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Um dia de Paulista

Por Matthew Shirts
Atualizado em 5 dez 2016, 11h53 - Publicado em 14 nov 2015, 02h00

A Avenida Paulista demora mais do que eu imaginava para acordar por inteiro. Subo para lá, da Estação Trianon-Masp do Metrô, às 7h45 de uma quinta-feira, e encontro a calçada ainda meio vazia, as lojas fechadas. O dia está lindo, sem sol, mas limpinho, tudo: o ar, as pistas de bicicletas, até mesmo o asfalto. Chovera forte na noite anterior. O cheiro de café é notável. Esse aroma provoca sempre em mim sensações gostosas. Traz recordações da primeira vez em que morei em São Paulo, ali perto, na esquina da Brigadeiro Luís Antônio, no Edifício Nações Unidas, gringo de tudo, eu, em 1980.

Lembro-me com vergonha, ainda hoje, de ter levantado a voz e sair brigado de um boteco na Paulista por terem se recusado a me servir feijoada numa terça. Chegara havia pouco dos Estados Unidos. Falava já português razoavelmente. Mas era a minha primeira vez sozinho no país, independente e solto. Naquele tempo o cardápio dos botecos seguia um calendário rigoroso. Não sabia disso. Era virado à paulistana segunda, bife à rolê na terça, feijoada na quarta, macarrão com frango na quinta, peixe na sexta e feijoada de novo no sábado, que ninguém é de ferro. Aprenderia, com o passar do tempo, a sentir vontade do prato certo no dia certo da semana. Mas demorou um pouco. No comecinho daquela minha estadia resolvi, numa terça, que iria comer feijoada, e achei inexplicável a recusa. O balconista me olhou com dó. Um caso de internação, talvez tenha pensado. Imagino-ocontando a história à mulher, à noite.Basta o cheiro do café na rua para provocar essa memória.

Estou na Paulista para assistir a uma palestra sobre a Olimpíada na Faculdade Cásper Líbero, que fica no prédio da Gazeta. Cheguei cedo, para variar. Resolvo buscar um expresso do outro lado da rua, no prédio da praia paulista na Alameda Joaquim Eugênio de Lima. Trabalhara ali em frente, numa escola de inglês, em 1980. Hoje é um restaurante da cadeia Hooters, percebo, com um pouco de espanto.

Na palestra, uma acadêmica espanhola, Beatriz Garcia, defende os Jogos de 2016 como uma oportunidade cultural sem igual, e não só para a cidade-sede, mas também para o país que hospeda o evento. Soa como música para os meus ouvidos essa ideia. Ela dá exemplos de exposições e acontecimentos promovidos fora de Londres, na Inglaterra, em 2012. O maior legado do evento é cultural, de memória, frisa Beatriz. O mundo (todo) está olhando neste momento, curioso, para seu país, explica. É bom pensar em como quer ser lembrado.

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Ocorrem-me ideias para São Paulo. Sou fã dos megaeventos, confesso. Penso num festival olímpico de grafite, com artistas do planeta inteiro na nossa cidade. Talvez esteja sendo planejado. Não sei se é possível. Espero que sim. Não seria demais?

De volta à Paulista, já na hora do almoço, saio em direção à Consolação. A calçada está lotada, bombando, como se diz. Passa um jovem amarrado a um novo tipo de veículo, mistura de skate com uniciclo, também conhecido como monociclo, segundo a internet. Isso vai dar trabalho, penso. Talvez devesse andar nas pistas dos ciclistas. O agito da rua alegra meu coração. Vou em busca de um espaguete com frango. Ainda existe isso? É quinta, afinal.

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