Pós-verdade: quando a emoção fala mais alto que a razão
A Oxford Dictionaries elegeu “pós-verdade” (post-truth) como a palavra do ano de 2016. O verbete diz respeito, segundo definição da própria universidade, às “circunstâncias em que os fatos objetivos têm menos influência sobre a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”. A seleção da palavra (usada pela primeira vez em 1992 […]
A Oxford Dictionaries elegeu “pós-verdade” (post-truth) como a palavra do ano de 2016. O verbete diz respeito, segundo definição da própria universidade, às “circunstâncias em que os fatos objetivos têm menos influência sobre a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”.
A seleção da palavra (usada pela primeira vez em 1992 pelo sérvio Steve Tesich) foi baseada no aumento exponencial de seu uso ao longo de 2016, associado majoritariamente à circulação de informações na internet sobre o referendo da saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit) e sobre a eleição de Donald Trump como o próximo presidente dos Estados Unidos.
Embora a Oxford defina o verbete como adjetivo, o uso na língua portuguesa é como substantivo. Exemplos recentes de pós-verdade: o Papa Francisco apoiava a candidatura de Trump; a vinculação à União Europeia custa quase 2 bilhões de dólares por mês ao Reino Unido; Obama fundou o Estado Islâmico; Lula roubou objetos do Palácio da Alvorada; crianças estão sendo sequestradas em Santos por adultos em uma Ecosport preta; o Iraque possuía armas de destruição em massa; O New York Times perdeu milhares de leitores por causa da cobertura ruim da candidatura Trump; médicos cubanos tiram postos de trabalho dos brasileiros; o carro do prefeito foi flagrado na faixa exclusiva para ônibus… A coleção é infinita.
+ Sobre a descriminalização do porte e do uso da maconha
Realmente a pós-verdade ocorre quando aspectos emocionais se sobrepõem à razão. É importante ressaltar que, embora o termo tenha surgido em 1992 e seu uso se disseminado no ano corrente, o fenômeno em si não é novo. O uso da informação (seja ela verdadeira ou falsa) para controlar as massas acompanha a história da humanidade desde sempre. O que parece ser novidade são a velocidade e o volume como as informações circulam nas mídias digitais.
O problema então é o poder de disseminação das ideias. As ideias baseadas em fatos também circulam com facilidade mas o problema é que as ideias sem fundamento factual têm um poder enorme de influenciar o comportamento de pessoas que gostam daquela ideia por conta das emoções por ela afetadas. Embora seja um fator positivo a democratização das mídias sociais, isso exige de nós mais cuidado ao receber e ao replicar conteúdos.
Os principais componentes emocionais que permitem que uma pessoa aceite uma falsa informação como verdadeira são o medo e, secundariamente, o ódio (secundariamente porque o ódio brota do medo). Uma ideia que chegue a nós como uma verdade fechada nos isenta de ter de pensar e de eventualmente ter de enfrentar nossos medos.
“Preguiça cognitiva”
Mestre em psicologia (e prêmio Nobel de Economia em 2002), Daniel Kahneman cunhou o termo “preguiça cognitiva” para descrever a tendência que o cérebro tem de considerar apenas a fatia da realidade que endosse as decisões tomadas previamente, sem levar em conta o contraditório, o que exigiria algum esforço intelectual. Essa ideia corrobora a teoria do viés de confirmação proposto por R. S. Nickerson (1998), segundo a qual ignoramos aquilo que refuta nossas crenças e superestimamos aquilo que as reforce.
Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda do governo nazista de Adolf Hitler, dizia que “uma mentira repetida 1 000 vezes vira verdade”. Ele entendeu esse processo da disseminação de falsas verdades, o que contribuiu fortemente para a sustentação do Terceiro Reich germânico, que levou à tortura e ao extermínio mais de 6 milhões de judeus.
+ Não existe “dar um tempo” no relacionamento
Este processo de influência das massas parece inevitável. O que se pode fazer no nível individual é evitar a preguiça cognitiva e sempre considerar a possibilidade de que seu ponto de vista possa estar equivocado, além de sempre checar a veracidade das informações que chegam até você.
Por último… jamais (JAMAIS!) compartilhar um conteúdo cujas informações não tenham comprovação. Disse certa vez o falecido senador estadunidense Daniel Moynihan: “Todos têm direito a suas próprias opiniões. Ninguém tem direito a seus próprios fatos”. A página Viralgranskaren, que se dedica a evitar virais com informação falsa, publicou recentemente esse vídeo que ilustra um exemplo bem atual de pós-verdade:
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=Ryjpu-NWYm8?feature=oembed&w=500&h=281%5D
A divergência e a refutabilidade fazem parte da estrutura científica. Não existem verdades absolutas na ciência. É exatamente essa premissa que permite o avanço do conhecimento. As verdades prontas só servem para que alguém tire vantagem em relação aos demais, porque uma verdade pronta será a verdade que alguém pintou com as cores que quis.
O calcanhar de Aquiles para morder a isca e se tornar um depósito de falsas verdades são as emoções. Aprender a entender suas próprias emoções é o único caminho para que você não morda essa isca da verdade pronta e irrefutável.