido muito alegre. Mas isso passa por entender que, se você não fizer o que precisa ser feito, ninguém vai fazer por você. Existe um tipo de aprendizado e amadurecimento muito específico aqui”, conta Luiza Canedo, 17 anos, aluna do terceiro ano do ensino médio, na Arco desde 2020.
O ano presencial também revelou desafios do modelo, como é esperado de algo inovador. “Somos uma jangada navegando ao lado de transatlânticos (colégios comuns)”, diz Luis, citando o educador francês Fernand Deligny. Os contratempos podem envolver a limpeza — alunas citam que às vezes acontecem conflitos para que todos se dediquem à tarefa —, queixas de jovens que querem ser “mais ouvidos” por professores e até pequenas insubordinações, talvez motivadas pelo espírito libertário da iniciativa. Naquela quinta-feira, os alunos anteciparam uma guerra de bexigas d’água que estava programada para o fim do dia. Não era o horário para isso — e os professores barraram a ideia.
Publicado em VEJA São Paulo de 14 de dezembro de 2022, edição nº 2819
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