Os dois lados da mesma moeda
De olho no retorno positivo até mesmo quando o assunto é filantropia, investidores recorrem a consultorias especializadas em selecionar e avaliar ONGs merecedoras de doações milionárias
A química carioca Regina Langsdorff, de 62anos, aprendeu em casa a ajudar o próximo: sua mãe servia moradores de rua com tanta frequência que eles tinham até louça e talheres próprios. Na adolescência, foi voluntária no socorro às vítimas de enchentes no Rio de Janeiro. Ao se aposentar, ela resolveu destinar parte do dinheiro à filantropia. “Retribuí à sociedade as oportunidades que facilitaram minha trajetória”, diz. Regina poderia ter feito uma doação à primeira ONG que batesse a sua porta — não faltaria minteressadas entre as cerca de 290 000 em atividade no Brasil. Para ter certeza de que seu donativo traria benefícios efetivos, porém, ela recorreu ao Instituto Azzi, um dos poucos escritórios no país que tratam a doação como um investimento do mercado financeiro. A exemplo de organizações estrangeiras, o papel do Azzi é identificar doadores e suas causas de preferência, selecionar e avaliar as ONGs, administrar os repasses e acompanhar o progresso dos donativos, cobrando a prestação de contas. “Nosso aval tranquiliza o doador”, afirma Marcos Flávio Azzi, fundador do instituto e antes executivo do Credit Suisse. O instituto orienta pessoas físicas comprometidas a injetar um mínimo de 100 000 reais em projetos sociais — até hoje, arrecadou cerca de 8 milhões de reais, de cinquenta patrocinadores, em prol de setenta ONGs. Entre elas está a Gastromotiva, de São Paulo: 100 000 reais alavancaram os cursos profissionalizantes de gastronomia oferecidos a jovens de baixa renda. “Os alunos formados aqui garantem emprego em bares ou restaurantes”, diz David Hertz, criador da entidade.
Com o envolvimento de ONGs em casos de corrupção — em 2011, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento de Infraestrutura Sustentável foi investigado pela Polícia Federal por não tirar do papel um curso de capacitação profissional, no Amapá, para o qual recebeu dinheiro público —, verificar a competência das organizações é fundamental. Tanto na Bolsa de Valores Socioambientais, criada pela BM&FBovespa, em 2003, quanto no Think & Love, site que entrou no ar em dezembro, as ONGs passam por um rigoroso exame antes de ser cadastradas. “Nossa seleção precisa ser aprovada por dois comitês”, afirma Rodrigo Aguiar, coordenador do Instituto BM&FBovespa. Em dez anos, a BVSA recebeu quase 13 milhões de reais para 105 projetos. O Centro de Voluntariado de São Paulo (CVSP), presidido por Milú Villela, uma das principais acionistas do banco Itaú, manda uma equipe a campo para conferir o trabalho das cerca de 1 200 ONGs catalogadas — as mais atuantes ganham um selo de certificação. “Elas estão mais profissionais”, diz Silvia Maria Louzã Naccache, coordenadora do CVSP. Ultrapassar a imagem da caridade — aquela que por décadas envolveu bazares e chás beneficentes — é a chance de atrair mais investidores. No Brasil, eles ainda são poucos. Em catorze anos, o Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social teve cerca de 190 clientes — o equivalente a doze doadores por ano. O montante privado é igualmente modesto. Cerca de 10 bilhões de reais são doados anualmente, segundo a consultoria americana McKinsey & Company. “Não existe um sistema que favoreça doações”, afirma Fernando Rossetti, do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas, entidade com 143 associados, como a Childhood Brasil, a Fundação Bradesco e o Instituto Ayrton Senna. Rossetti se refere à cobrança do ITCMD, imposto estadual sobre heranças e concessão de valores para um projeto social. Em São Paulo, o valor é de 4%.
Nos Estados Unidos, a indústria anda tão avançada que a Indiana University começa neste ano a dar aulas de administração da filantropia, em cursos de graduação e pós-graduação. Um estudo da universidade, em conjunto com a fundação Giving USA, revelou que os investimentos “do bem” alcançam quase 300 bilhões de dólares por ano. Para as celebridades, os escritórios de aconselhamento tornaram-se tão indispensáveis quanto o personal stylist. Assim como fazem os profissionais do guarda-roupa, escritórios como o Global Philanthropy Group (GPG), em Los Angeles, cuidam para que a imagem de seus clientes saia cada vez melhor na fita, orientando os investimentos sociais para que façam, de fato, diferença. A GPG aconselhou o ex-presidente Bill Clinton na criação da fundação que soma 2 300 compromissos de investimento em 180 países (implementados, totalizarão 73 bilhões de dólares) e ajudou a empresária de moda Tory Burch a se tornar uma das cinco mulheres mais importantes a mudar o mundo por meio da filantropia, segundo ranking da revista Forbes. Pioneira no serviço, a Rockefeller Philanthropy Advisors, em Nova York, auxilia empresas e doadores individuais a encontrar causas para abraçar: 3 bilhões de dólares já foram direcionados pela entidade. Desde 2003, é uma iniciativa da quarta geração da família que dedicou boa parte da riqueza acumulada com o petróleo em prol de universidades, centros de pesquisa científica e atividades de cunho social ou artístico. “Não promovemos causas”, diz Mariko Tada, diretora de doações. “Ajudamos nossos clientes a apoiar os temas que consideram mais importantes.”