Tiago Barbosa, o príncipe negro de “Cinderella”: “Não sirvo só para o papel de escravo, traficante ou favelado”
Desde que o musical “Cinderella” foi lançado na Broadway, em 2013, essa é a primeira vez que o Príncipe Topher ganha representação de um negro. E ele é brasileiro, atende pelo nome de Tiago Barbosa e está muito orgulhoso de “quebrar o protocolo”. Embora o espetáculo tenha estreado em março no Teatro Alfa, foi na […]
Desde que o musical “Cinderella” foi lançado na Broadway, em 2013, essa é a primeira vez que o Príncipe Topher ganha representação de um negro. E ele é brasileiro, atende pelo nome de Tiago Barbosa e está muito orgulhoso de “quebrar o protocolo”. Embora o espetáculo tenha estreado em março no Teatro Alfa, foi na última sexta, dia 22, que Barbosa saltou do time coadjuvante para o papel do príncipe encantado da mocinha vivida pela atriz Bianca Tadini.
Fluminense da Baixada, o ator, cantor e bailarino, de 31 anos, cresceu em uma família de músicos, ganhou bagagem teatral no grupo Nós no Morro, participou do programa televisivo “Ídolos” e interpretou o Rei Simba de “O Rei Leão”. Agora, Tiago Barbosa vai ser príncipe todas as sextas-feiras como alternante de Bruno Narchi, que defende Topher nos finais de semana.
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Você percebeu algum estranhamento da plateia ao vê-lo no papel do príncipe Topher?
É inegável que rola um estranhamento da plateia. Afinal, fomos acostumados a imaginar o príncipe como um rapaz claro, talvez louro, quem sabe de olhos azuis. De repente, o público encontra um ator negro e um paradigma é quebrado. Mas confesso que, na primeira sessão, na sexta passada, eu subi ao palco pronto para ouvir algumas reações. Podia ser bem possível que alguém não gostasse de me ver e reagisse de forma mais hostil. A surpresa foi verificar, logo que saí de cena, muita gente comentando nas redes sociais sobre meu trabalho, me parabenizando e escrevendo coisas como “você é uma grata surpresa” ou ”#tiagobarbosamerepresenta”.
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Grande parte do público de “Cinderella” é infantil. Como as crianças reagem ao encontrar um príncipe negro?
Talvez a maioria do público seja infantil, e eles já vão sair do teatro com essa informação. “Olha, o príncipe é negro”, alguém vai dizer. “Ser diferente é legal”, vai comentar o outro com colega na escola. Desde pequenos, somos apresentados aos clássicos com os personagens branquinhos e vamos vendo pela vida afora a repetição desse estereótipo. Por que esse estereótipo no Brasil? Nada melhor do que gente educar os pequenos diante das diferenças e limar qualquer preconceito. Na minha infância, os heróis eram ruivos e com sardas. Nunca me senti representado. Os negros sempre foram mostrados como subalternos, então é um processo muito lento. Hoje, as crianças podem ver a Taís Araújo na televisão, com uma cabeleira linda, e pensar que o cabelo de uma negra também é bonito. Mas estamos falando de algo muito recente. A Taís foi a primeira protagonista negra de uma novela da Rede Globo com “Da Cor do Pecado”, que é de 2004. Então, não podemos negar que existe um preconceito velado.
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O que muda para você como artista o rótulo de “o primeiro príncipe negro de Cinderella”?
É um grande avanço como pessoa e como artista. Não sirvo só para o papel de escravo, traficante ou favelado. Fiz a audição para interpretar Lorde Pinkleton, o arauto do reino, fui aprovado e interpreto esse papel nas demais sessões. Na saída do teste, a produtora de elenco falou que a direção queria que eu representasse também o príncipe como um alternante do Bruno Narchi. Mas eu sei que esse paradigma só foi quebrado por causa de uma capacitação técnica que tenho. Eu canto, danço, sapateio e interpreto bem. Enfrentei uma bateria de testes e todos que me avaliaram têm esse conhecimento, mas sei que há um debate em torno de como será a aceitação de um negro no papel, como o público vai reagir a isso. Não existe a cor da pele, existe um artista que encontrou uma oportunidade. Então, um dia na semana, eu quebro o protocolo e faço o príncipe de “Cinderella”. Torço de verdade para que eu deixe de ser uma exceção e, como disse um amigo, abra caminho para outros atores negros.
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