13 candidatos com patrimônio acima de 800 000 pediram auxílio emergencial
Eles tentam uma vaga na Câmara Municipal e alegam de engano a repasse a funcionários
O Tribunal de Contas da União (TCU) divulgou uma lista com candidatos das eleições de 2020 que declararam um nível alto de patrimônio e teriam recebido o auxílio emergencial, indicando possíveis irregularidades.
A Vejinha foi em busca dos candidatos a vereador da cidade São Paulo com patrimônio de ao menos 800 000 reais e que constam no documento. São treze pessoas. A reportagem conseguiu contato com oito. Estar na lista não significa necessariamente que o candidato cometeu uma irregularidade: não são poucos os relatos de uso de dados por terceiros na solicitação do auxílio emergencial. Como a declaração de patrimônio é feita pelo próprio candidato, o TCU ressalta que “há risco de erro de preenchimento”. Todos os nomes que aparecem ali tiveram o benefício bloqueado pelo Ministério da Cidadania, cabendo recurso da decisão.
O primeiro auxílio, de 600 reais, criado em abril, não tinha entre os requisitos que o beneficiário tivesse um limite de patrimônio. “Ser maior de 18 anos ou mãe adolescente de menos de 18. Ter uma renda mensal de no máximo meio salário mínimo ou renda familiar de até três salários mínimos. E não ter rendimentos acima de 28 559,70 reais em 2018”, explica a advogada Karolen Gualda Beber, coordenadora trabalhista do escritório Natal & Manssur Advogados, sobre as regras.
O segundo auxílio, de setembro, com parcelas de 300 reais, tem regras mais específicas. “Quem em 31 de dezembro de 2019 tivesse propriedades com valor superior a 300 000 reais estaria excluído”, explica Karolen.
Por isso a lista do órgão juntou todos que têm um patrimônio de ao menos 300 000 reais e constam como beneficiários do governo federal. Conheça abaixo os oito candidatos e entenda o que cada um deles diz sobre a presença na lista.
É preciso ressaltar antes que o recebimento irregular do benefício é passível de sanções penais. “Uma primeira possibilidade é o crime de estelionato. Quando alguém fraudulentamente obtém uma vantagem econômica ilícita. Outra possibilidade é o crime de apropriação indébita: quando a pessoa recebe equivocadamente o benefício, sabe que foi um erro, mas aí não devolve. Ambos os casos podem levar a reclusão de 1 a 5 anos”, explica o advogado Acácio Miranda, mestre em direito penal.
Kid Bengala (PTB)
Clóvis Basílios dos Santos, com nome de urna Kid Bengala, é ex-ator pornô que está em busca de uma vaga na Câmara Municipal. Ele confirmou que recebeu o auxílio e declarou um patrimônio de 850 000 reais, de acordo com Tribunal Superior Eleitoral (TSE): uma casa e um jet ski.
“Esse auxílio foi dado para uma pessoa que trabalha comigo. Não fui eu que fiz o cadastro, fizeram pra mim”, diz. “Essa pessoa não teve a felicidade de receber o auxílio, eu não uso, doei tudo [para a suposta pessoa carente]”. De acordo com Clóvis, o dinheiro foi usado pelo funcionário para a compra de alimentos.
Ele enviou para a reportagem uma nota de compras em um supermercado no valor de 356 reais em que ele afirma que o dinheiro do auxílio foi usado como pagamento. “Todos os auxílios foram gastos no mesmo estabelecimento”, disse.
De acordo com o TCU, Clóvis recebeu o auxílio de 600 reais e também o de 300 reais.
Silmeire Lucoveic (PODEMOS)
Silmeire, com patrimônio de 2,5 milhões de reais, também confirma que recebeu o auxílio. Ela conta que dá o dinheiro para “um rapaz que trabalha comigo”. “Eu fiz isso porque ele não conseguia receber de jeito nenhum. Cadastrei. “Eu fiz para ajudar ele. Como eu tento ajudar mil e outras pessoas. Ele tava com problema no CPF”.
Pedimos para conversar com o suposto rapaz. “Ele é um rapaz muito simples. Não entende muito as coisas”, diz. “Eu não posso ter uma casa? Um terreno? É proibido isso? Eu não sou criminosa. Foi na inocência, na pura burrice. Essa coisa de auxílio emergencial, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Auxílio foi uma situação, patrimônio outra e candidatura, outra.”
Silmeire recebeu o auxílio de 600 reais e também o residual.
Alex Sandro Alves Souza (PDT)
O candidato, com patrimônio de 1,2 milhão de reais, afirma que solicitou o auxílio pois está desempregado. “Desde 2017 estou fazendo bicos. Eu era funcionário de uma empresa estatal”, conta.
Ele afirma que recebeu as parcelas do auxílio de 600 reais mas quando ficou sabendo da mudança na regra de patrimônio (proibido para brasileiros com 300 000 ou mais de bens), vendeu um carro e devolveu o dinheiro para o governo. “Eu recebi até setembro, até recebi a parcela de 300 reais”. Alex afirmou que enviaria por e-mail a Guia de Recolhimento da União gerada para a devolução dos valores, mas não recebemos o conteúdo até o fechamento desta reportagem.
Angelo Ciro Malfatti (PMN)
Angelo relata que está desempregado. “Eu estou vivendo com a minha filha. Eu tinha uma empresa e quebrei. Estou em uma situação ruim”. Ele, que declarou 1,6 milhão para o TSE, conta que errou na hora de preencher os documentos. “Tem um carro, por exemplo, que está no nome da minha filha”, diz.
“Ele está morando comigo. Sou veterinária. Ele está desempregado faz quase 2 anos. Colocou na declaração o meu carro, o apartamento onde eu moro. O sítio que está ali é dele, mas está à venda”, diz Camila Malfatti.
Ciro consta como cadastrado para receber o auxílio de 600 e o de 300 reais.
Samantha Maguetta (PTC)
A candidata, com patrimônio declarado de 1 milhão de reais, valor de uma casa, afirma que está desempregada. “Sou advogada, estou sem registro em carteira de trabalho há dois anos. Venho buscando recolocação no mercado.”
Ela afirma que parou de buscar emprego há alguns meses, por conta da campanha eleitoral. “Mantendo renda com atuações jurídicas esporádicas, o que sim me traz muita dificuldade pela ausência de renda mensal, tenho quatro filhos em idade escolar”.
“Essa lista do TCU está equivocada e analisou os candidatos após a emissão dessa nova determinação do Governo Federal. As regras do primeiro auxílio não incluíam qualquer restrição a imóvel”, disse ela, que respondeu questionamentos por e-mail e recebeu apenas o auxílio de 600 reais.
Eliabes Alves de Oliveira (CIDADANIA)
Com patrimônio de 3,1 milhões de reais, o candidato afirma que foi vítima de fraude. “Houve um extravio do meu RG. Eu não entendo como liberam crédito para alguém com esse patrimônio”, afirma.
“Não solicitei o auxílio. Não dá pra entender. Eu fiz uma carta [para a Caixa Econômica Federal] informando que desconheço. E se for obrigado a pagar [a devolução], eu pago”, diz. De acordo com o TCU, Eliabes está cadastrado para receber o auxílio de 600 reais e o de 300.
Anita dos Santos Takaiyasu (DEM)
Com nome de urna ‘Irmã Anita’, ela nega que tenha solicitado o auxílio. A candidata declarou um patrimônio de 813 000 reais. “É o apartamento onde eu moro. Comprei com muito sacrifício. Eu sou aposentada, não recebo auxílio. Pode ser que seja uma fraude, eu não recebi esse dinheiro”, disse.
Silvia Elena Bittencourt (PDT)
Silvia afirma que não solicitou o auxílio. “Meu patrimônio está declarado corretamente”, afirma ela, sobre os 837 000 reais em bens. “Esse auxílio é um engano e foi devolvido tudo. Tenho inclusive o recibo. Não sei o que aconteceu. Apareceu na minha conta”, relata.
A candidata enviou para a reportagem, por e-mail, uma Guia de Recolhimento da União no valor de 1 800 reais e um comprovante de pagamento de uma agência do Banco do Brasil.
NÃO RESPONDERAM
Ao longo da última semana a reportagem tentou contato com Angelica Cristina Fassina Hadi (PTB), Carlos Ribeiro Lopes (PRTB), Cintia Coutinho Beltrame Mariano (MDB) Eliana Fazanni (PSD) e João Joaquim dos Santos (PTB).
Em um dos telefones cadastrados no TSE de Angelica, um homem que se identificou como “Elias” afirmou que era assessor da candidata e que ela não se pronunciaria sobre o tema. Ele não quis deixar o nome completo. Enviamos também um e-mail para Angelica, que não respondeu aos questionamentos. Ela tem um patrimônio declarado de 850 000 reais e teria recebido os dois auxílios.
Com relação ao restante dos candidatos, não conseguimos nenhum contato por telefone. Enviamos mensagens para os e-mails cadastrados no site do TSE. A exceção foi o candidato Carlos Ribeiro, que registrou o endereço de e-mail do próprio partido. O espaço está aberto para manifestação.