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Silêncio

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 14h28 - Publicado em 9 Maio 2014, 17h34

Ai de vós, barulhentos de todos os quadrantes e ruidosos de todos os tipos, que elevais acima da paciência, da educação e da convivência os ruídos de vossos lazeres, prazeres, pregações, trabalhos, máquinas, motores, veículos, que não respeitais a saúde nem as leis e perturbais o sossego, a tranquilidade, o estudo, a meditação, a confidência, a oração, a leitura, o amor e o sono, especialmente o sono.

Ai de vós, atores, diretores e autores de telenovelas, que inquietais com os gritos raivosos de vossas famílias de papelão os momentos em família das famílias de verdade, poluindo a paz do jantar e da conversa.

Ai de vós, buzinantes, que não respeitais nem ao menos as áreas dos hospitais, onde doentes e seus queridos tentam encontrar intervalos de descanso nas suas muitas horas de dor.

Ai de vós, chusma de motociclistas zoadores!

Ai de ti, animador de auditório dos domingos, que elevas com decibéis descontrolados o nosso desconforto justamente no dia do conforto.

Ai de vós, fregueses de pizzarias, que, com vossa algaravia, vossa disputa de quem fala mais alto, de quem gargalha mais espetacularmente ou joga talheres no chão com mais persistência, impedis a conversa educada daqueles que pretendem simplesmente jantar papeando com amigos ou namorando com palavras.

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Ai de vós, jovens frequentadores de botecos, que pelos mesmos motivos perturbais não só o ambiente do bar, dificultando que se alcancem os objetivos de estarem todos ali, quais sejam a comunicação inteligente e a conquista amorosa, tanto a charmosa quanto a safadinha, mas também os moradores dos 300 metros do entorno.

Ai de ti, narrador de jogos de futebol, que vendes excitação, clubismo, bairrismo e patriotismo junto com patrocínios de consumo e, para melhor satisfazer teus anunciantes, tens de berrar ao vento como se não estivesses presente na nossa sala, ou como se fôssemos meio surdos, nós, indefesos aficionados da bola.

Ai de vós, todos vós, que empunhais um microfone e dele fazeis um instrumento de tortura, ora na porta de magazines de bairros proclamando ofertas, ora em carros de propaganda anunciando pamonhas ou candidatos — e não se sabe qual pamonha merece mais o nome —, ora em templos para atrair dízimos, ora em bailes funk para aumentar a excitação.

Ai de ti, pastor, que chamas o Senhor aos berros pelos alto-falantes, como se Ele fosse surdo, ou repetes doze vezes a mesma jaculatória, como se Ele não estivesse nem aí parati nem para tuas ovelhas, ou fosse néscio.

Ai de vós, técnicos de sons e efeitos especiais dos filmes espetaculosos modernos, que transformais em tortura auditiva as mais de duas horas que ficamos no cinema, o que leva espectadores prevenidos a usar protetores nos ouvidos para evitar danos futuros.

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Ai de vós, organizadores dos pancadões da periferia, que incrementais com potentes sons bregas o porta-malas dos vossos carros e levais novos desassossegos a regiões da cidade onde já não se tem sossego.

Ai de vós, amantes do foguetório, criaturas pretéritas.

E, por fim, ai de nós, os desamparados do Programa do Silêncio Urbano, que clamamos todos os dias do ano pela redução geral do barulho e que atravessamos o último dia 7 de maio sem esperanças de que se fizesse silêncio pelo menos no dia dele.

ivan@abril.com.br

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