Desfile-manifesto coloca mulheres trans na passarela
No momento em que até a roupa ganha leitura politizada (um suéter de cashmere vira símbolo de preferência política), as passarelas refletem esse engajamento
Foi um manifesto social o desfile do estilista mineiro Ronaldo Fraga, nesta quarta-feira (26), no Teatro São Pedro, na Barra Funda, na Zona Oeste de São Paulo. Na passarela, ele colocou apenas mulheres transexuais, todas elas com variações de um único vestido. Mudavam apenas as estampas, inspiradas em bonecas de papel. “A história dessa coleção não está nas roupas e, sim, em quem as veste”, disse, pouco antes de começar o show, na São Paulo Fashion Week.O estilista abriu a apresentação lembrando que o Brasil é o país onde mais ocorrem assassinatos de travestis e transexuais em todo o mundo, segundo um relatório da ONG internacional Transgender Europe. “Estamos em tempos de guerra. Nós não precisamos mais de roupas. A moda precisa começar a dialogar em outras frentes.”
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Valentina Sampaio, que é trans e desponta como a top queridinha da estação, era a única modelo profissional. O resto do casting foi selecionado pelo Instagram. “Foi emocionante, até chorei. Nunca vi uma manifestação assim em desfiles de moda. Ronaldo realmente vai além”, disse a consultora de moda Costanza Pascolato.
Ao levantar a bandeira do transgênero e convocar travestis e mulheres que passaram por cirurgia de mudança de sexo para seu desfile, Fraga não apenas fez uma moda de protesto como deu vida e personalidade às roupas. “Não é o vestido que valoriza o corpo é o corpo que valoriza o vestido. Se antes ele caía solto, agora ele ganha bundas e peitos que eu não desenhei”, diz. “Isso é maravilhoso.”
No momento em que até a roupa ganha leitura politizada (um suéter de cashmere vira símbolo de preferência política em uma eleição e usar vermelho torna-se sinônimo de orientação partidária), as passarelas refletem o engajamento visto nas redes sociais e na vida real também. E a moda ganha espaço pegando carona na relevância dessas discussões, vide Emicida com movimento negro no desfile da marca LAB e agora Ronaldo Fraga com o transativismo. “A questão agora é saber até que ponto essa movimentação é genuína e duradoura e até onde isso é só um modismo dessa estação, que reverbera nas redes sociais”, diz Sergio Amaral, diretor de redação da revista L’Officiel Hommes.
Em um dia de desfiles no qual as trans brilharam e atraíram toda a atenção e que, mais uma vez, as blogueiras-stars foram assediadas nos corredores do evento, ficou evidente que a era das supermagras está no fim, prestes a morrer na praia. E que corpos esquálidos não fazem sucesso fora do mundo da moda. Pelo contrário, eles acabam diminuindo a graça da roupa.