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Hotéis meio caídos

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 12h49 - Publicado em 6 fev 2015, 23h00

 

Houve uma época em que eu gostava de hotéis meio caídos. Coincide com os tempos em que eu tinha menos dinheiro, mas o detalhe relevante era serem meio caídos, e para isso era necessário que tivessem alguma história de um tempo em que não eram caídos. Nem precisava ser uma história escrita, bastava o prédio ter abrigado uma celebridade em tal década, ou se localizar na área da queda de alguma Bastilha ou algum bastião.

Já era meio caído o Grande Hotel de Belo Horizonte quando o conheci. Fui lá beber cerveja preta e barata no bar de estilo neoclássico porque, três décadas antes, os escritores paulistas Mário e Oswald de Andrade haviam-se encontrado ali com Carlos Drummond de Andrade e outros escritores mineiros e tomaram cerveja preta e barata. Nos tempos em que fez jus aonome, o hotel hospedou Santos Dumont, Rui Barbosa, Getúlio Vargas. Foi inaugurado junto com a cidade, em 1897, pegou fogo, foi reconstruído em 1908 e demolido em 1956, pouco depois que o conheci. Meio caído, mas cheio de histórias.

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Na minha primeira vinda a São Paulo, fiquei no Hotel Governador, na Praça da Sé. Bem caído, tomou tiro na Revolução de 32. Já foi demolido. Em Paris me hospedei num hotelzinho perto da Sorbonne, onde os estudantes de Maio de 68 haviam erguido barricadas. É caminho para a Bastilha, quem sabe por ali passaram turbas, 160 anos antes? Em Atenas, fiquei num pequeno hotel todo branco na subida para a Acrópole, e imaginava que Péricles havia caminhado por aquela colina, bem ali em frente, nu, como gostava que andassemos homens livres, ou Sócrates, o filósofo, não o doutor.

Na Cidade do México, no bar do caído hotel com vista para a Praça Tlatelolco, o garçom me mostrou o buraco de bala no teto, feito por um tiro de Pancho Villa.

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O melhor dos meus hotéis caídos, melhor pelas histórias, não pela qualidade, foi o Earle, no coração do Village, em Nova York. Fui bater lá em 1983, quando estive nos Estados Unidos para palestras nas universidades de Yale, Maryland e Nova York, sobre um livro meu lançado lá, The Celebration (A Festa). Alguém me havia dito que o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss tinha se hospedado ali. Entrei com uma poeta, depois de darmos umas voltas pela Washington Square, cenáriodo romancista Henry James no limiar do século XX. Gostei, e pela manhã resolvi estender a estada. Puxei conversa com o recepcionista, mais bem conservado que o hotel:

— Me disseram que se hospedou aqui o Lévi-Strauss.

— Levi? Strauss? O dos livros ou o das calças?

A graça da resposta é que o criador das calças jeans se chamava Levi Strauss. Quando dissemos que éramos um jornalista escritor e uma poeta, o homem revelou a maior glória do hotel:

— Bob Dylan morou aqui.

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De todos os artistas da música, Dylan era o meu indiscutível. Imaginei-o à vontade naqueles corredores cujas tábuas rangiamsob o linóleo de beiradas quebradas, quartos com lustre barato pendurado e tapetes roídos pelas décadas… O homem acrescentou:

— Estava tentando a vida no Village quando veio de Minneapolis. Joan Baez também morava aqui na mesma época.

Ele trabalhava ali havia mais de trinta anos. Contou que outro Dylan famoso morou lá, o poeta Dylan Thomas, quando foi expulso por bebedeira e quebradeira no hotel vizinho. Lembrou-se de outros: Barbra Streisand, a escritora Patricia Highsmith. Acrescentou:

— Não é do meu tempo, mas está registrado que Ernest Hemingway ficou aqui em 1914, antes de partir para a Europa, para a Grande Guerra.

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Eu me senti em casa, enturmado.

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