Leonardo Moreira faz remake da vida a dois em “Ensaio”
Pertencer a um grupo pode ser uma cilada no teatro. Poucos artistas conseguem ir além das montagens com o próprio coletivo e estabelecer um diálogo paralelo no mercado, limitando assim a troca de experiência. O diretor e dramaturgo Newton Moreno, da Cia. Os Fofos Encenam, é um raro exemplo ao criar parcerias com as atrizes […]
Pertencer a um grupo pode ser uma cilada no teatro. Poucos artistas conseguem ir além das montagens com o próprio coletivo e estabelecer um diálogo paralelo no mercado, limitando assim a troca de experiência. O diretor e dramaturgo Newton Moreno, da Cia. Os Fofos Encenam, é um raro exemplo ao criar parcerias com as atrizes Andréa Beltrão e Marieta Severo, em “As Centenárias”, e com Lilia Cabral, em “Maria do Caritó”.
Líder da Cia. Hiato e responsável pela ótima dramaturgia dos espetáculos “Escuro” (2010) e “O Jardim” (2011), o autor e diretor Leonardo Moreira ganhou prêmios, merecida visibilidade e começa a expandir a veia criativa. O drama “Ensaio”, em cartaz na Sala Multiuso do Teatro Geo, usa a metalinguagem entre teatro e cinema nessa nova empreitada, desta vez ao lado dos atores Maria Helena Chira, Rafael Primot e Fabricio Licursi.
Seguindo uma linha tênue entre a realidade e a ficção, principal marca de sua já relevante obra, Moreira não alcança o mesmo êxito de algumas investidas de sua companhia, muito acima da média. Realiza, no entanto, uma encenação de surpreendente sofisticação quanto ao texto e à imagem. O autor construiu uma colcha de retalhos cheia de referências. Os cineastas Alfred Hitchcock, Michelangelo Antonioni e Krzysztof Kieslowski são fartamente lembrados, assim como o dramaturgo Tennessee Williams, com uma citação de “Um Bonde Chamado Desejo”.
Primot interpreta o roteirista Artur, traumatizado com o suicídio da mulher e em crise psicológica e criativa. Para contornar a depressão, ele escreve cenas referentes ao seu casamento e contrata uma atriz chamada Marília (papel de Maria Helena), muito parecida com a ex, para representá-la. Os dois começam um jogo de inversão de papéis com a presença constante de um fotógrafo (papel de Fabricio Licursi). Os nomes da dupla central já remetem ao dramaturgo Arthur Miller e à estrela Marilyn Monroe, que foram casados e para quem ele escreveu a peça autobiográfica “Depois da Queda” como espécie de mea culpa.
O cenário giratório explicita a tensão envolvendo o trio e também o cuidado das marcações e do desenho de luz. Moreira, no entanto, carece de um elenco menos técnico. Embora Primot e Maria Helena não desapontem, uma certa frieza os distancia da psicologia estabelecida e, por consequência, do espectador. Com uma dramaturgia tão cerebral e exigente aos detalhes, intérpretes mais entregues à emoção envolveriam com maior habilidade a plateia. Pelo tipo misterioso – e funcionando como uma espécie de voyeur, um ponto de vista do público –, Fabrício Licursi, na pele do fotógrafo, se destaca como um invasor naquele quebra-cabeça fechado e nem tão acessível a um público minimamente abragente.