
Quando a dona Ivone, minha primeira sogra brasileira, me viu montar um sanduíche de abacate, com sal, maionese, queijo e pimenta-do-reino, fez uma cara de arrepio memorável. Isso foi na década de 80. Só percebi na hora de erguer o lanche à boca. Lembro da sua expressão com clareza ainda hoje, trinta anos depois.
Seu olhar trazia a triste conclusão de que eu não batia nos quatro cilindros, como se dizia. Comer sanduíche, tudo bem. Vá lá. Ela entendia, até apreciava, desde que de mortadela ou rosbife fatiado, salame, essas coisas. Abacate é uma fruta, pelo amor de Deus. Juntá-lo ao pão e ao sal denunciava algum tipo de distúrbio cognitivo, quiçá moral, da minha parte, um péssimo sinal. Que pena, pensou. Logo o gringo californiano, a quem se apegara.
Ela deixou escapar um grito. Foi um reflexo, acredito, a última tentativa de evitar que eu colocasse aquilo na boca. Mas já era tarde. Vi a repulsa, misturada ao pânico, tomar conta das suas feições. Ao tentar explicar que era uma comida popular na Califórnia, só fiz piorar as coisas para o meu lado. Ofereci uma mordida, falando e mastigando ao mesmo tempo, insistindo em que experimentasse.
Seria o suficiente para que ela entendesse a poesia daquela mistura sublime de ingredientes e mudasse de ideia, pensei, ingênuo. Um bom sanduíche de abacate é uma iguaria quando preparado com capricho. Com pão integral é melhor, mas funciona com o francês, também. Uma só mordida seria o suficiente, tinha certeza. Mas isso não iria acontecer. Se você tem menos de 30 anos, talvez não compreenda o exotismo dessa receita no Brasil daquela época.
A comida mexicana ainda não havia chegado a São Paulo. Existiam abacates no país desde sempre, claro. Os portugueses os encontraram quando aqui aportaram, no século XVI, e se encantaram com a fruta. Mas os do Brasil são de uma variedade maior e mais doce. Foram adoçados ainda mais, com açúcar, cremes e mel, e apreciados como sobremesa ou vitamina, uma espécie de milk-shake tropical, pelo menos na minha cabeça de garotão americano.
Para mim, o creme de abacate brasileiro era exótico, mas delicioso. Foi um achado, um marco da culinária tradicional do meu país de adoção, junto com a feijoada e o torresmo, prova do meu novo gosto bicultural. Dos anos 80 para cá tudo mudou. Hoje há três restaurantes mexicanos só na Rua Augusta, e outros tantos entre Pinheiros e a Vila Madalena. Esse tipo de culinária chegou a São Paulo junto com a globalização.
Variedade menor da fruta, de pele enrugada e consistência mais firme, o abacate salgado é vendido atualmente em todos os supermercados mais finos da nossa cidade. Ganhou o nome de avocado, tal como no México e nos Estados Unidos. Misturado com cebola e pimenta, é servido em festas como guacamole, junto com chips da marca Doritos.
Ninguém mais estranha o negócio, nem mesmo a dona Ivone, hoje com seus 92 anos de idade.
Mas duvido que ela tenha experimentado.
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