O excêntrico clube de um homem só
Um advogado transforma o Nacional Club, no Pacaembu, em um centro frequentado por militares e monarquistas, ao custo de 40 milhões de reais
As eleições municipais tiveram um personagem do qual você não ouviu falar. Até a metade de setembro, o advogado e pecuarista Antônio Ribas Paiva, 71, era pré-candidato à prefeitura pelo Partido Trabalhista Cristão — o antigo PRN, que elegeu Fernando Collor à Presidência, em 1989, e depois acolheu nomes como a Dra. Havanir (aquela que imitava Enéas Carneiro) e o estilista Clodovil Hernandes. Mas Ribas, como é conhecido, alegou falta de recursos e desistiu da campanha. Das eleições, passou a tratar em posts quase diários no Facebook, onde exalta as Forças Armadas, sugere fraudes nas urnas e espalha dúvidas sobre a pandemia que já matou mais de 173 000 brasileiros.
Ribas tem uma relação mais ampla com a cena política paulistana. Ele é o principal líder da União Nacionalista Democrática (UND), uma congregação fundada em 1992 (originalmente sob o nome de Grupo das Bandeiras) que sempre teve fortes laços com os militares e o conservadorismo ideológico. “No dia seguinte à eleição do Bolsonaro, o (vice-presidente Hamilton) Mourão veio festejar no nosso clube. Aliás, quem me falou pela primeira vez no nome dele, anos atrás, foi o (Carlos Alberto Brilhante) Ustra”, relembra o advogado. “Nosso grupo abastece as Forças Armadas com inteligência há muito tempo. O nióbio e o artigo 142 (que permitiria uma ‘intervenção militar constitucional’) nasceram aqui. Nós mudamos o Brasil em silêncio”, ele afirma.
Em 2016, Ribas se tornou o mandachuva do Nacional Club, uma joia arquitetônica e histórica situada no bairro do Pacaembu. Reformado pelo arquiteto Jacques Pilon, com jardins de Burle Marx e Di Cavalcanti, o palacete erguido em um terreno de 5 124 metros quadrados — no valorizado trecho entre o estádio e o cemitério do Araçá — sediou um dos mais tradicionais clubes de cavalheiros da capital. Fundado em 1958, atraiu frequentadores como os presidentes Jânio Quadros e Juscelino Kubitschek, príncipes europeus e alguns dos maiores banqueiros paulistanos.
Nos anos 60 e 70, chegou a ter um quadro de 1 000 sócios. Depois, repetiu a escrita de outras agremiações do tipo na cidade: perdeu filiados, virou um espaço malcuidado e acumulou dívidas. Quatro anos atrás, Ribas comprou os oitenta últimos títulos, por cerca de 50 000 reais cada um. Investiu também, ele afirma, 1 milhão de dólares em reformas no local. “Estava caindo aos pedaços. O teto só não desabou porque era de alta qualidade”, ele diz. (Empresas que alugam o espaço para eventos confirmam as melhorias.)
“Fala para o Bruno Covas vir cobrar o IPTU. Tenho dinheiro”, diz Ribas, sobre as dívidas de 12,5 milhões com o município
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Esses gastos, porém, empalidecem se comparados às dívidas que Ribas assumiu ao se tornar dono das cotas. Apenas em IPTU, o imóvel tem 12,5 milhões de reais em aberto. Não paga o imposto, total ou parcialmente, desde 2008. Existem doze ações de execução fiscal movidas pelo município. “(Essas ações) encontram-se em diferentes fases, com penhora efetivada em alguns casos. Na maioria deles, os requerimentos aguardam apreciação judicial”, informa a prefeitura.
Na prática, significa que o leilão chegou a ser decretado, mas o Nacional sempre achou uma maneira de adiar a venda nos tribunais. Nas disputas mais recentes, os advogados pedem uma suposta isenção do IPTU por se tratar de um “clube esportivo”. “Não jogam nem bolinha de gude por lá”, ironiza uma vizinha que mora há sessenta anos na rua — as casas do entorno pagam entre 1 000 e 2 000 reais por mês de IPTU; o do Nacional é de 35 000.
Paiva diz que acontecem partidas de xadrez, sinuca e pingue-pongue no local. Além disso, questiona a natureza do tributo. “O IPTU É CONFISCATÓRIO, PORQUE TRIBUTA A PROPRIEDADE. É O MESMO QUE COBRAR IMPOSTO SOBRE UMA ESCULTURA DE MIQUELANGELO NO JARDIM”, enviou à reportagem por WhatsApp (em maiúsculas, mesmo).
Mas a caderneta de pendengas é mais extensa. Inclui desde dívidas privadas — como uma estimada em 6 milhões com o Bradesco — até uma enxurrada de contas d’água não pagas. “O débito atualizado é de 227 000 reais”, informa a Sabesp, que deixou de abastecer o imóvel. Nas torneiras e na piscina, a água vem de caminhões-pipa e de captação da chuva. Ribas calcula que, ao todo, as dívidas do clube passem de 30 milhões de reais.
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Para fins de ITBI, a prefeitura estima o valor da propriedade em 29,9 milhões, mas o advogado acredita que ela “não tem mercado” pelas limitações de construção no bairro. Somada aos títulos adquiridos e às reformas, tem-se uma aventura de 40 milhões. Se é uma roubada ou um negócio genial, vai depender da negociação dos débitos que ele espera fazer. “Pode avisar o Bruno Covas que vou pagar o IPTU. Tenho dinheiro”, diz. (Ribas é neto dos donos da JRibas Cia Ltda, que atuou no mercado frigorífico do centro-sul do país em meados do século passado.)
É verdade que, sob a gestão de Ribas, o Nacional vinha faturando como espaço de eventos. No ano passado, empresas como a Volkswagen e personalidades como Sabrina Sato escolheram o local para fazer celebrações. Ribas afirma que essas receitas nunca cobriram os custos do clube. O aluguel sai por 30 000 reais para festas de até 300 pessoas, que ocorriam em média uma vez por semana. “O Ribas é meio Sinhozinho Malta (personagem de Lima Duarte em Roque Santeiro): fala de dívidas e prejuízos com um relógio de ouro no pulso”, diz o executivo de uma marca que usava o lugar.
“Os eventos não pagam as contas, o clube não dá lucro. O importante é mudarmos o Brasil”, diz o advogado
Com terno de linho, cabelos pintados e meias combinando com a gravata, o excêntrico personagem garante ainda que não venderá a propriedade. “Talvez isso aconteça depois da minha morte”, ele diz. “O importante não é o dinheiro, é salvar o país. Este é o destino do Nacional: ser uma fundação conservadora.”
Por essa alegada vocação, o advogado insiste que o principal motivo para comprar uma propriedade tão enrolada é usá-la como sede para reuniões políticas. A UND se encontra no local nas segundas-feiras à noite, mas não é a única agremiação conservadora a circular por ali. “Nos últimos anos, temos recebido regularmente monarquistas como Bertrand de Orleans e Bragança e o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança, maçons, a TFP (Tradição, Família e Propriedade)… Eu transito por todos”, diz.
VEJA SÃO PAULO acompanhou a última reunião semanal da UND, no dia 30. O encontro atraiu 29 pessoas, entre advogados, oficiais da reserva e outros militantes. A pauta era a formulação de uma nova Constituição para o país. Por ser o dia seguinte ao segundo turno, porém, o hit das conversas eram as eleições. Era unânime a ideia de que houve fraude nas urnas — um integrante apontou como prova disso a vitória para a Câmara da trans Erika Hilton, do PSOL. “Balela. Gays também votam, infelizmente”, discordou outro. Pouco antes da meia-noite, todos em pé, eles encerraram o debate aos gritos de “Brasil acima de todos”, um lema que a UND usa há décadas.
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Publicado em VEJA São Paulo de 09 de dezembro de 2020, edição nº 2716