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Tremembé

No bairro, moradores adotaram comportas nas fachadas das casas para impedirem a água

Por João Batista Jr.
Atualizado em 5 dez 2016, 18h58 - Publicado em 29 jan 2010, 15h27

Quando cheguei à Travessa Correntinos, vila em forma de “U” que fica no Tremembé, na Zona Norte, o que mais me chamou a atenção foram as comportas de ferro instaladas nos 92 sobrados do lugar. Contei uma a uma. Além de enfearem e descaracterizarem as fachadas, elas indicam o estado de refém daqueles que vivem ali.

Esse é o caso da manicure Maria Cristina Ottoboni, 55 anos, que há duas décadas não viaja no verão com medo de encontrar a casa alagada. “Fico para proteger minha família e salvar meus móveis”, conta ela, que mora com a mãe, a pensionista Aracy, o marido, o motorista Pedro, e o filho, o cobrador Ricardo. A renda familiar é de 2 000 reais.

As clientes que vão fazer as unhas (8 reais o pé e 7 reais a mão) no Salão da Cris, que fica na garagem, aproveitam para pôr a conversa em dia, tomar chá de gengibre e ver o noticiário pela televisão de 14 polegadas. É um ponto de encontro da vizinhança. Na sexta (22), um grupo de seis pessoas ficou tenso enquanto assistia ao Jornal Nacional. A meteorologia previa chuva intensa para o fim de semana — dias antes, a água havia superado em 30 centímetros o nível da rua. A partir daí, as conversas giraram em torno de lembranças de enchentes passadas: a cômoda que se rompeu quando encharcada, as roupas jogadas no lixo de tão encardidas e a televisão que parou de funcionar. “Pelo menos aqui não temos deslizamentos”, diz a dona de casa Giselle Alves.

No sábado de manhã, quando nuvens escuras surgiram no céu, Cristina, que já perdeu para as enchentes um Fusca 75, pensou em desmarcar as clientes agendadas. Acabou desistindo da ideia e teve sorte, já que a tempestade durou apenas dez minutos. Não é só a rotina da manicure que é ditada pela chuva. Compromissos triviais, como ir ao supermercado, requerem logística. “Precisamos sempre avaliar, porque corremos o risco de sair e não conseguir voltar para casa”, afirma a vizinha Milly de Haro.

Os moradores têm as justificativas para o caos na ponta da língua: as casas foram construídas sobre um antigo pântano, as galerias subterrâneas não comportam o volume de água dos córregos e muitos paulistanos emporcalham as ruas. Além disso, eles reclamam do descaso do poder público. “Os vereadores só aparecem em época de eleição”, disse o segurança Ronaldo Maleval. Quem mora ali vê com indignação e impotência o preço de seus imóveis despencar — o endereço, de acordo com a prefeitura, consta entre os trinta com maior recorrência de alagamentos da cidade. Um sobrado de 70 metros quadrados, com dois quartos, sala, cozinha, banheiro e quintal, é vendido por 50 000 reais. “Há quatro anos, quando as enchentes eram menos frequentes, valia o dobro disso”, afirma Cristina, que, assim como seus vizinhos, preferiria pagar o IPTU a viver sob tensão.

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