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Leonardo Vieira desabafa sobre ataques homofóbicos

Ator de novelas como 'Quatro por Quatro' e 'A História de Ana Raio e Zé Trovão' falou sobre preconceito e o rótulo de "símbolo sexual"

Por Redação VEJA São Paulo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 9 jan 2017, 19h31 - Publicado em 9 jan 2017, 19h26
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Vítima de ataques homofóbicos desde que foi clicado aos beijos com outros homem, o ator Leonardo Vieira publicou uma carta aberta sobre o caso nesta segunda (9).

Na carta, Vieira conta que o rapaz que aparece ao lado dele na foto é um amigo. “Nunca escondi minha sexualidade, quem me conhece sabe disso.” O ator de novelas como Quatro por QuatroA História de Ana Raio e Zé Trovão desabafou também sobre preconceito e a dificuldade em lidar com o rótulo de ‘símbolo sexual’ desde o começo da carreira. “O público passa a ver o ator antes da personagem e para mim isso nunca foi bom.

As fotos foram publicadas pelo Ego no mês passado, e desde então, ele vem recebendo uma enxurrada de ofensas. Um usuário do Facebook chegou a chamá-lo de ‘lixo’ e ‘porco’ em sua página oficial. Já outro homem escreveu que “o mundo está perdido”. Após a divulgação do texto, ele prestou depoimentos à Comissão de Direitos Humanos,

Leia na íntegra:

Manifesto contra a homofobia.
“Quero iniciar essa carta primeiramente desejando a todos um feliz 2017! Desejo que o ano novo seja cheio de realizações para todos, mas que seja principalmente um ano de mais tolerância, respeito e amor entre todos os povos, crenças, religiões, cores, classes sociais, ideologias e orientações sexuais.

O ano de 2016 terminou e com ele recebi uma tarefa para enfrentar em 2017, a qual quero dividir com vocês. Encarar essa missão será uma grande mudança em minha vida, talvez a maior e uma efetiva quebra de um paradigma. Ainda não sei que consequências estão por vir, mas quero transformar o episódio e as consequências que vivencio em algo que tenha algum valor para um número maior de pessoas.

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No dia 28 de dezembro, comemorei meu aniversário e, para celebrar, fui a uma festa privada de um conhecido. Lá reencontrei um amigo que já não mora mais no Brasil e acabamos nos beijando. Um fotógrafo não perdeu a oportunidade e disparou uma rajada de cliques registrando a situação. O que era para ser um momento meu, acabou se tornando público. No dia seguinte, a foto do beijo entre dois homens estava estampada na capa de um grande site de celebridades e replicada em diversos outros espaços.

Nunca escondi minha sexualidade, quem me conhece sabe disso. Não estou “saindo do armário”, porque nunca estive dentro de um. Também nunca fui um enrustido. Meus pais souberam da minha orientação sexual desde quando eu ainda era muito jovem. No início não foi fácil pra eles, pois somos de famílias católicas e com características bem conservadoras, mas com o tempo eles passaram a me respeitar e aceitar a minha orientação. Eles puderam perceber através da minha conduta que isso era apenas um detalhe da minha personalidade. Eles entenderam que o filho deles podia ser uma boa pessoa, honesto, bom caráter, bom filho, bom amigo, mesmo sendo “gay”. Hoje, a única preocupação da minha mãe é que eu não seja feliz. Eu posso afirmar para ela que sou feliz. Tenho um trabalho que me realiza, amigos que me amam e uma família que me conhece de verdade e que me aceita como eu sou, sem hipocrisias. Meu caso não é nem o primeiro e nem será o último.

Desde cedo já sabia que eu queria ser ator. Já fazia teatro amador na escola, antes mesmo de me descobrir sexualmente. Aos 22 anos, fui alçado para a fama como um foguete. Em quatro capítulos de uma novela fiquei famoso nacionalmente e me tornaram o galã do momento, um “namoradinho do Brasil”. Em pouco tempo estava em todas as capas de revistas e jornais. Passei a receber inúmeras cartas, convites para comerciais de televisão, festas, desfiles, presenças VIPs. A mídia me classificou como símbolo sexual e jornalistas me perguntavam como eu me sentia sendo o novo “símbolo sexual”. Eu era novo e não sabia responder, dizia apenas que estava feliz com a repercussão do meu trabalho. Eu nem me achava tão bonito e sexy assim para ser tido como um símbolo sexual. Sempre me achei um cara normal. Convivi com uma dúvida pessoal que me tirou a paz por um tempo. Como eu poderia ser um símbolo sexual para tantas meninas e mulheres quando a minha sexualidade na “vida real” apontava em outra direção? Como lidar com isso? O que fazer? Declaro minha sexualidade? A pressão era enorme de todos os lados, eu não sabia o que fazer e acabei não me declarando publicamente, mantive uma vida discreta e tratei o assunto em meio a círculos de amizade, trabalho e família como algo natural.

Sempre achei que um ator deve ser como uma tela em branco. Ali colocaremos tintas, cores, formas e sentimentos para dar vida a diferentes personagens. Respeito, mas nunca concordei com atores que expõem sua vida íntima ou levantam bandeiras ideológicas, exatamente porque no meu entender isso poderia macular essa tela em branco e correr o risco de tirar a credibilidade de um trabalho. O público passa a ver o ator antes da personagem e para mim isso nunca foi bom. Um dos motivos de nunca ter feito o meu “outing” foi esse e isso não é uma desculpa. Provavelmente, se eu fosse hétero, manteria a mesma postura discreta em relação a minha vida privada.

Infelizmente, vivemos em um país ainda cheio de preconceitos e a homofobia é um deles. Revelar-se homossexual não é fácil pra ninguém e acredito que seja ainda mais difícil para uma pessoa pública. Sempre achei “assumir” um termo pesado demais. Assume-se um crime, um delito, um erro e uma falta grave. Será que estou errado em ser quem sou? Será que tenho alguma culpa para assumir? Esse termo “assumir” me perseguiu como se eu tivesse cometido algum crime e que eu teria que fazer o “mea culpa” e ser condenado. Nunca me senti criminoso ou culpado por ser homossexual, eu me sentiria assim se tivesse matado alguém, ou roubado alguém ou a nação. O fato de ser gay nunca prejudicou ou feriu alguém, a não ser a mim mesmo; e não escolhi ser gay. Se pudesse escolher, escolheria ser heterossexual com certeza. Seria muito mais fácil a vida, não teria que ter enfrentado as dificuldades que enfrentei com meus pais, não seria discriminado em certos círculos sociais, teria uma família com filhos (sempre sonhei em ser pai), não sofreria preconceito de colegas, não seria atacado nas ruas, não seria xingado nas redes sociais, não deixaria de ser escolhido para certos personagens, seria convidado para mais campanhas publicitárias e capas de revista. Tenho vivido e venho sofrendo preconceito durante toda a minha vida e na maioria das vezes ninguém percebeu, só eu senti na pele, mas nem por isso me vitimizei.

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Nunca deixei de fazer nada na minha vida privada por ser ator famoso. Sempre fui a lugares gays, namorei caras incríveis, tenho vários amigos e amigas gays e também frequento lugares héteros, tenho amigos héteros, vou ao supermercado, à feira… Sempre tive uma vida normal como todo ser humano merece ter. Nunca me senti especial por ser ator e sempre fiz questão de transitar livremente, mesmo que muitas vezes tivesse que parar um minuto da minha existência para tirar uma foto ou dar um autógrafo. Agora, pessoas do público as quais dediquei meu tempo, atenção e carinho, me atacam nas redes sociais de maneira vil e violenta, porque “descobriram” que eu sou gay. Eu nunca disse que não era, só não saí por aí com uma bandeira hasteada. Eu não traí a confiança de ninguém, sempre fui o que sou. Algo muito simples de ser entendido se em nossa sociedade essa questão ainda não fosse um tabu no ano de 2017.

Sobre o episódio do “beijo gay”, que a princípio parecia ser um “escândalo do último minuto” ou uma pedra no caminho, eu parei para refletir e vi que era, na verdade, um presente. Uma ótima oportunidade para tirar das minhas costas algo que me fez sofrer por muitos anos. Agradeço sinceramente ao site e ao fotógrafo que publicaram as fotos do beijo, pois assim me vi na obrigação de escrever essa carta e deixar clara a minha posição, tirando, assim, um peso que carrego há anos nas costas, além de poder ajudar a tantas pessoas que sofrem preconceitos, discriminação ou ainda não assumiram sua sexualidade. Estou me sentindo bem mais leve, mas poderia estar me sentindo bem mais pesado, caso eu não tivesse o suporte de minha família e amigos. Embora a publicação tenha me feito um grande favor, pode ter me prejudicado imensamente profissionalmente (só saberemos no futuro) ou poderia ter destruído minha família, se por acaso eles já não soubessem da minha situação. Infelizmente a mesma mídia que se diz contra a intolerância, a discriminação e o preconceito, alimenta esses sentimentos irresponsavelmente, sem medir as consequências. É incrível que obras como o ” Beijo no Asfalto”, de Nelson Rodrigues, baseada em um beijo entre homens e transformado em sensacionalismo midiático, ainda sejam atuais.

Essa carta aberta aqui não é um pedido de desculpa, pois não acho que deva pedir desculpas por ser gay. Pelo contrário: sempre tive orgulho de ser quem eu sou. Essa carta é um manifesto contra a homofobia. Descobri estupefato que homofobia não leva ninguém à cadeia. Este crime, que pode ser devastador na vida das pessoas, não tem defesa à altura. Algumas cometem suicídio e outras matam por simples preconceito, que, aliado à violência verbal, psicológica ou física, é uma das mazelas de nossa sociedade.

Não gostaria de me colocar no papel de vítima, mas sou e não posso deixar de querer meus direitos como cidadão de bem e exigir justiça para mim e, quiçá, para tantos outros homossexuais em meu país que também sofrem com isso diariamente e por anos em suas vidas. Homofobia precisa ser tratada com seriedade pela justiça e pela sociedade.

O objetivo dessa carta não é só esclarecer, de uma vez por todas e a quem interessar possa, a minha orientação sexual, mas também alertar para o verdadeiro crime psicológico e letal que as pessoas cometem ao perderem tempo de suas vidas para atacar os outros na internet ou nas ruas.

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O que ainda me surpreende é a violência, a guerra, a discriminação, a intolerância, a falta de respeito entre pessoas iguais que se atacam pela diferença, seja pelo fato de alguém ser gay, hétero, preto , branco, rico, pobre, evangélico ou muçulmano. Se sou gay, isso não vai mudar em nada a vida de ninguém ou a de quem estiver lendo isso, mas meu caso talvez possa ajudar pessoas que sofrem com a discriminação sexual ou com qualquer outra forma de discriminação e preconceito. Não consigo entender porque as pessoas ainda se preocupam tanto com a sexualidade alheia e fazem disso motivo de discórdia e violência.

Existem mulheres e homens na internet dizendo coisas horríveis a meu respeito. Tenho sofrido ataques homofóbicos pelo fato de ter sido fotografado beijando um homem. Se eu fosse hétero jamais me envolveria com uma mulher preconceituosa e deselegante, porque também não me envolveria com um homem preconceituoso e deselegante. Ser um ser humano com bom caráter, honesto, amigo, leal, educado, gentil, generoso e outras qualidades é muito mais importante do que quem você beija ou se relaciona sexualmente, independentemente se você é homem ou mulher.

Por isso estou indo esta tarde à comissão dos direitos humanos entender quais são os meus direitos como cidadão e quem sabe assim servir de exemplo para que meu caso não seja mais um e isso possa mudar algo em nossa legislação.

Para terminar esse manifesto gostaria de homenagear e agradecer algumas pessoas que, antes de mim, tiveram a coragem de dar sua cara à tapa e declararam suas orientações sexuais sem medo de enfrentar as consequências: Kevin Spacey, Rick Martin, Ian McKellen, Alessandra Maestrini, Marco Nanini, Ney Matogrosso, Daniela Mercury e tantos outros. Deixo aqui meu muito obrigado e todo meu respeito a todos que lutam por esta causa: a da liberdade para que todos possam ser quem são.

Bom, a vida continua e quem quiser conferir meu trabalho, estou em cartaz no teatro Folha em São Paulo, a partir do dia 11 de janeiro, sempre as quartas e quintas, às 21 horas, na comédia Nove em Ponto, de Rui Vilhena.”

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Confira a repercussão:

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