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Raridade no Brasil, perfumistas revelam os bastidores da profissão

Responsáveis por criar até os cheiros dos produtos de limpeza, especialistas descrevem os prazeres de trabalhar exercitando o olfato e a criatividade

Por Humberto Abdo
Atualizado em 31 ago 2021, 12h07 - Publicado em 27 ago 2021, 06h00

“Existem mais astronautas no mundo do que perfumistas”, arrisca Isaac Sinclair, um dos narizes da L’envie Parfums. Sem cursos de graduação no Brasil e com poucas escolas especializadas no mundo, criar as combinações que darão vida aos frascos de perfume ainda é uma carreira para poucos — e até hoje são as próprias empresas que treinam os futuros profissionais. “São dez anos de estudo dentro da casa e funciona no segredinho, passando a profissão de pai para filho”, revela Carmita Magalhães, da Firmenich, uma das maiores empresas de fragrâncias e sabores do planeta. Carmita nasceu em Paris, onde estudou o ofício antes de se mudar para o Brasil e descobrir que até um passeio pela Feira de Moema pode servir de inspiração. “Lembro-me da primeira vez que senti o cheiro da mexerica, da jabuticaba e do papaia, para os brasileiros um item quase ‘povão’, que mais tarde pude usar nas minhas criações.”

Tiago Motta em meio a campo de girassois com parte superior do tronco e cabeça visíveis, olhando para o céu de camisa preta e óculos escuros
Sentido aguçado: o interesse do perfumista Tiago Motta por perfumes surgiu na infância (Reprodução/Arquivo Pessoal/Veja SP)

Enquanto os perfumistas acumulam referências na natureza e nos lugares mais inusitados possíveis, dentro do laboratório as opções também são infinitas. “Se eu quiser cheiro de uísque, de chantili ou de Nutella, eu tenho”, diz Carmita. Entre matérias-primas sintéticas e naturais, eles trabalham sempre com um assistente que manipula as fragrâncias escolhidas durante a criação. “Os cheiros aguçam todos os sentidos e não conheço um perfumista que não seja amante de vinhos e comida.”

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Além do lado romântico dessa profissão, nas grandes fabricantes o que define o perfume é, acima de tudo, o pedido dos clientes (as marcas de cosméticos). “Eles explicam o público que querem atingir e o papel do perfumista é reproduzir essa ideia”, resume Samuel Moraes, que trabalha na área desde 1996 e hoje é funcionário da casa de fragrâncias Citratus Symrise. E o que o público brasileiro quer hoje envolve, inevitavelmente, a vida na pandemia. “A perfumaria já captou esse momento de introspecção e o conceito natural tem atraído cada vez mais adeptos, com ingredientes como ruibarbo, gengibre e zimbro aparecendo na mesma velocidade que lá fora.” Na paleta olfativa, viraram tendência os odores aconchegantes e o “cheiro de limpeza”.

Samuel Moraes fotografado por detrás de prateleira translúcida de frascos de fragrâncias analisando-os
Fórmulas secretas: Samuel busca inspirações na natureza (Rute Helena Silva/Veja SP)

“Antes o conceito era se perfumar para impressionar, agora é para agradar a si mesmo.”

Isaac Sinclair, perfumista neozelandês
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“As pessoas começaram a se perfumar em casa e passaram a entender que isso desperta emoções positivas”, opina Erica Pagano, vice-presidente de inovação do Grupo Hinode. “Antes o conceito era ‘vou usar para impressionar as pessoas ao redor’ e agora a ideia é usar o perfume para si mesmo”, define Isaac. Há dez anos, ele e a esposa, Fanny Grau, trabalham juntos elaborando fragrâncias com uma liberdade criativa ainda incomum no ramo. “Tem dia que você acorda sentindo o cheiro de café, e isso basta para ter uma nova ideia”, descreve. “São fases: Picasso teve o período azul por alguns anos, depois se cansou e foi para o cubismo. Eu agora estou na fase do cardamomo.” Também fazem parte do repertório as memórias afetivas (e olfativas) mais remotas. “Isso se manifesta no subconsciente, porque percebo que sempre gostei de perfumes que têm um lado verde e natural, assim como o jardim da minha mãe na Nova Zelândia, onde cresci.” Mesmo sem ignorar os gostos do público final, para Isaac o trabalho é muito mais autoral. “Não uso muito perfume porque atrapalha no trabalho, mas recentemente criei um que foi feito para mim, do jeito que me agrada.”

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Isaac, Fany e Fábio sorrindo para a foto entre prateleiras de frascos de fragrâncias
O fundador da L’envie, Fábio Ottaiano, e os perfumistas Fanny e Isaac (a partir da esq.): perfumaria autoral (Marcela Marques/Divulgação)

Além de raros, os perfumistas já se acostumaram a viver muito mais nos bastidores. Se na Europa os nomes mais aclamados viram o rosto de uma nova fragrância, no Brasil as marcas costumam mantê-los no anonimato. “Não divulgar o perfumista é uma estratégia das casas de fragrâncias”, acredita Samuel. “Elas não querem expor quem criou seu sucesso e deixar a concorrente correr atrás do criador.”

Para quem não acredita ter o olfato aguçado igual ao deles, basta treinar como os narizes veteranos e investir na degustação. Essa é a proposta da Amyi, marca criada por duas sócias, que vendem por 290 reais uma caixinha com seis amostras de fragrâncias, fitas olfativas e um teste sensorial para ensinar o consumidor a definir os cheiros com cor, textura, memórias e sentimentos. “Pelo mesmo valor de um perfume, você recebe o kit para descobrir o aroma que mais lhe agrada”, diz Larissa Mota, uma das fundadoras. “Quando vamos descrever um cheiro, precisa descrever cor, formato, a estação do ano e até um filme que remeta ao odor… Esse exercício sempre é feito pelo perfumista”, detalha a farmacêutica industrial Ana Volpe. Assim como muitos dos parfumeurs, no termo em francês, Ana costuma visitar Paris com certa frequência e participa de cursos que incluem o uso de olfatários, maletas com vários frascos de fragrâncias puras para estudar. “Tenho uma coleção grande e, em cada viagem que faço, levo três ou quatro perfumes de acordo com as roupas que vou vestir”, conta. Na rotina diária, também costuma usar quatro perfumes diferentes. “À tarde gosto de notas introspectivas, que têm âmbar e florais e são boas para me dar foco. À noite vem outro, para namorar, com algo mais sexy.”

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“Na rua, sempre presto atenção: até quando chove e a água bate no concreto e na poluição, existe um cheiro específico”, exemplifica Tiago Motta, que acabou de assumir o posto de perfumista na empresa Takasago após uma experiência intensiva nos Estados Unidos. “A perfumaria nasceu comigo, desde os 6 anos eu ficava prestando atenção no cheiro de produtos de higiene e limpeza, e hoje no trabalho tenho mais de 2 000 matérias-primas.” Da imensidão de ingredientes, alguns ainda tendem a agradar mais aos brasileiros, mas cada vez mais essas preferências deixaram de ser divididas entre os homens e as mulheres, e as marcas já abraçaram esse movimento com as linhas genderless. “A mulher brasileira é tão certa da feminilidade que só usa o que quer, não precisa de um perfume para dizer que é feminina”, crava Carmita. “A pele não tem gênero”, complementa Ana. “O perfume é uma forma de se comunicar e criar pontes, uma mensagem que pode dizer como você se sente.”

Samuel Moraes fotografado por detrás de prateleira translúcida de frascos de fragrâncias analisando-os
No Brasil há 22 anos, Carmita Magalhães se tornou perfumista quando ainda morava em Paris (Divulgação Firmenich/Divulgação)

Para decifrar a pirâmide olfativa

Topo: São os primeiros acordes do perfume, costumam evaporar rápido, em cerca de quinze minutos, e compõem o início da “história” criada pelo perfumista. Ervas aromáticas e elementos cítricos são ingredientes comuns.

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Corpo: Notas de corpo introduzem novos odores e compõem cerca de 70% do perfume. Quase todas as flores fazem parte dessa estrutura e se tornam a assinatura da fragrância.

Fundo: Elas formam a base da fragrância e são as mais duradouras. Normalmente entram em ação após trinta minutos de aplicação e são compostas de essências mais pesadas, como madeiras e resinas.

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Publicado em VEJA São Paulo de 1° de setembro de 2021, edição nº 2753

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