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Acidente com Fokker 100 da TAM completa 25 anos

Queda matou todos as 96 pessoas a bordo, além de três que estavam na rua atingida, no Jabaquara; ninguém foi responsabilizado criminalmente

Por Redação VEJA São Paulo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
31 out 2021, 11h36

Há exatamente 25 anos, o jornalista Jorge Tadeu da Silva levantou cedo e saiu de sua casa, na rua Luís Orsini de Castro, no Jabaquara, zona sul de São Paulo, para dar aula de português em um colégio particular ali perto. Mal chegou à escola, uma pessoa da secretaria o procurou dizendo que seu irmão estava ao telefone.

“Achei estranho. Mas fui lá [atender]. Devia ter acontecido alguma emergência. Ele falou, com uma voz meio assustada, que um avião tinha caído em cima da minha casa e que eu precisava ir para lá. Em princípio, achei que ele estava brincando”, contou Silva.

O jornalista morava em um sobrado geminado: seus pais eram seus vizinhos de parede. E foi justamente nessa casa que parte do avião Fokker 100, da TAM (empresa que foi fundida com a Lan e se tornou a Latam) caiu, por volta das 8h26 da manhã do dia 31 de outubro de 1996. “Eles [meus pais] estavam na casa. Eles haviam acabado de sair da cama e estavam no andar de cima, descendo para tomar o café da manhã, quando o avião caiu”, disse.

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Silva guarda um jornal com a foto que mostra um trem de pouso do avião dentro da casa dos pais. Felizmente, todos da família sobreviveram. O pai teve apenas uma queimadura no braço. Foi levado ao hospital, mas no mesmo dia foi liberado. O acidente, no entanto, jamais foi esquecido pela família. E provocou traumas.

“Para meus pais, que tinham mais idade, foi um período muito difícil, que marcou muito a vida deles. Eles passaram a ter dificuldade de dormir no escuro”, relatou. “Eu tenho memória olfativa, para você ter uma ideia. O cheiro era muito desagradável e ficou marcado.”

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No aeroporto
Pouco antes de o acidente acontecer, Sandra Assali havia levado seu marido, o médico cardiologista José Rahal Abu Assali, para o aeroporto de Congonhas. Naquele mesmo dia, ele daria aula em um congresso no Rio de Janeiro e retornaria a São Paulo.

“Morávamos perto do aeroporto, então, quando possível, eu o levava até lá. Naquele dia, chegamos já bem próximo do horário de embarque”, contou Sandra. “Era um dia normal, de rotina. Ele voltaria no mesmo dia. Eu me despedi dele e fui embora. Meia hora depois tive a confirmação do acidente, de que ele tinha morrido”, afirma.

Sandra não viu o acidente acontecer. Já havia saído do aeroporto e estava dentro do carro, e ouviu apenas o barulho. “Ouvi um grande ruído e percebi um clarão, apesar de ter sido de manhã. Naquele momento eu achava que era [algo] num posto de gasolina. Na verdade, você nunca imagina que pode ser um avião”, destacou.

Ela só ficou sabendo do acidente depois. A lista dos passageiros que morreram com a queda e a explosão do avião, ela conheceu pela TV. Da companhia aérea, Sandra jamais recebeu um telefonema sobre a morte do marido.

Cenário de guerra
Ao saber do acidente pelo irmão, Jorge Tadeu da Silva voltou correndo para casa. Ele lembra de estar tudo em chamas e de ter se juntado aos vizinhos na tentativa de abrir alguns portões e gritar por sobreviventes. Segundo ele, o avião destruiu oito casas na sequência.

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“Ele pegou a minha na parte da frente. Na dos meus pais, um pouco mais a estrutura da frente. Na terceira casa, a parte principal da fuselagem caiu. E o cockpit do avião, a ponta do avião, percorreu mais cinco ou seis casas cortando elas pelo meio. Imagine um cenário de destruição, muito fogo. O avião havia acabado de decolar e estava com o tanque cheio. Estava abastecido para o voo até o Rio de Janeiro”, lembrou.

“A primeira visão que eu tive foi essa: de uma cena clichê de um bombardeio de guerra ou algo assim. Era muito fogo, muita fumaça preta. Você via os destroços, mas não conseguia ver o que que era, na hora”, completou.

O avião havia acabado de sair de Congonhas, aeroporto de São Paulo, com destino ao Rio de Janeiro. Mas apenas 24 segundos depois, de acordo com relatório final elaborado pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), a aeronave bateu em três prédios e caiu em cima de diversas casas na Rua Luis Orsini de Castro, a cerca de 2 quilômetros do aeroporto. Com a queda, o avião pegou fogo matando todos as 96 pessoas a bordo. Três pessoas que estavam no solo também morreram.

Uma das vítimas em solo era um pedreiro que trabalhava no telhado de uma casa, contou Silva. As duas outras vítimas foram um professor, que estava em sua garagem no momento do acidente, e um parente dele, que sofreu queimaduras severas, chegou a ser socorrido, mas morreu 30 dias após o acidente.

“De maneira surpreendente, apenas três pessoas no solo faleceram. Para um acidente desse porte, numa área urbana, foi realmente um milagre. É uma rua em que muitas crianças usam para ir para a escola. Mas devido ao horário, tinha pouca gente na rua”, disse.

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Sandra tinha dois filhos à época do acidente: um menino, de 7 anos, e uma menina, de 4. Ela e outros envolvidos naquela tragédia criaram a primeira associação de parentes de vítimas de acidente aéreo do Brasil, Abrapavaa, da qual ela é presidente. A associação ajudou a mudar a aviação no país, principalmente em relação à indenização e ao tratamento dado aos familiares das vítimas de acidentes.

As causas
A queda do avião foi provocada por uma falha no reversor da turbina direita (o freio aerodinâmico), que abriu durante a decolagem. O reversor é um equipamento que se abre para ajudar a aeronave a desacelerar, preparando o avião para o pouso. Mas, naquele dia, o equipamento abriu na decolagem, em pleno voo. Isso foi como acionar o freio no momento em que a aeronave precisava acelerar para ganhar mais sustentação. Um problema para o qual o piloto e o co-piloto não haviam sido treinados, já que as chances de que isso ocorresse eram raríssimas.

“O manual da Fokker 100 dizia que não havia necessidade desse tipo de treinamento porque a possibilidade era de uma em um milhão do reverso abrir em voo. Ou seja, os pilotos, dentro do que tinham de treinamento, fizeram o que sabiam. Não eram treinados para essa eventualidade”, disse Sandra Assali.

“Um acidente aéreo, como eu sempre digo, acontece sempre por vários fatores. Nunca é um fator só”, destaca Mário Luiz Sarrubbo, procurador-geral de Justiça do estado de São Paulo. Sarrubbo foi o promotor do caso à época.

Antes de decolar de Congonhas com destino ao Rio de Janeiro, naquela manhã de quinta-feira, o Fokker tinha feito uma viagem de Caxias do Sul, na Serra Gaúcha, para São Paulo. Quando o piloto desse voo chegou a Congonhas, ele relatou aos tripulantes do voo seguinte que um alarme havia indicado um defeito no acelerador automático, o chamado autothrottle, um mecanismo que ajuda o piloto a controlar a velocidade da aeronave, mas que não é essencial para o voo. Durante a investigação, se descobriu que o problema, na realidade, não estava no autothrottle, mas no reversor de uma das turbinas.

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“Interessante é que até hoje a gente não sabe se o reverso abriu em voo anteriormente em outros locais, porque a tripulação que levou o Fokker para Congonhas naquele dia reportou para o piloto que assumiu o voo [de São Paulo para o Rio de Janeiro] que o controle de acelerador automático, chamado de autothrottle, estava com defeito, que o manete [alavanca que acelera ou reduz a potência do motor] estava voltando em algum momento. Por isso, o piloto [do voo que caiu] foi enganado. Não era o acelerador automático. No caso dele, era o reverso em voo, que acabou sendo o fio da tragédia”, disse o procurador-geral.

“Os fatores determinantes para a queda da aeronave: um relé [espécie de interruptor elétrico] que entrou em curto, e o piloto ter sido induzido a erro em função da movimentação do manete em decorrência desse curto”, explicou o promotor. “A possibilidade do reverso abrir em voo era muito pequena. Por isso, o piloto nem pensou em reverso em voo”, acrescentou.

Se o piloto tivesse conhecimento de que o problema no avião era o reverso, seu procedimento no voo teria sido outro, acredita Sarrubbo. “Ele desligaria aquele motor e alternaria para Cumbica, pousaria ali, não iria para o Rio de Janeiro. Ele faria alternância para Cumbica, desligaria aquele motor – o reverso pode ficar aberto com o motor desligado, e ele pousaria em Cumbica com toda a segurança e nada aconteceria.”

Após a investigação sobre as causas do acidente, nenhuma pessoa foi responsabilizada pela tragédia. “Na nossa manifestação, arquivamos o inquérito policial porque entendíamos que não dava para se atribuir culpa criminal a quem quer que fosse. Foi realmente uma situação absolutamente inusitada”, disse Sarrubbo. “Não havia nenhuma responsabilidade em nível pessoal criminal que pudesse fazer com que fizéssemos um processo criminal. Fui o autor do arquivamento porque realmente, sob o prisma do crime, não havia nenhum tipo de responsabilização. Foi mesmo inusitado”, relembrou.

Latam
Procurada pela Agência Brasil, a Latam informou não ter hesitado em “dar assistências às famílias das vítimas, mesmo não tendo protocolos e normas globais para assistência humanitária”.

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Segundo a empresa, “todas as famílias das vítimas envolvidas [no acidente] foram indenizadas”.

A Latam disse ainda que tem um plano robusto, estruturado e detalhado de resposta à emergência cuja premissa número um é a “segurança é valor inegociável”. Esse plano, de acordo com a empresa, contempla dez pontos, que prevê, por exemplo, atendimento e assistência às famílias envolvidas.

 

* Com Agência Brasil

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