Quando me toco que há uma mostra do artista plástico Joan Miró no Instituto Tomie Ohtake, saio cedo do serviço e vou direto para lá. Isso na segunda-feira, fim da tarde, em Pinheiros. A moda de exposições bacanas e badaladas em São Paulo me pegou um pouco de surpresa. Não estou acostumado. Vejo eventos do tipo quando viajo, seja para onde for. Rio de Janeiro, Nova York, Batatais. Faz parte do pacote do turista. Mas aqui não é sempre que me organizo para ir.
Muitas vezes tem fila. Quando percebo, já saiu de cartaz. É muita ignorância da minha parte, convenhamos.Não entendo muito de arte, mas gosto para valer de alguns pintores e um deles é justamente o Miró, que conheço através dos livros. Chego pela Avenida Brigadeiro Faria Lima, nas redondezas do metrô, e fico contente ao vislumbrar na frente do edifício magenta e pós-moderno, de longe, o Ricardo Ohtake, conhecido meu de muitos anos e organizador desses acontecimentos no instituto que leva o nome da sua mãe.
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Se o Einstein tivesse ascendência japonesa, seria parecido com o Ricardo, com seus cabelos revoltos e grisalhos saindo pelos lados. Encontro-o arrumando um banner da exposiçãode Miró na calçada em frente à entrada. Lembra-me, com o gesto, o dono de um pequeno bistrô a anunciar os pratos do dia. É muito simpático esse empenho pessoal em colocar o reclame no lugar perfeito.
Aproximo-me dele, orgulhoso de ter tido a iniciativa decomparecer logo no segundo dia de um evento que vai até 16 de agosto. Nós nos cumprimentamos, e explico que vim ver o Miró. Ricardo me olha com uma mistura de espanto e pena e diz, num inglês perfeito: “We don’t open Mondays”. Como se eu, que frequento há anos o lugar, deves se saber que ele não abre às segundas. Nisso chega minha amiga Maria, com quem havia combinado de ver a mostra. Feitas asapresentações, Ricardo se diverte um pouco pedindo a ajuda dela para me informar sobre os dias de funcionamento (todos,menos segunda). “Falei até em inglês para ajudá-lo a lembrar”, diz, maroto, citando minhas origens americanas, enquanto pesca na carteira um convite que dá direito a entrar sem pegar a fila dos ingressos. A cena, ocorre-me, não poderia ser mais paulistana. Imigrantes e filhos seus trocam figuras ali na calçada a respeito da arte moderna europeia.
Consigo voltar na quinta-feira no fim da tarde e, novamente, na sexta, na hora do almoço. Durante a semana, ao menos, está movimentada a exposição, mas sem exageros. Custa 10 reais e vale a pena. Miró apresenta como poucos a beleza do momento em que se redescobre no Ocidente o subconsciente. As obras são livres e sensuais, uma mistura quente e gostosa da tradição ibérica com o modernismo. Há muitos quadros e esculturas de mulheres e pássaros, como se fossem esses os elementos construtivos da vida, e talvez sejam, reflito.
Surpreende-me a liberação da fotografia dentro da exposição. As pessoas se divertem fazendo fotos de peças marcantes, selfies até. Dá um tom de alegria ao evento. Antes me parece que era controladíssima a reprodução de obras famosas. Concluiu-se, com razão, que nada diminui a experiência de vê-las ao vivo e em cores.