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Moradores de rua formam coletivo para cobrar ações da Prefeitura

A associação informal é formada por cinco pessoas que comparecem a todas as reuniões do Comas; conheça suas difíceis histórias

Por Ana Carolina Soares
Atualizado em 12 abr 2019, 06h00 - Publicado em 12 abr 2019, 06h00
"Índia" Roseli Barbosa, José França, "Lora" Edmar Matoso, Marcos Roberto de Mello Vieira e Alexandre Frederico (da esq. para dir.) (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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“As pessoas baixam o olhar ao passar pela gente, como se fôssemos postes ou invisíveis. Ninguém imagina que, por percalços da vida, qualquer um pode se tornar um de nós”, diz Alexandre Frederico, 47, ex-cozinheiro de um hotel de luxo e dono de um português impecável. Há catorze anos ele virou um dos cerca de 20 000 paulistanos (segundo cálculos da prefeitura) que vivem na rua ou em um dos 95 centros de acolhida municipais. Com o ensino médio completo e cursos profissionalizantes, sempre se manteve informado e questionava como eram investidos os 256 milhões de reais anuais destinados a essa população na metrópole. “Se a maioria dos abrigos é imunda e não oferece sequer feijão para comer, para onde vai esse dinheirão?”, indaga.

Procurada pela reportagem, a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social não reconhece os problemas apontados por Frederico e afirma que as organizações responsáveis pelo trabalho com moradores em situação de rua recebem repasses mensais para zelar pelo bom funcionamento desses equipamentos. Desde 2013 ele frequenta todas as reuniões do Conselho Municipal de Assistência Social (Comas), na Praça da Sé. Há um ano, em uma assembleia, conheceu quatro colegas em situação de rua com preocupações idênticas. Sem interesse em aliar-se a partidos políticos ou movimentos de sem-teto, juntaram-se e formaram uma associação informal. Passaram a cobrar vereadores, secretários e, em janeiro, foram recebidos pelo prefeito Bruno Covas. “Ele foi muito educado, mas esperamos que coloque nossas ideias em prática”, deseja Frederico. A seguir, conheça as histórias dos personagens do coletivo.

“Às vezes, é melhor ficar na rua do que em abrigo”

Juntos, os ganhos do casal Roseli Barbosa, artesã conhecida como Índia, 48, e Marcos Vieira, 44, assistente social desempregado há dois anos, não completam os 998 reais do salário mínimo. O valor é insuficiente para pagar um aluguel e manter as quatro filhas dela. Há sete anos, invadiram um imóvel da prefeitura no centro. “Nos abrigos, tem briga, sujeira e muitos nos tratam por números”, reclama Índia, sem-teto desde os 14 anos, quando fugiu do pai violento. “Lutamos por melhores condições para a população de rua”, defende Vieira. A artesã diz que procurava um homem para proteger a ela e aos filhos, e achou “este bonitão aqui, que encarou tudo, caiu nos encantos da Índia”. “Você é só problema”, brinca Vieira. “Mas eu gosto. Fazer o quê?”

“Represento o povo das ruas, mas sem partido”

De semblante fechado e bem articulado, José França, 40, é uma liderança no abrigo onde vive, no centro. “Já me convidaram para entrar em partidos e movimentos de sem-teto, mas não acredito neles, porque acabam focando mais a ideologia e menos as questões práticas”, diz. Nas reuniões do Comas, ele pede centros de acolhida limpos, respeito de funcionários e segurança. Além disso, apoia a ideia de um cadastro para a população de rua. “Com esses dados, daria para encaminhar pessoas qualificadas para empregos e doentes para tratamento.” Maranhense, mudou-se para São Paulo em 2015, em uma caravana de evangélicos. Na época, era viciado em crack. “Graças a Jesus, eu me livrei do vício e hoje quero ser um exemplo”, celebra.

“Divido as roupas boas que recebo”

O primeiro porre de cachaça de Edmar Matoso, a Lora, 41, foi aos 4 anos de idade, com o incentivo do pai, em Timóteo, interior de Minas Gerais. Aos 14, viciada em álcool e todo tipo de droga, foi expulsa de casa e passou a se prostituir nas ruas de Belo Horizonte. Três anos depois, após um estupro embaixo de um viaduto, mudou-se para São Paulo. “Foi um horror. Carros passaram, pessoas viram, mas ninguém parou para ajudar”, lembra, emocionada. Aqui, começou a trabalhar como carroceira. Com 300 reais por mês, sustenta três filhos e mora em uma invasão na Barra Funda. Divide as boas roupas que ganha com moradores em situação de rua. Escolheu um par de botas vermelhas country para a foto. “Só saio de casa com batom e esmalte. Recebo muita coisa boa. Acompanho a moda nas revistas.”

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“Desviava de pedintes, até me tornar um deles”

Paulistano da Mooca, Alexandre Frederico, 47, se interessou por culinária aos 20 anos, ao conhecer o chef Haroldo José Acedo. Em meados de 1994, os dois passaram a morar juntos no Copan e a trabalhar na mesma cozinha do Hotel Hilton, na época, no centro. Dez anos depois, Acedo morreu de câncer e Frederico se descobriu soropositivo, entrou em depressão e perdeu o emprego. Como o apartamento pertencia ao companheiro e ele não mantinha contato com a família desde a adolescência, quando revelou ser homossexual, foi parar nas ruas. “Eu era aquela pessoa que desviava de mendigos, tinha preconceito, e, quem diria, me tornei um”, conta. Hoje, vive em um centro de acolhida no Cambuci e sobrevive de “bicos”. Uma vez por semana, ele se encontra com o grupo só para bater papo “e, quando sobra uma grana, comer um lanche”. “Damos risada, a vida não é só luta. Muitos nem imaginam que sabemos política, que queremos andar bem vestidos, que discutimos até moda. A gente é sem-teto, mas é gente boa e bem antenada.”

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 17 de abril de 2019, edição nº 2630.

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