Realeza além do nome: os edifícios de Jozef Engelberg e Pedro Mahler
Na Avenida Paulista, o Queen Elizabeth foi o primeiro de uma longa dinastia de residenciais que levam nomes da monarquia britânica
Jozef Engelberg, o José, estagiou por um ano e meio no escritório de Oswaldo Bratke, um dos mais talentosos arquitetos paulistas, no início dos anos 1950, enquanto fazia arquitetura no Mackenzie. “Participei do desenho de um cassino na Ilha Porchat, nunca construído, e de várias casas no Morumbi.” Seu melhor amigo na faculdade, Pedro Mahler, estudava engenharia e vendia materiais de construção. Ambos (José nascido em Katowice, Polônia; Pedro, em Praga, República Checa) emigraram para o Brasil ainda crianças, trazidos pelos pais, escapando da perseguição aos judeus na Europa. Recém-formados, fizeram pequenas vilas de casas, em bairros como Jardim Aeroporto e Paraíso. Até que um grupo de investidores encomendou um grande prédio na Avenida Paulista (perto do Colégio Rodrigues Alves, onde Pedro estudou).
Assim, nasceu o Queen Elizabeth, o primeiro de uma longa dinastia de residenciais que levam os nomes de monarcas britânicos. A ideia foi de um corretor, que dizia que, como os dois eram novatos, seria bom aparentar tradição. “Por que da família britânica?”, perguntaram. O vidente corretor respondeu: “Vocês vão construir muitos outros, vão precisar de muitas outras rainhas”. Nos anos 1960, o maior rival nesse mercado de luxo era Adolpho Lindenberg, que usava nomes da nobreza portuguesa em seus prédios. “Mas o estilo dele era conservador, nós éramos modernos”, gaba-se José. “O melhor do mercado era Arão Sahm”, emenda Pedro.
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O terceiro edifício da “Engelberg Mahler” foi o Queen Mary (1960-63). Pedro, que também era olheiro de terrenos, descobriu a generosa gleba, pertencente à Igreja Presbiteriana, entre o Clube dos Ingleses e o então Colégio Des Oiseaux. Como em outros prédios da dupla, eles chamaram o artista Waldemar Cordeiro para desenhar os jardins e um relevo no muro que separa o prédio do antigo clube e o pintor Danilo Di Prete para os painéis da entrada. As linhas retas dominam o projeto, inclusive o da marquise que cerca a área verde, disputada na quarentena. Caciporé Torres também fez trabalhos para eles (a mulher de José, Esther, tinha uma galeria de arte, o que os aproximou dos artistas).
Poucos prédios depois, a dupla também virou sócia nas empreitadas, assumindo incorporação, projeto e construção. A parceria rendeu 22 edifícios até os anos 1980, como King Charles, Queen Victoria e Queen Anne Boleyn, esse último, um dos mais belos, segundo José. “Sempre priorizei a praticidade e o detalhamento, mas nesse pensei muito no estético, porque tinha um prédio do grande David Libeskind logo em frente. Sabe como é a concorrência”, brinca. Cautelosos, lançavam um prédio por ano, sem nunca tomar empréstimos. Mas as crises dos anos 1980 fizeram José mudar de ramo: largou a arquitetura e se dedicou a cuidar da fazenda da mulher e dos cunhados, plantando café e eucaliptos. Pedro fez dois condomínios no Litoral Norte. Hoje, em quarentena na capital com as mulheres, Sara e Esther, os dois ainda se falam por telefone semanalmente, depois de setenta anos de amizade. José completou 91 anos em maio, e Pedro faz 90 agora em julho.
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Publicado em VEJA SÃO PAULO de 24 de junho de 2020, edição nº 2692.