Grupo pró-intervenção militar acampa na região do Ibirapuera
Movimento está instalado há cinco meses no local. Historiadora da USP diz que pedido é "absurdo"
Sentadas em volta de uma mesa onde estão dispostos café, água e bolacha, três senhoras visualizam um soldado permanentemente a postos, observando tudo o que passa adiante. Às vezes, dois deles estão de prontidão.
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Os militares estão lá para vigiar uma das entradas do Comando Militar do Sudeste, área do Exército que ocupa um quarteirão inteiro em uma das regiões mais valorizadas da cidade: o Ibirapuera. Do outro lado da rua, está a Assembleia Legislativa, também apoderando-se de uma quadra completa.
As três mulheres, Elizabeth Leme, Laura Narciso e Elisa Pessoa, têm duas coisas em comum. A primeira é a profissão: “intervencionista”. “Aqui dentro ninguém é advogado, professor, médico. Somos todos intervencionistas”, diz uma delas. A segunda circunstância que as une é a vontade pela volta dos militares ao comando do Brasil.
O trio faz parte de um grupo de cem pessoas que se revezam em um acampamento montado, desde 9 de julho deste ano, na Avenida Sargento Mário Kozel Filho, paralela à Pedro Álvares Cabral, via que margeia o parque que dá nome ao bairro. Procurado, o Comando do Exército informou que não comenta o caso.
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O local escolhido, assim como a data (Revolução Constitucionalista), tem um motivo. Em 1968, o militar Kozel foi morto em um ataque praticado pela Vanguarda Popular Revolucionária – liderada por Carlos Lamarca e que já teve a presidente Dilma Rousseff como integrante.
O acampamento tem nome: Posto de Resistência Mário Kozel Filho, apelidado internamente de PR-1.
No PR-1, quando VEJA SÃO PAULO esteve no local, a recepção foi solícita, mas houve certa desconfiança. “Muita gente deprecia nossa posição. Nossa luta não é fácil. Passam aqui na frente xingando”, disse Elizabeth Leme. “Quer um café?”, perguntou.
Elizabeth, a mais falante do trio, diz que a mobilização é por uma intervenção constitucional. “Queremos uma democracia verdadeira, não essa roubalheira que está aí”, esbravejou. “Falar em ditadura é mostrar um grau de ignorância enorme. A partir de 1964 não houve supressão de direitos. Naquela época, respeitávamos a pátria”, lembra.
A afirmação, no entanto, é repelida pela professora de História da USP Maria Aparecida de Aquino, especializada em regime militar: “O pedido de intervenção é tão absurdo que nem os militares da ativa têm interesse em voltar a um período que eles próprios sentem vergonha. Sem falar que a ditadura é condenada pela grande maioria da população há mais de trinta anos”, diz.
Enquanto isso, o grupo se reveza no PR-1 da maneira que dá. “Todos trabalhamos, todos temos renda e família”, diz Elisa Pessoa. “Aliás, nossa família, nossos filhos, nossos amigos apoiam nossas posições”.
Questionadas se os netos também defendem a intervenção, ela diz que ainda são pequenos. “Mas o farão quando crescerem. Viverão em um país melhor”, almeja Laura, que tinge os cabelos de vermelho.
Em um dos cômodos do PR-1, onde fica a cozinha, um fogão a gás e um armário doado por um dos simpatizantes compõem o ambiente, juntamente com duas fruteiras. Separado por cortinas de plástico, um segundo ambiente é a despensa, onde garrafões de água ficam ao lado de mantimentos.
Há ainda outros dois cômodos montados a partir de lona e armações metálicas. Nesses locais há camas, colchões e beliches. Os grupos se revezam para dormir no lugar.
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O que teve de almoço?”, perguntou a reportagem. “Não sei, nós chegamos agora a pouco, almoçamos em casa”, diz Elizabeth, vestida com roupa azul e com os cabelos tingidos de loiro.
Os “intervencionistas” afirmam que só deixarão a região quando vencerem a luta. Apesar do baixíssimo apoio popular à causa, elas acreditam ser possível a tomada do poder pelos militares. “A intervenção constitucional é como uma intervenção cirúrgica. O médico não opera sozinho, ele precisa do bisturi. Nesse caso, o cirurgião é o povo; o bisturi são as Forças Armadas”.
“Veja lá o que você vai escrever, hein? Estou com seu telefone”, despede-se a bem humorada dona Elizabeth. Nesse momento, passa um taxista que pergunta o que é o acampamento.
Ao ser informado sobre o propósito do grupo, ele balançou negativamente a cabeça. Na sequência, desferiu uma popular “banana”. Só que esta era bem diferente daquelas dispostas na fruteira do PR-1.