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Incerta idade

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 11h50 - Publicado em 4 dez 2015, 23h00

Quantos anos você acha que eu tenho? Quem não consegue escapar da pergunta dificilmente acerta. Erra por delicadeza, calculando baixo, ou por picardia, jogando a idade para cima. Quando não mente, é a aparência da pessoa que induz ao engano.

Não é comum uma pessoa ter a própria idade, conseguir uma coexistência pacífica entre os anos que tem e os que aparenta. Ou pior: entre os anos que tem e os que desejaria ter. Quando jovens, queremos ter mais idade, acabar logo com as incertezas da vida, ter afinal um emprego, pegar o touro à unha. É difícil ser feliz antes dos 30. Depois, damos uma parada na correria: tudo bem. É a fase mais curta, varia de angústia para angústia. E, não demora, levamos um susto diante do espelho: já?!

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Algumas pessoas começam a roubar nas contas dos anos. A princípio por distração, porque param de prestar atenção nos números e se atrapalham. Se analisassem, descobririam que a distração tem raízes na inquietação. Talvez cada pessoa elabore a própria noção de até quando vai a juventude.

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A linha divisória é estabelecida em algum momento da juvenilidade, uma coisa assim: bom, acho que até os 36 eu vou ter uma aparência jovem; ou, de maneira mais genérica, até os 36 uma pessoa ainda é jovem. Fica aguardando aquele limite, secreto até para ela mesma.

Acontece que a maneira como uma pessoa que está chegando aos 36 vê uma pessoa de 36 não é a maneira de uma pessoa que está chegando aos 36. É a maneira como via pessoas de 36 quando tinha 24. No momento em que chega ao indesejado limite, começa a se atrapalhar com os números — pode até ser inconscientemente.

Não raro tem de se reportar ao ano em que nasceu e fazer as contas para certificar-se da idade. É a tal distração. Nos casos mais graves, passa a contar um ano sim, outro não. Passa a ficar atenta aos sinais, às indicações, como no poema de Carlos Drummond de Andrade: “Talvez uma sensibilidade maior ao frio, / desejo de voltar mais cedo para casa”. Conheço umas senhoras, cinco irmãs de uma família mineira, idosas, que chegavam a diminuir a idade da mãe para esconder a própria.

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Adiaram por quase uma década a comemoraçãodo centenário da velhinha, preservando-se. Se a velha dizia para uma visita que tinha 98, uma das filhas corrigia, com um sorriso sem graça:— Que bobagem, mamãe! A senhora só tem 90. Está variando, coitada. A velha ria junto com a neta. Hoje, a neta faz a mesma coisa, diminui a idade da mãe. É assim que funciona.

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Há pessoas que acham que até o amor tem de ser diferente.Voltemos a Drummond. Disse ele no poema Campos de Flores que Deus lhe dera um amor “no tempo de madureza”, e por lhe ter tocado “um amor crepuscular”, teria de amar diferente: “Há que amar e calar”. Pois eu não acho. Calar por quê? Por que se envergonhar do amor?  

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No poema, o homem novo que ele foi tem vergonhado maduro que se tornou; o moço ainda habita o corpo desgastado, e o refreia. Sem esse pudor, sem essa ideia generalizadade que o amor é fogo de moços, ele seria um homem da sua idade, seguro, apaixonado, cumpridor. Acima dos 50, ninguém é obrigado ao amor espetacular. Então, para evitar desencontros, se perguntarem “quantos anos você acha que eu tenho?”, o melhor é ter cautela: exatamente os que você acha que tem.

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