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Máfia da Zona Azul usa máquinas legalizadas para cobrar ágio

Flanelinhas agem em espaços turísticos como o Mercado Municipal e chegam a cobrar o dobro do valor oficial

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
31 mar 2017, 20h22

Até julho do ano passado, quem queria parar o carro em uma vaga da Zona Azul, o estacionamento público nas ruas da capital, precisava recorrer aos talões impressos preenchidos a caneta. O processo envolvia dois problemas históricos: a falsificação do material, responsável por um prejuízo anual de 50 milhões de reais à prefeitura, e a livre atuação de flanelinhas, que revendiam a folhinha avulsa de 5 reais por valores maiores.

Naquele mês, a informatização do sistema — com a adoção da compra de créditos virtuais em aplicativos de celular — surgiu como a esperança de novos tempos. Em fevereiro, a administração municipal comemorou a venda de 1,4 milhão de unidades da Zona Azul Digital, 50% a mais que a média mensal registrada no ano passado (ou seja, no tempos da folhinha).

Trata-se de um crescimento associado ao aumento da procura pelos canais oficiais. A praga dos flanelinhas, no entanto, está longe de ser debelada. Plenamente adaptados à nova tecnologia, os guardadores de automóveis seguem à solta pelas ruas, embolsando o que bem entendem pelas 40 000 vagas rotativas da cidade.

Flanelinhas cadastrados utilizam máquina de cartão para venda de Zona Azul, na Rua da Cantareira, em frente ao Mercado Municipal: é cobrado o dobro do valor oficial (Leo Martins/Veja SP)

Durante duas semanas, VEJA SÃO PAULO flagrou a cobrança irregular em mais de trinta pontos da metrópole. Um dos locais com maior taxa de “ágio” em relação ao valor estipulado pela prefeitura é o entorno do Mercado Municipal, no centro, onde a hora não sai por menos de 10 reais, o dobro do correto. “Os outros 5 são para alimentar os meus filhos”, justificou um guardador da região à reportagem.

Não é a única área com uma tabela extraoficial. No Parque do Ibirapuera, na Rua Oscar Freire e na região do Brás, os preços variam entre 7 e 8 reais. O cenário de maior descalabro ocorre na Rua Florêncio de Abreu, no centro. Os oito flanelinhas que dominam a via cobram 30 reais pelo dia inteiro. Trata-se de uma prática proibida. O período máximo para estacionar naquele local é de uma hora.

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Quando uma viatura da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) se aproxima, eles se encarregam de comprar créditos para evitar as multas. Os carros da clientela são monitorados por meio de um macete curioso: um dos limpadores do para-brisa fica levantado. Na última segunda (27), a reportagem flagrou 36 veículos nessa situação no local. “Pode parar tranquilo. Se o fiscal passar, a gente regulariza na hora”, diz um dos “donos” do pedaço.

Belort, na Lapa: 130 reais por dia, mais da metade fruto de gorjetas (Leo Martins/Veja SP)

Na licitação da Zona Azul Digital, cinco empresas foram autorizadas a credenciar ambulantes. Eles embolsam 10% da venda dos créditos aos motoristas por meio de uma máquina portátil. Responsável por 95% desse formato de comércio na cidade, a Digipare possui 300 profissionais cadastrados. Todos são vinculados a uma cooperativa de ex-flanelinhas, a Cooperpare, que defende a prática da cobrança “por fora”. “Nossa orientação para eles é dizer o preço oficial e pedir uma gorjeta, sem impor nada”, diz Wesley de Lima, presidente da entidade.

Os vendedores ficam à vontade para aceitar extras, mesmo quando afirmam ser honestos. “Cobro 5 reais, nem um centavo a mais. Mas uma caixinha é sempre bem-vinda”, explica Rozevânio Belort, com 25 anos de atuação no Mercadão da Lapa, na Zona Oeste. Ele diz faturar 130 reais por dia, mas menos da metade é fruto da comissão oficial, de 10%.

A Digipare e a Cooperpare fazem lobby junto à administração municipal para a criação de uma “taxa de conveniência”, de 2 reais por hora, a ser paga por quem usa o serviço dos ambulantes. “Seria similar aos 10% do garçom no restaurante”, justifica Aurélio Ferraz, diretor da Digipare. Na prática, seria a oficialização da “gorjeta” dos flanelinhas.

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Ambulante no Ibirapuera: o colete informa o preço correto, mas, na prática, o valor é outro (Reinaldo Canato/Veja SP)

Por enquanto, a prefeitura garante que não vai aceitar esse absurdo. “Não podemos colocar mais essa conta nos ombros dos paulistanos”, diz o presidente da CET, João Octaviano Machado. Desde outubro, o órgão recebeu dezessete reclamações de cobrança indevida, o que levou a onze advertências e seis bloqueios de aparelhos.

No último dia 21, uma ação conjunta com a Guarda Civil Metropolitana resultou na prisão de sete vendedores credenciados que extorquiam motoristas. Mas ainda é muito pouco diante do tamanho do problema.


POR FORA
Quanto os flanelinhas pedem pela Zona Azul, que custa 5 reais por uma hora na tabela oficial
30 reais – Rua Florêncio de Abreu (por dez horas)
10 reais – Mercado Municipal (por hora)
8 reais – Rua Oscar Freire, Brás e região da 25 de Março
7 reais – Parque do Ibirapuera, Santa Ifigênia e Pari


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