Planet Hemp celebra trinta anos com o show ‘Baseado em Fatos Reais’

Banda se apresenta no Espaço Unimed no dia 11 de julho; apresentação será gravada e distribuída via streaming

Por Pedro Só
Atualizado em 8 jul 2024, 19h43 - Publicado em 5 jul 2024, 06h00
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Pedro garcia, ganjaman, Bnegão, formigão, nobru e d2 (em sentido horário) no estúdio de ensaio, bolando surpresas para o show (Camilla Maia/Veja SP)
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“Somos sobreviventes! Sobreviventes dessa parada toda”, define Marcelo D2. “Vivos e quase saudáveis”, acrescenta BNegão. A constatação exclamativa, quase incrédula, bateu nos dois amigos em junho de 2022, quando se reuniram no palco do Circo Voador, no Rio de Janeiro, no show que celebrou os 50 anos de um ex-Planet Hemp que teve passagem marcante pela banda carioca, o rapper Gustavo Black Alien. “A gente se olhou, assim, os três ao mesmo tempo, e falou: ‘caaaa**lho!’.”

A celebração de três décadas de carreira chega com um certo delay: depois de pouco mais de um mês de ensaios (quando já saíram composições como Porcos Fardados), o primeiro show do grupo aconteceu em 24 de julho de 1993, há quase 31 anos (veja o quadro abaixo), no Garage Art Cult. O local era um espaço tosco numa área para lá de decadente da Praça da Bandeira, Zona Norte do Rio de Janeiro, mas que logo viria a se firmar como epicentro do underground do rock carioca da época.

“O Planet Hemp não é a banda da maconha. A gente usa a maconha para falar de questões sociais.” – Marcelo D2

Também não é correto falar em trinta anos de carreira. Por conta de brigas internas (notavelmente a ruptura entre D2 e BNegão), o Planet Hemp ficou quase uma década sem se apresentar oficialmente ao vivo e passou 22 anos sem lançar álbum com músicas inéditas. Mas Jardineiros, lançado em outubro de 2022, quebrou o jejum em grande estilo: rendeu dois prêmios Grammy Latino e impulsionou shows marcantes Brasil afora, além de participações elogiadas em grandes festivais como The Town, em São Paulo. Mais que isso, mostrou que o Planet e seu discurso continuam, mais do que nunca, relevantes.

“A ideia de que uma banda dessas pudesse durar tanto jamais passou pela nossa cabeça. Em 1997, quando lançamos o segundo disco (Os Cães Ladram Mas a Caravana Não Pára), já estávamos pensando: ‘Caramba, não aguento mais ser Planet Hemp!’. Aí, logo depois a gente foi preso”, lembra D2, no estúdio de ensaio Palco 41, no bairro do Maracanã, no Rio, para risos gerais do baixista e cofundador Formigão, do baterista Pedrinho, do multi-instrumentista e produtor Daniel Ganjaman e do guitarrista Nobru. “Em 1997, tinham-se passado só dois anos desde o lançamento do primeiro disco (Usuário), mas parecia que tinham sido vinte. Tamanha a intensidade, a velocidade de tudo que aconteceu.” BNegão completa: “Era muita treta. Muita tensão com polícia, perseguição, a coisa de não saber se poderíamos ou não fazer show”.

Integrantes do “Planet Hemp”.
Começo dos anos 2000: (da esq. para a dir.) Formigão, Zé Gonzales, D2, BNegão e Bacalhau, antes do hiato (Daniela Dacorso/Divulgação)
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A entrevista com essas lembranças diverte a formação atual do grupo (que conta ainda com o DJ Venom), reunida para acertar detalhes finais do show inédito, Baseado em Fatos Reais: Planet Hemp, 30 Anos de Fumaça, cuja estreia nacional acontece em São Paulo, na quinta (11), no Espaço Unimed. A apresentação será gravada para um produto audiovisual a ser distribuído via streaming (e não para um DVD, como acontecia num passado não tão remoto) e vai incluir participações especiais. Além de grandes nomes, como Emicida, Seu Jorge, Criolo e BaianaSystem, estarão no palco dois ex-integrantes com status de “Planet Hemp honorário”, Gustavo Black Alien e o DJ Zegon, e também parceiros de longa data, como Rodrigo Lima, vocalista do grupo capixaba Dead Fish, de hardcore, e ídolos de outras décadas, como As Mercenárias, banda feminina histórica do punk rock paulistano.

Perguntei ao Mujica como conseguiram a liberação da maconha no Uruguai. Ele me disse: ‘Esquece os políticos. O importante é convencer o povo. Os políticos vêm atrás depois’.”- Marcelo D2

É uma superprodução, com o mesmo cuidado visual de shows anteriores da banda, que envolviam o trabalho de grandes artistas, como Muti Randolph e Gringo Cardia. “Sempre prezamos por esse aspecto. Queremos surpreender”, diz D2. O novo cenário será inspirado nas greenhouses (grandes estufas de cultivo de Cannabis) e nos míticos Jardins Suspensos da Babilônia, na intenção de proporcionar ao público experiências imersivas que expandam as referências apresentadas no álbum Jardineiros. Para isso, telão e palco vão contar com o talento de Tito Sabatini (com ótimos serviços prestados aos Racionais MC’s, Filipe Ret e Criolo) e Paulinho Lebrão, craque do design de iluminação.

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Em 2023, no Circo Voador, um dos berços do grupo: apoteótico lançamento do álbum Jardineiros (Willmore Oliveira/Divulgação)
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O repertório, somado a imagens históricas do grupo, pretende contar uma história que vai além da fumaça. “O Planet Hemp não é a banda da maconha. A gente usa a maconha como vetor para falar de questões sociais e transformação”, dizem D2 e BNegão, quase simultaneamente, num jogral espontâneo. “Desde Legalize Já (sucesso do primeiro disco, Usuário, de 1995), estamos no ‘f**-se as leis e todas as regras’”, aponta D2. “A gente é cria do punk rock e do rap nacionais, da coisa contestatória, de falar sobre polícia, falar sobre governo e repressão”, aponta D2.

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(Veja SP/Veja SP)

De qualquer forma, as três décadas trouxeram novas dimensões à causa e aumentaram a importância do discurso do Planet. “O assunto não se esgotou. Ele cresceu, floresceu, frutificou”, brinca BNegão, antes de falar sério. “A gente plantou uma sementinha. É incrível que o Planet tenha sido o início de tudo para muitas pessoas envolvidas na questão da legalização. Trinta anos depois, é uma discussão gigantesca. Mesmo neste Brasil do atraso, das bancadas da Bíblia e da bala, do agro, de tantos grupos com interesses financeiros em manter a proibição.”

A recente decisão do STF que estabelece que portar até 40 gramas de maconha não configura mais infração penal (apenas administrativa) é vista sem euforia. “Descrimininaliza o que já estava descriminalizado para os brancos playboys privilegiados. Ainda temos um caminho longo. Mas qualquer passo em direção ao antiproibicionismo é importante. Em um momento em que querem dar vinte passos para trás nas leis do país, demos um à frente”, pondera D2. “Eu só vou comemorar mesmo quando começarem a soltar quem foi preso com menos de 40 gramas”, diz BNegão.

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Mas o público está liberado para celebrar, claro. “A animação das pessoas, dos nossos fãs, com essa decisão do Supremo é muito importante. Porque esse é o caminho da mudança, a aprovação popular”, diz BNegão. D2 lembra de uma lição: “Quando estive com o Pepe Mujica, perguntei como eles tinham conseguido a liberação da maconha no Uruguai. Ele me disse: ‘Esquece os políticos. O importante é convencer o povo. Os políticos vêm atrás depois’”.

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(Veja SP/Veja SP)
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Brincadeiras à parte (“40 gramas ainda é pouco. É por dia?”, zoa BNegão), a postura do Planet Hemp não muda. “Com todo o respeito ao Capitão Nascimento, o nosso inimigo ainda é o mesmo”, fraseia D2, sem medo de encarar perseguições. “A polícia é nosso inimigo, sempre foi. A primeira vez que a polícia veio em cima da gente, com tudo, foi num show no Olímpia, em São Paulo. Mas agora, aos 56 anos, dá licença, eu sei os meus direitos”, completa, citando uma canção da banda punk inglesa The Clash, Know Your Rights.

Crescido sob a ditadura militar, na escola, ele cantava o Hino Nacional errado e ouvia ameaças (“Tá ferrado, vão pegar teu pai na tua casa”). Na adolescência, o discurso do punk de São Paulo, de bandas como Cólera, Inocentes, bateu mais forte que a MPB. “A primeira música que pegou foi Papai Noel Velho Batuta, dos Garotos Podres.” Já BNegão chorou feito criança ao assistir a um show das Mercenárias, quando elas retomaram a carreira, em 2006. “Me viam em lágrimas e perguntavam se estava tudo bem comigo”, lembra.

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Avô de dois netos e pai de cinco filhos — o mais velho, Stephan, tem 32 anos; Maria Isabel, a caçula, fruto do casamento com a produtora Luiza Machado, completa 3 anos em agosto —, D2 segue combativo, mas permeável. “Com fascista, a gente não conversa, é chute na bunda. Mas quando o Canisso (baixista dos Raimundos) morreu (em março de 2023), liguei pro Digão (guitarrista). Ele falou: ‘Cara, achei que nunca mais iria falar contigo’. Por causa das diferenças políticas. Eu disse: ‘Pô, já passei por isso, meu grande parceiro morreu. Tô ligando pra te dar um alô, como amigo, saber como você está. Política é outra parada’”.

A animação dos fãs e do público é muito importante. Porque é o caminho da mudança, a aprovação popular.” – BNegão

“Na primeira vez que me viu com os caras do Planet, a Luiza, minha mulher, falou: ‘Caramba, vocês pisam em ovos pra caramba um com o outro!’. E eu: ‘Claro, a gente já passou por muita coisa’. Acaba a banda, mas não acaba a nossa amizade”, conta D2. Antes de entrar no palco, Marcelo e Bernardo repetem um ritual e se abraçam. “É uma maneira de um falar pro outro: ‘Mano, maior prazer estar contigo!’. Somos pessoas diferentes demais. Eu sou agitado. Ele, briguento. Mas estamos aqui até hoje, amigos, respeitosos e criativos.” BNegão conta: “O tempo em que ficamos parados deu onda legal. A ideia era fazer só um show no Circo Voador e doar a renda para o Formigão, que estava duro e precisando fazer uma operação. Acabou que fomos chamados para mais um show, e outro… Estamos aqui, e até hoje ele não operou!”.

No fim dos anos 90, além da perseguição e da censura, o Planet Hemp enfrentou outro inimigo: os excessos e impulsos autodestrutivos, como conta D2: “Era tudo muito intenso, muito hardcore. Tem uma história engraçada que ilustra bem. Era um simples ensaio e saímos, eu e Formigão, para o Baixo Gávea. A gente bebeu todas e dormiu na praça. Acordamos sem tênis, roubaram! Aí, bem, já que estamos descalços, vamos pra praia!”.

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Apesar do lado sombrio, essa, digamos, “intensidade” era considerada importante para a energia do Planet no palco. “Hoje a gente começa achando que tem 30 anos. Na segunda música, 20…. No final do show, estou com 70”, brinca Bernardo, que tem 51. D2 completa, otimista: “No último que fizemos, eu dei um salto ousado. E, assim, no meio do salto, tudo ficou meio em câmera lenta e pensei: ‘Até quando será que vou conseguir saltar assim? Como vai ser?’ Aí, senti o chão e… opa, tá tudo certo”.

Publicado em VEJA São Paulo de 5 de julho de 2024, edição nº 2900

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