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Outros Carnavais

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 18h58 - Publicado em 12 fev 2010, 09h21

Bar da Vila Madalena. Três amigos de cabelos brancos bebem cerveja e beliscam comidinhas. Vindo de não muito longe, um batido ritmado de samba fura as paredes e compõe o fundo sonoro das conversas. Quando um dos amigos pergunta aos ou tros se haviam visto na televisão a série Dalva e Herivelto, o saudosismo senta-se à mesa e bota mãos fraternas nos ombros deles.

— Vi. Beleza! Que músicas!

— Que Carnavais!

— “Oi zunzunzunzunzum, tá faltando um… Nós vamos sair sem ele, foi a ordem que ele deu.”

— Eram três dias de arrasar.

— Quatro! Tinha o sábado, o baile de sábado.

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— Tudo com orquestra…

— Ah, sim, claro. Pessoal fantasiado… Pirata, odalisca, palhaço, sheik, marinheiro…

— “Chiquita bacana lá da Martinica, se veste com uma casca de banana-nanica.”

— Baile em todo lugar. Clube, associação, boate, restaurante, teatro, auditório, até no aeroporto tinha baile.

— O pessoal perguntava: onde você vai pular? Pra formar turma, combinar fantasia.

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— Fim de ano já ia guardando dinheiro pra entrada, pra fantasia, consumação, lança-perfume, serpentina, confete…

— Tinha nego que ia na matinê e no baile da noite.

— Muita paquera…

— Muita.

— Desfile de escola de samba? Nem tomava conhecimento.

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— Samba de escola não existia. Quer dizer, existia pra eles. A gente cantava samba de salão, dos maiores compositores, maiores cantores, não de escola.

— “Oi zunzunzunzunzum, tá faltando um…”

— Todo ano escolhiam as campeãs do Carnaval, samba e marchinha.

— “Alalaô-ôôô-ôôô, mas que calor ôôô-ôôô.”

— Ih, tá de fogo.

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— Marchinha era mais, vamos dizer, mais branca, mais classe média. Samba e marchinha tiveram evoluções diferentes, até chegar ao salão de Carnaval.

— Epa! Sem USP, doutor! Como será que escolhiam as campeãs? Devia ter cambalacho.

— As mais tocadas no rádio, talvez; nos bailes. Podia ter cambalacho, mas duvido. Os tempos eram outros, menos grana rolando. Valia a glória.

— Outros Carnavais. Agora virou espetáculo de televisão.

— Três dias na frente da televisão. Quatro!

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— “Tomara que chova, três dias sem parar, oi! Tomara que chova…” A gente ficava esbodegado. Se não fosse a tolerância da Quarta-Feira de Cinzas, que era meio expediente, a gente desmaiava no serviço.

— Acabou, meu.

Nessa altura, a moça da mesa ao lado não aguentou:

— Dá licença? Posso falar? Com todo o respeito. Tão ouvindo esse som aí? Escuta… É o samba aqui da Vila. Vou pra lá daqui a pouco, eu e a minha amiga aqui. Tou só esquentando o tamborim — e apontou o peito com o polegar. — Com todo o respeito. Posso falar? Vocês são uns saudosistas de vocês mesmos. Do tempo que não tinham puxado o freio de mão. Querem andar de bonde no tempo do metrô. Não é Carnaval de televisão, não, senhor. Pra quem entra lá, pra onde eu tou indo, e pra onde eu acho que vocês deviam ir, Carnaval já tem dois meses, não é três dias, não! É quatro, cinco dias por semana. E tem paquera, tem namoro, tem respeito, tem tudo. E se tem vinte escolas grandes na cidade, cada uma botando 3 000 pessoas na avenida, faz a conta do que tá rolando! Fora os blocos! Quem tem gás, meus queridos, vai. Ó o som! Vamos lá?

Os três coroas se olharam e, como se tivessem acabado de marcar um encontro consigo mesmos, levantaram-se e seguiram as moças.

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