Ao sairmos do aeroporto, após 25 dias no exterior, a buzinada agressiva atrás do táxi nos jogou na realidade: é Brasil, estamos de volta.
O brasileiro, logo que entra nas amplas vias de quatro e cinco pistas em cada sentido, nas planícies da Flórida, sente no trânsito a primeira derrota nacional. E pensa: deixamos ir longe demais a bagunça urbana, o conflito entre os moradores e o automóvel. Nas ricas cidades novas da Flórida, implantadas em antigas planícies pantanosas, não existe conflito. Não há ônibus, metrô, poluição; há mais de um carro por habitante, e estacionamentos não faltam em nenhuma parte. Tudo em ordem, velocidades controladas, vias preferenciais rigorosamente obedecidas, conversões inteligentes, sinalização clara e abundante, ninguém buzina, pistas para bicicletas respeitadas. Há regras diferentes, racionais: você pode entrar à direita com sinal vermelho, se não houver pedestres na faixa ou um carro vindo na transversal. Você tem de parar para o pedestre em qualquer circunstância, qualquer. Perto das escolas, moradores controlam o trânsito, como voluntários. Tudo parece arrumado para mostrar ao brasileiro visitante que automóvel e civilização não são incompatíveis.
Você pega uma dessas cidades, Weston, já ouviu falar? Eu também não tinha ouvido, antes que minha filha, neta e genro fossem morar lá. Ruas de limpeza impecável. O local inteiro lembra um jardim botânico tropical: palmeiras de todas as partes do mundo (até o nosso coqueiro ouricuri), árvores grandes e pequenas, arbustos ornamentais com flores e sem flores, gramados compondo bordados, constantemente aparados a máquina, rente à calçada, restos sugados na hora por um aspirador gigante. E contam-me, para meu espanto: a administração pública só tem cinco funcionários! Tudo é terceirizado.
Casas ficam abertas, garagens exibem prateleiras arrumadas. Não há vandalismo. No dia em que apareceu uma pichaçãozinha em uma caixa de correio, conta minha filha, foi um auê, e-mails disparados para todas as residências pelas autoridades, pedindo denúncia e colaboração. Em uma semana localizaram o culpado, um prestador de serviço, de fora.
A escola pública elementar de Weston, chamada Gator Run, é a quinta melhor do estado. Uma brasileira chegou procurando colégio particular para o filho e as mães do grupo perguntaram: particular por quê? Ele tem problema? Não haveria outro motivo.
Os preços e a variedade do comércio tornam o nosso primário, ganancioso. Não é só o custo Brasil. Um champanhe Veuve Clicquot, aqui, em loja livre de impostos do aeroporto sai por 80 dólares; a mesma bebida, em linda embalagem amarela que imita uma caixa de correio americana, é vendida lá por 49,90 dólares, no megamercado de comidas Whole Foods; e uma igual, sugestão de presente de Natal aqui na Vejinha, custava 320 reais. Assim é tudo, perfumes, roupas, tênis, eletrônicos. Brasileiros rolam grandes malas de rodinhas pelos corredores e lojas do outlet Sawgrass Mills para conseguir carregar tudo o que compram.
Ao pagar, outra diferença cheia de significados. Não é preciso teclar a senha do cartão de crédito ou débito. Basta passar o cartão. Raras vezes pedem sua assinatura na telinha eletrônica, e não conferem, não pedem documento, não querem saber se você é o cara do cartão, presumem que sim, porque honestidade é o pressuposto. Aqui…
A quantidade de brasileiros torna o português a terceira língua da região. Nas reuniões de vizinhos e nas escolas, as crianças se misturam e vão assimilando o inglês e o espanhol, mas há dificuldades iniciais. Um garoto de 3 anos, recém-chegado, chamou o pai numa reunião, tom de bronca, apontando outro menino:
— Pai, eu falo, ele não entende nada; ele fala, eu não entendo nada. Você pode me explicar o que está acontecendo na minha vida?