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Mário Viana e um pouco de sua obra no livro “Natureza Morta e Outras Peças Curtas”: “Minha dramaturgia ficou menos explícita nos palavrões e mais funda nas provocações

O dramaturgo paulistano Mário Viana, de 55 anos, tem parte de sua obra teatral reunida no livro “Natureza Morta e Outras Peças Curtas”, que será lançado no sábado (26), no Espaço Parlapatões, a partir das 17h. Você poderá descobrir ali seis textos, muitos deles com um sabor de crônica, escritos para o Festival Satyrianas, tradicional […]

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 26 fev 2017, 14h39 - Publicado em 24 set 2015, 17h15
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Mário Viana: livro reúne peças escritas para o evento "Satyrianas" (Foto: Divulgação)

Mário Viana: livro reúne seis peças escritas para o evento “Satyrianas”

O dramaturgo paulistano Mário Viana, de 55 anos, tem parte de sua obra teatral reunida no livro “Natureza Morta e Outras Peças Curtas”, que será lançado no sábado (26), no Espaço Parlapatões, a partir das 17h. Você poderá descobrir ali seis textos, muitos deles com um sabor de crônica, escritos para o Festival Satyrianas, tradicional agito de todos os anos na Praça Roosevelt. Mário Viana é ainda jornalista e roteirista de televisão – participa da equipe de “Totalmente Demais”, próxima novela das sete da Globo –, mas, acima de tudo, é bom de papo…

Bem, vamos pensar em uma teoria. O jornalista trabalha com a exatidão, com a razão. Para criar ficção, um caminho contrário é percorrido, certo? O fato de ser jornalista pode atrapalhar sua criação, frear sua imaginação?

Vivi mais de vinte anos como jornalista, sendo repórter e editor. Sempre gostei de exercer o profissão, descobrir fatos, personagens, histórias. O teatro caminhou em paralelo: nos anos 70, durante o então segundo grau em um colégio estadual da Zona Norte, fazia até trabalhos em forma de teatro. Tudo teria parado aí, se, em 1986, eu não tivesse visto um anúncio do Centro de Pesquisa Teatral, o CPT do Antunes Filho, abrindo vagas para um curso de dramaturgia. Comecei a estudar com o Luis Alberto de Abreu. O grupo do Abreu saiu do CPT e formou uma turma boa: os hoje diretores Antonio Araújo e Nelson Baskerville, o ator Hugo Possolo, os dramaturgos Enéas Carlos Pereira, Marici Salomão, Bia Gonçalves, o crítico Michel Fernandes… E eu. Em 1993, estreei com “Ifigônia”, uma farsa medieval de estudantes italianos, que adaptei a partir de uma tradução de Bri Fiocca. A peça, estrelada por Rosi Campos e Zezeh Barbosa, com direção do Roney Facchini, fez temporada na mesma sala que um grupo também iniciante, os Parlapatões, estreava “Sardanapalo”. Éramos todos bebês teatrais.

Sim, mas e o jornalismo… (risos)

Acho que, mesmo fora das redações, mantenho o jornalista em atividade quando pratico a dramaturgia. Minhas peças trabalham com a realidade, mesmo quando parecem absurdas. O bom jornalismo ensina a concisão do texto, a precisão da palavra, a clareza na transmissão de ideias. Isso se reflete em muitos dos dramaturgos atuais. Somos todos crias de redação – Sérgio Roveri, Franz Keppler, Marta Góes, Bia, vários outros – e acho que isso acaba, sim, influenciando o trabalho. É claro que a técnica é diferente. A gente pena um bocado para deixar a precisão fria e mergulhar na emoção dos personagens, acha que está cafona. O exercício é constante, e a gente precisa estar atento para as armadilhas do texto. Mas a regra vale para qualquer trabalho escrito. A palavra tem que ser exata tanto no jornalismo quanto no texto ficcional. Essa coisa do “fluxo inspirado pelas musas” não existe.

Muitas de suas comédias apresentam uma ponte com o politicamente incorreto. Você se policia na hora da criação ou nem se preocupa com isso?

Dizer que não me policio soaria bastante heroico e corajoso, mas não é bem verdade. Há um momento, sim, de hesitação, “será que isso vai ofender alguém?”. O problema é que as pessoas hoje se ofendem por qualquer coisa, então o temor de quem escreve acaba se diluindo. A hesitação só aparece mesmo na segunda ou terceira versão do texto, quando algumas pessoas leram e palpitam. A leitura em “petit comité” é importante para o autor sentir o texto numa segunda dimensão, a da voz. Muitas vezes, a piada que parece genial no texto escrito soa boba, infame ou idiota quando lida em voz alta.

+ João das Neves e o teatro da resistência no Itaú Cultural. 

Um censor foi acionado mesmo que minimamente em você?

No que diz respeito aos meus textos, acho que houve mudanças de estilo. Comecei mais desbocado. “Ifigônia” e “Um Chopes, Dois Pastel e uma Porção de Bobagem” são verdadeiros tratados de escatologia e palavrão. Muita gente gostava, mas muitos também saíam do teatro meio em estado de choque. Não os culpo, mas gosto de cada fala daquelas peças. Engraçado é que sempre aparecia alguém com uma proposta de texto claramente apoiado naqueles trabalhos, como se eu fosse o autor de palavrões do momento. Minha dramaturgia ficou menos explícita nos palavrões e mais funda nas provocações. Não cheguei ao equilíbrio, nem quero. A gente só cria de verdade em estado de gangorra. Tenho um texto inédito tão provocativo que decidi guardar na gaveta por um tempo, antes de tentar montá-lo. Menos é mais. Às vezes, uma menor virulência pode surtir muito mais efeito na plateia.

"Carro de Paulista": comédia dirigida por Jairo Mattos foi sucesso de público (Fotos: Divulgação)

“Carro de Paulista”: comédia dirigida por Jairo Mattos foi sucesso de público (Fotos: Divulgação)

“Carro de Paulista” é uma peça que foi montada na raça e deu certo de bilheteria. Como explica esse sucesso comercial?

“Carro de Paulista”, que escrevi em parceria com Alessandro Marson, é mesmo um fenômeno. Montamos com o dinheiro que tínhamos no bolso – era para comprar as ripas de madeira e a tinta vermelha usadas para construir o carro cenográfico. Pensávamos em algumas semanas no Centro Cultural São Paulo, algum outro teatro público e mais nada. Ficamos oito anos, a peça virou telefilme e livro. Às vezes, eu esperava o público sair e escutava os comentários. “Precisamos trazer Fulano pra ver, a gente aprontou muito disso” era um dos mais frequentes O interessante é que “Carro” agradava – e muito – a plateia masculina, a mais exigente e difícil de seduzir no teatro. Talvez o segredo tenha sido uma trama com a qual quase todo mundo se identifica: jovens saindo dos domínios familiares em busca de aventuras no mundão. A saga dos quatro meninos da Zona Leste que chegavam aos Jardins para apanhar a “mina bacana” sem fazer a menor ideia dos códigos de conduta nos bairros mais “chiques” era mais familiar do que imaginávamos.

Nesses últimos anos, a caretice aumentou… O público se divertiria menos com a peça?

Nos ensaios, chegamos a temer que o pessoal da Zona Leste se sentisse ofendido. Um ou outro reclamou, mas a maioria adorava se ver retratado num palco. A peça sempre se deu melhor em teatros onde passavam linhas de ônibus. Os rapazes queriam saber a duração – 60 minutos – para calcular a hora de passar o bilhete único e, assim, ir e voltar na mesma viagem. Outro dia, conversando com o produtor Mário Sérgio Loschiavo concluímos que a peça precisaria ser atualizada. A Rua Augusta já não reúne tantas garotas de programa, nem o Trianon concentra garotos de aluguel, por exemplo. Também os recursos tecnológicos reduziriam o sofrimento dos meninos. Qualquer celular tem GPS e eles achariam facilmente o caminho de volta. Essa tal de internet tirou a graça da coisa.

+ Antonio Fagundes fala sobre teatro e cinco décadas de carreira.

Você trata da homossexualidade de uma forma coloquial, enfocando personagens de origem simples, e foge da crise existencial “cabeça”. Acha que falta essa naturalidade na dramaturgia ao retratar os gays?

A abordagem dos gays em minhas peças, na verdade, pode ser aplicada a qualquer outro personagem. Heróis clássicos não fazem parte do meu universo ficcional. Gosto de pensar em quem não tem acesso aos meios de expressão, que, muitas vezes, nem sabe que sente tanta angústia. Meus personagens não mudam a História, não criam grandes feitos. São tipos comuns. Alguns são gays. Pode ser um garçom negro gay (“O Amor do Sim”), um gay setentão enclausurado em seus baús e armários (“Galeria Metrópole”) ou um bancário solitário em busca de aventura (“Cine Bijou”). Eu me interesso pelo personagem que quer achar o rumo da própria vida, sem altas viagens intelectuais. Gosto dos comuns – a Alzira de “Vestir o Pai” é um exemplo. O filho, o Júnior, nem nome tem, é Júnior. Sobre eles todos, na verdade, apresento poucos detalhes, deixo que o ator descubra junto. Assim, o teatro fica mais divertido e menos “cabeça”.

Direção de Paulo Autran: Leona Cavalli, Karin Rodrigues e Otávio Martins em "Vestir o Pai" (Foto: João Caldas)

Direção de Paulo Autran: Leona Cavalli, Karin Rodrigues e Otávio Martins em “Vestir o Pai” (Foto: João Caldas)

Você já teve textos montados por talentosos diretores – inclusive, Paulo Autran. O que o contato com esses profissionais ajudou na sua própria compreensão da peça? 

Eu sempre dependo da bondade e do talento de estranhos, como diria Blanche Dubois. Preciso que outras pessoas dirijam meus textos, não quero esse peso, basta regular a antena, captar a história e dar forma a ela. Os diretores e atores ajudam a levantar o texto. Eles dão vida, movimento, função. O texto teatral preso ao papel fica capenga. Paulo Autran foi um dos nomes mais importantes do teatro brasileiro e eu sempre me espanto quando sei que ocupo uma ou duas linhas em sua biografia. Podemos falar qualquer coisa de Paulo, do talento absurdo, da visão certeira, da precisão da fala. Mas o que sempre me fascinou nele era sua paixão pelo teatro. Até o fim da vida, Paulo gostava de ver teatro, de conhecer quem fazia, de se aproximar dos novos talentos. Podemos listar inúmeros “novos” que Paulo puxou para seu círculo. Eu estou entre eles e isso me deixa emocionado para caramba. Com Hugo Possolo e Jairo Mattos, as parcerias viraram amizade mesmo. O humor, o comprometimento, a seriedade com que se encara qualquer trabalho, aprendi com os meus palhaços. Assim também foi com Domingos Montagner, Fernando Neves, Otávio Martins, Isser Korik, Augusto Marin… Cada um teve e tem tremenda importância no meu jeito de fazer teatro. Com eles há troca, discussão, discordância, mas há coisas acontecendo o tempo todo.

+ Roberto Alvim prepara nova versão de “O Balcão”.

Se esse livro cair na mão de alguém que nunca ouviu falar do Mário Viana, qual peça você acharia melhor para o cara começar a leitura?

Nossa, que pergunta cabeluda. Se ele seguir a ordem, começa por “Natureza Morta” e vai achar que eu sou um angustiado sem salvação. Se vier do final, “Ton sur Ton”, vai pensar que sou militante dos movimentos raciais. “Atirei no Dramaturgo” – uma referência ao ex-blog do dramaturgo Mário Bortolotto, atingido por disparos durante um assalto nos Parlapatões – pode ser uma boa entrada. Mas não, eu não sou um Plínio Marcos com humor. Não importa a ordem da leitura, o que eu quero é atingir o leitor.

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Anna Cecília Junqueira em "Natureza Morta": monólogo dá título ao livro de Mário Viana (Foto: Mauricio Shirakawa)

Anna Cecília Junqueira em “Natureza Morta”: solo dá título ao livro de Viana (Foto: Mauricio Shirakawa)

No mesmo Espaço Parlapatões, dia e horário, serão lançados os livros “Vozes Desacorrentadas – A Criação da Cena Teatral a Partir de Alfred Wolfsohn e Roy Hart”, de Letícia Chiochetta, “Mantenha Fora do Alcance das Crianças e Stereo Franz –Dois Estudos Trágicos”, de Nicole Oliveira, “Ofélia em Mim e Outros Textos”, de Franz Keppler, “Lua de Chocolate”, de Adriana Gattermayr e Patrícia Franco, e “Até que Deus É um Ventilador de Teto”, de Hugo Possolo, todos pela Giostri Editora.

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