Debora Olivieri traz sua “Rosa” para o Teatro Faap: “é a história da ancestralidade da minha família”
Aos 55 anos, a atriz paulistana Debora Olivieri aparenta beirar os 80. Isso é que garante quem já viu seu desempenho no monólogo Rosa, escrito pelo americano Martin Sherman e dirigido por Ana Paz. Debora interpreta uma senhora de 79 anos que está num período de luto judaico, o shivah, depois da perda do terceiro […]
Aos 55 anos, a atriz paulistana Debora Olivieri aparenta beirar os 80. Isso é que garante quem já viu seu desempenho no monólogo Rosa, escrito pelo americano Martin Sherman e dirigido por Ana Paz. Debora interpreta uma senhora de 79 anos que está num período de luto judaico, o shivah, depois da perda do terceiro marido e da partida do filho para Israel. Aos poucos, a personagem revive sua trajetória, iniciada na pequena aldeia ucraniana de Yultishka – por coincidência, de onde também vieram a avó e a bisavó da atriz –, passando pelo Gueto de Varsóvia até chegar aos dias atuais. Depois da bem-sucedida temporada carioca, a montagem estreia no Teatro Faap em 7 de outubro para testar novos dias e horários. O monólogo Rosa será apresentado nas segundas, às 21h, e nas terças, às 17h, com ingressos a R$ 60,00, até 10 de dezembro.
É verdade que tem muito de sua história pessoal nesse trabalho?
É a história da ancestralidade da minha família transformada em teatro. A diretora e produtora Ana Paz procurou durante algum tempo uma atriz judia. Por sugestão de um amigo comum, nós nos encontramos para uma leitura. Fiquei chocada! Realmente, eu me desequilibrei, fiquei desconcertada. Eu não conseguia dar sequência ao texto. Tudo o que ouvi a vida inteira da minha avó e da minha bisavó fazia parte daquela história. Assim como a Rosa, elas também saíram da mesma aldeia da Ucrânia e sofreram perseguições. Cada vez que falava o nome de Yultishka, eu chorava compulsivamente e parava tudo. Pedi desculpas para a Ana e disse que não tinha condições de fazer aquilo noite após noite.
Cogitou rejeitar o papel?
Seria uma forma de mexer em feridas profundas. A Ana me acalmou, pediu para eu pensar melhor. E fomos lapidando tudo aos poucos até eu encontrar um distanciamento entre a história da personagem e a minha.
Essas coincidências todas não poderiam se transformarem em uma cilada na hora da composição?
O que poderia ser uma cilada eu usei ao meu favor. A sonoridade da minha avó está dentro de mim e levei isso para a personagem. Não é por causa das minhas raízes que me emociono com essa mulher. A Rosa poderia ser uma sobrevivente qualquer. É uma judia, mas não necessariamente uma judia. Poderia ser uma afegã, uma africana, uma mulher da periferia brasileira, uma nordestina. Ela poderia ser a Marina Silva. Por outro lado, apesar de todas as dores, a Rosa tem um senso de humor muito particular. Um humor bem judaico.
Você teve uma criação muito ortodoxa?
Nasci e morei boa parte da vida no Bom Retiro. Estudei em escola judaica e sempre vivi muito ligada à comunidade. Eu fui praticamente criada pela minha avó. Tinha 16 anos quando minha mãe morreu. Não foi o meu primeiro shivah. Minha vida foi marcada por uma sucessão de lutos. Acabo de perder meu pai (o ator Felipe Wagner). Faz dois meses. Hoje, eu não posso dizer que sou uma judia ortodoxa. Minha irmã vai toda sexta-feira até a sinagoga. Sempre que posso eu também a acompanho. Acho importante. Eu adoro comida judaica, mas não posso dizer que continuo uma praticante das tradições do meu povo.
Os seus familiares também tiveram essa identificação com o espetáculo?
Minha família é enorme. Nem todo mundo foi ao Rio para ver. Mas quem esteve lá me falou que era como se minha avó estivesse no palco. Comentaram que eram a mesma voz, os mesmos movimentos de corpo. Minhas duas filhas – uma de 29 e outra de 26 anos – também falaram isso. Elas conviveram muito com minha avó, que morreu em 1998.
O fato de você não ter um rosto conhecido é um trunfo para esse personagem, não?
As pessoas me procuram na saída do teatro e, quase sempre, passo sem ser percebida. Eles esperam encontrar uma velhinha na porta do camarim. Olha, tenho 55 anos, mas sou lépida, posso dizer que tenho um espírito jovem. Mas quando entro em cena alguma coisa baixa em mim. Não uso quase nada de maquiagem no palco. Até porque a maquiagem poderia disfarçar minhas olheiras e elas contribuem para o papel. Coloco um pouco de talco nos cabelos para dar um efeito. Mas agora, felizmente, estão aparecendo com força os meus cabelos brancos. Acho ótimo.
O fato de interpretar mulheres mais velhas – e convencer – não dá uma mexida na vaidade?
Não. Isso virou uma constante na minha carreira. Quando participei da novela Terra Nostra, como a mãe da personagem da Maria Fernanda Candido, eu mal tinha 40 anos. As pessoas me viam fora de cena e não acreditavam. Pensavam que era uma atriz italiana escalada pela Rede Globo. Isso é bom! Uma noite, eu encontrei a Fernanda Montenegro em uma estreia de teatro, e a Jacqueline Laurence nos apresentou. A Fernanda falou: “você é a jovem mais bonita que melhor interpreta uma velha sem precisar de maquiagem”. Quase morri de felicidade.
De onde vem essa capacidade de transmitir maturidade aos personagens?
Não tenho uma explicação. Não sou uma intérprete que tem uma cara. Sou a atriz por atrás e a personagem na frente. O anonimato é muito bom. Por outro lado, eu não estou nas revistas e ninguém está interessado na minha intimidade. Claro, também é bom ter esse lado preservado, mas esse estilo discreto talvez interfira na minha oferta de trabalho. Eu nunca fiz uma mulher contemporânea. Uma personagem que usa calça jeans, que bebe cerveja, entende? Talvez a Semíramis, de Guerra dos Sexos, seja o papel mais próximo do meu tempo. Mesmo assim era uma mulher casta, devota aos sobrinhos, algo distante da minha realidade (risos).