“The Pillowman – O Homem Travesseiro” ou O Livro dos Monstros Guardados
Em um tempo dominado pelo politicamente correto, a tragicomédia “The Pillowman – O Homem Travesseiro” traz à tona uma discussão polêmica. Seria o artista responsável absoluto por sua obra e até que ponto o público – seja ele quem for – está preparado para receber qualquer conteúdo proposto? Sem, no entanto, entrar no mérito de […]
Em um tempo dominado pelo politicamente correto, a tragicomédia “The Pillowman – O Homem Travesseiro” traz à tona uma discussão polêmica. Seria o artista responsável absoluto por sua obra e até que ponto o público – seja ele quem for – está preparado para receber qualquer conteúdo proposto? Sem, no entanto, entrar no mérito de responder a essas questões, a montagem apropria-se do texto do inglês Martin McDonagh para lançar essas ideias na trama ambientada em um país constantemente vigiado.
Dirigido por Bruno Guida e Dagoberto Feliz, o espetáculo transita entre o suspense, o terror e a fábula. Sua estética grotesca – ao apresentar tipos com deformações físicas, em estado de palidez mórbida e adeptos à violência e ao sadismo – leva a associações aos filmes, desenhos animados e programas de televisão consumidos pelos jovens.
Mesmo diante da dramaturgia instigante, a grande âncora da encenação é a caracterização do elenco, tão surpreendente e de uma unidade quase inabalável. Flávio Tolezani dispensa a pinta de galã ao interpretar com desenvoltura o enigmático Katurian. Ele é um escritor de contos voltados ao público infanto-juvenil convocado a prestar esclarecimento sobre o conteúdo de suas mensagens. Segundo os policiais Tupolski e Ariel (vividos pelos ótimos Daniel Infantini e Bruno Guida, respectivamente), as histórias guardam semelhanças com homicídios infantis que assolam a cidade. Irmão de Katurian, o deficiente mental Michael (papel de Bruno Autran) desponta como suspeito e não parece disposto a se defender.
A primeira e longa cena de interrogatório, repleta de energia, ritmo e suspense, já põe à prova o talento do quarteto. Excetuando Tolezani, mais contido, todos estão expostos, exagerados, dispensando qualquer tom realista e aproximando-se da caricatura. Como complemento, as participações pontuais de Wandré Gouveia destoam desse equilíbrio. Imaturo, o ator faz pequenas entradas a partir da metade da peça que poderiam perfeitamente ficar de fora ou ser resolvidas através de outros recursos.
O principal empecilho para o público persistir entregue à montagem, no entanto, acaba tornando-se a longa duração que beira três horas. Algumas cenas, como as que Katurian conta suas histórias para Michael, poderiam ser enxugadas sem comprometer a narrativa. Acomodado nas – perdoem, tá? – desconfortáveis cadeiras do Viga Espaço Cênico, o espectador sente esse peso e, algumas vezes, perde o envolvimento com a trama, principalmente depois do intervalo. Presta menos atenção no palco e mais no relógio.