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Os planos de Aguinaldo Silva, agora morador de São Paulo

O autor estreia a versão teatral de 'Lili Carabina' enquanto se prepara para inaugurar um centro cultural e lançar sua última novela

Por Alvaro Leme
Atualizado em 11 ago 2017, 18h09 - Publicado em 11 ago 2017, 18h08

Era apenas um almoço com amigos. Uma plaquinha de imobiliária, porém, alterou naquela tarde de agosto de 2016 o rumo de Aguinaldo Silva. De passagem por São Paulo para um de seus disputados cursos de roteiro, o dramaturgo viu que havia um apartamento vago de 320 metros quadrados em um prédio da Avenida Higienópolis.

Logo após a sobremesa, encontrou-se com o corretor para a visita. “Decidi na hora que seria meu novo lar”, lembra. Um mês depois, mudou-se apenas com roupas, livros e objetos de arte — a venda foi do tipo “porteira fechada”, ou seja, com toda a mobília do dono anterior.

Ele não revela valores, mas outras unidades disponíveis no edifício custam em torno de 4 milhões de reais. Assim começou a nova vida paulistana do profissional de 74 anos, responsável por novelas brasileiras de estrondoso sucesso — Roque Santeiro, Vale Tudo, Tieta…

O dramaturgo no Teatro Jaraguá: peça orçada em 1 milhão de reais (Leo Martins/Veja SP)

O autor começa neste fim de semana cenas de um próximo capítulo: uma investida no teatro. Estava longe dos palcos da capital havia três décadas. No Rio, seu último espetáculo, Isadora e Oswald, saiu de cartaz em 2007. Ele decidiu comemorar seus quarenta anos como escritor com uma adaptação de Lili Carabina, história que trata de uma mulher que se junta a um bando para vingar a morte do marido e toma gosto pelo crime.

A trama foi tema de um episódio de Plantão de Polícia, seriado de 1979. Depois virou livro e filme. A personagem imortalizada por Betty Faria, em 1988, será vivida por Viviane Araújo, nome conhecido do Carnaval. Apadrinhada por ele, a moça emplacou na teledramaturgia e, agora, nos palcos. “Ele acreditou em mim mais do que qualquer pessoa”, reconhece a atriz.

Orçado em 1 milhão de reais e dirigido por Daniel Lopes, o espetáculo foi totalmente bancado pelo escritor. “Será difícil ganhar dinheiro com a peça, mas Aguinaldo quis dar esse presente a São Paulo”, afirma Júlio Kadetti, produtor e roteirista responsável pela adaptação do texto. A estreia estava prevista para sexta 11. A temporada vai até 26 de novembro no Teatro Jaraguá, no centro. Os ingressos custam de 70 a 80 reais.

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O autor em sua varanda em Higienópolis (Leo Martins/Veja SP)

O próximo passo no circuito paulistano será abrir, em um sobrado da Rua Major Sertório, na Vila Buarque, a Casa Aguinaldo Silva de Artes. Ali, Aguinaldo pretende instalar um teatro com 150 lugares, salas de aula para cursos de atuação e roteiro, bem como seu acervo de 10 000 fotos do início do século XX, atualmente armazenadas no apartamento na Avenida Atlântica, no Rio.

A ideia era inaugurar o espaço em março de 2018, mas ainda falta a liberação da prefeitura para o começo das obras. Deve ficar para pelo menos três meses depois. Outra futura incursão nos palcos inclui uma peça por enquanto chamada de Young Nazaré. Uma versão adolescente da vilã vivida por Renata Sorrah em Senhora do Destino mostrará como ela se tornou tão má (e engraçada).

A decisão de se mudar para São Paulo — ele até manteve um apartamento na cidade, no Largo do Arouche, até 1990, mas nunca como residência oficial — nasceu do medo da violência enfrentada pelos cariocas. Morador da capital fluminense desde 1964, quando veio do Recife (ele é pernambucano da cidade de Carpina), o dramaturgo já foi assaltado no Rio quatro vezes. “Aquele Leblon idealizado da TV não existe. Trata-se de um bairro perigosíssimo, cheio de ladrões”, afirma.

O imóvel onde será seu centro cultural: acervo com 10 000 fotos (Leo Martins/Veja SP)

Além de se sentir mais seguro por aqui, caiu de amores pela vida cultural paulistana. “Nunca vi tanto humorista sem futuro quanto no Rio. Só tem stand-up comedy. Nem sei qual o motivo de rirem tanto.”

Em Higienópolis, sua rotina não difere muito da de uma pessoa comum: vai com seu bom par de chinelos de dedo à padaria, ao tintureiro… O Pátio Higienópolis, centro comercial que pode ser visto de sua sacada, é praticamente sua segunda casa. “Ele sempre sonhou em morar perto de um shopping”, entrega a jornalista Marília Gabriela, uma das amigas com quem circula pela cidade.

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A dupla passa por um roteiro de restaurantes badalados que inclui Chef Rouge, Ristorantino, Dalva e Dito e D.O.M. “Certa vez, a gente encheu a cara de vinho no Fasano, depois foi caminhando pelos Jardins, rindo e tirando selfies com as pessoas, bêbados”, diverte-se Aguinaldo.

A imagem projetada por ele nas redes sociais, no entanto, nem sempre transmite tanta simpatia. Sobretudo desde que passou a considerar que a maturidade lhe garantiu o direito de não ter papas na língua.

Em seus perfis na web, nos quais acumula mais de 800 000 seguidores, não se furta a comentar o que der na telha: seja a participação de Gretchen no clipe da cantora Katy Perry, seja a maquiagem de Donald Trump (que em tom de chacota considerou mais exagerada que a da drag queen Isabelita dos Patins).

Nos anos 80: a década foi marcada por sucessos como ‘Roque Santeiro’ e ‘Vale Tudo’ (Amiicucci Gallo/Veja SP)

Confessa, porém, ter se assustado com a ferocidade de fãs de alguns fenômenos pop. “Comentei que li Harry Potter e achei fake”, lembra. Entre as críticas de admiradores da saga do bruxinho, houve a mão pesada de quem desejasse seu atropelamento por um ônibus. “Era de ‘velho safado’ para baixo. Se chamassem alguém de negro ou bicha safada, a reação seria inflamada. Mas a velhice é usada como insulto, e tudo certo.”

Os primeiros passos profissionais de Aguinaldo se deram nos anos 60, na função de jornalista. A experiência como repórter policial rendeu um convite para a equipe do seriado Plantão de Polícia, da Globo, no fim da década de 70. A primeira novela, escrita com Gloria Perez, foi Partido Alto, cinco anos depois. A consagração veio com Roque Santeiro, de 1985.

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Cássio Gabus Mendes e Betty Faria na novela “Tieta” (Jorge Cysne/Globo/Veja SP)

Censurada pelos militares na década anterior, a trama de Dias Gomes tinha quarenta capítulos prontos. Ele foi escalado para continuar o trabalho de onde o autor original havia parado. O folhetim tornou-se um dos de maior audiência da história. Chegou a atingir 98% dos aparelhos televisores ligados, com mais de 73 milhões de espectadores.

Vale Tudo, assinada com Gilberto Braga e Leonor Bassères três anos mais tarde, parou o país com o mistério da morte da vilã Odete Roitman. Tieta, de 1989, atualmente reprisada no Viva, pôs o canal pago entre os líderes do Ibope — elevou em 115% sua audiência aos domingos, quando é exibida durante cinco horas seguidas.

Desde 2004, nenhuma atração das 9 repetiu o feito de Senhora do Destino, com média de 50,4 pontos. Reapresentada em 2009 e no ar pela terceira vez desde março no Vale a Pena Ver de Novo, alcançou média de 19 pontos no mês passado. “O trunfo dele é conciliar atualidades com assuntos das raízes do brasileiro, sempre de uma maneira saborosa”, diz Maria Cristina Mungioli, pesquisadora do Centro de Estudos de Telenovela da USP.

Aguinaldo não fala sobre valores, mas estima-se que um autor de seu porte não ganhe menos de 5 milhões de reais por novela, cifra que ainda pode aumentar graças a ações de merchandising. É o salário dos sonhos da maioria das pessoas, porém requer devoção e disciplina.

Cena de “Senhora do Destino”, em cartaz no Vale a Pena Ver de Novo (Zé Paulo Cardeal/Globo/Veja SP)

Quando está com uma trama no ar, Aguinaldo acorda às 5h30 e tem todo o resto do dia cronometrado. Chega a passar catorze horas imerso no trabalho e produz uma média de 35 páginas (o equivalente a um capítulo). Acompanha os programas com um olho no televisor e o outro na medição minuto a minuto do Ibope. Foi isso que estimulou o criador, solteiro convicto e homossexual assumido, a desistir de mostrar um beijo gay. “Havia rejeição, e a audiência caía cerca de 2 pontos. É quase o ibope do SBT!”, exagera.

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A rotina puxada faz com que ele cogite deixar as novelas depois de terminar a próxima, O Sétimo Guardião, programada para o ano que vem. Pretende, caso renove seu contrato com a Globo, que vence em 2020, dedicar-se à criação de séries. “Desde 1998, todas as noites, vejo algum episódio. Sem falsa modéstia, ninguém está mais bem preparado para escrever isso”, gaba-se.

Adora Os Sopranos, The Americans e House of Cards. Livros são o que principalmente consomem seu dinheiro — apesar de gostar de roupas de grife, como Armani e Ermenegildo Zegna. “Precisaria de outros 74 anos para ler tudo o que tenho na fila”, calcula. Em O Sétimo Guardião, voltará a apostar no realismo fantástico, característica de obras anteriores como Pedra sobre Pedra — quem não se lembra de Jorge Tadeu (Fábio Jr.), que aparecia magicamente quando as mulheres comiam uma flor?

A atração marcará o retorno de Nazaré Tedesco, embora no final de Senhora do Destino ela tenha se jogado de uma ponte. O autor não dá mais explicações, mas conta que Renata Sorrah se chamará, na história, Marcos Paulo Pianovsky (!).

O autor entre seus livros (Leo Martins/Veja SP)

A trama, que estava prevista para março de 2018, foi adiada em sete meses. Segundo ele, porque não abre mão de repetir a parceria com Rogério Gomes, o Papinha, com quem bateu bola em Império, em 2014. Como o diretor se encontra envolvido com A Força do Querer, de Gloria Perez, ficaria muito em cima. “Ele domina o gênero como poucos”, elogia Papinha.

Aguinaldo nega que a razão de postergar o folhetim esteja relacionada a uma polêmica com os alunos de seu curso de roteiro em São Paulo. Um dos estudantes alegou que teve sua ideia surrupiada. Durante as aulas, foi produzida uma sinopse a partir de uma proposta original do novelista. “Quando a Globo aceitou o texto, que reescrevi inteiro, decidi devolver o dinheiro, com juros e correção monetária”, rebate Aguinaldo.

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Ele restituiu 5 000 reais aos 26 alunos da turma em questão. Um total de 130 000 reais, bancados do próprio bolso. “Todos assinaram documento em que cedem os direitos de uso, mas um deles fornece anonimamente material à imprensa para alimentar o burburinho. É coisa de novela.”

Língua afiada

A opinião do autor sobre polêmicas, política, artistas…

“O pior desastre que pode acontecer ao Brasil é um segundo turno entre Bolsonaro e Lula. São duas caricaturas.”

O deputado federal Jair Bolsonaro (Gustavo Miranda/Veja SP)

“Marina Ruy Barbosa me abordou no Projac aos prantos porque não queria raspar o cabelo na novela. Achei uma crueldade e nem tão original assim. Então, decidi defendê-la. Hoje, é como uma afilhada.” Sobre a briga entre Walcyr Carrasco e a atriz, na época de Amor à Vida, em 2013

“Acertei com Anitta uma participação em minha próxima novela. Mas acho que ela vai embora do Brasil antes, como Gisele e Carmen Miranda. Uma pena. Porque Maria Gadú você tem umas 100. Anitta, não. É original.”

Anitta: elogiada pelo autor (Leo Aversa/Veja SP)

“Acho chinfrim quando a militância LGBT chama pessoas como eu ou Ney Matogrosso de ultrapassadas. A gente se arriscava pela causa na ditadura. É um legado que não se pode desconhecer.” Sobre a declaração do cantor: “Que gay o c***. Sou um ser humano”

“Sem investigação nem julgamento justo, é uma coisa violenta acabar com a carreira de uma pessoa assim.” A respeito da polêmica sobre o assédio de José Mayer

José Mayer, que assediou colega de trabalho (Renato Rocha Miranda/Globo/Veja SP)

O perfil do escritor

Idade: 74 anos

Natural de: Carpina (PE)

Casas: em São Paulo, Rio de Janeiro e Lisboa

Novelas no currículo: catorze, entre elas sucessos como Roque Santeiro, Vale Tudo e Tieta

Livros: dezesseis, o mais recente sobre seus tempos no jornalismo, Turno da Noite: Memórias de um Ex-Repórter
de Polícia, de 2016

Redes sociais: presente no Twitter, no Instagram e no Facebook, tem mais de 800 000 seguidores. Mantém ainda um site sobre cultura

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