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Por Arnaldo Lorençato
O editor-executivo Arnaldo Lorençato é crítico de restaurantes há mais de 30 anos. De 1992 para cá, fez mais de 16 000 avaliações. Também é autor do Cozinha do Lorençato, um podcast de gastronomia, e do Lorençato em Casa, programa de receitas em vídeo. O jornalista é professor-doutor e leciona na Universidade Presbiteriana Mackenzie
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Coronavírus: o emocionante depoimento da dona do Bar do Jiquitaia

Carolina Corrêa Bastos descreve como foi receber o diagnóstico do marido: "voltar pra casa sem ele, essa foi a pior das dores"

Por Arnaldo Lorençato Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
4 abr 2020, 15h31

Encontrei essa postagem da Carolina Corrêa Bastos, a Nina, que é dona do Bar do Jiquitaia, minutos atrás no Facebook. Impossível não ser tomado pela emoção ao ler o texto em que Nina conta como foi passar pelo diagnóstico e tratamento do marido, Bernardo Pinto, infectado com a Covid-19. “Voltar pra casa sem ele, essa foi a pior das dores. Eu só queria ficar lá, ao lado dele, cuidando do meu jeito meio tosco. Fui pra casa, dirigindo, sozinha, aos prantos.” Automaticamente, liguei para Nina. Queria saber se ambos estavam bem. Também perguntei se poderia publicar o relato que ajuda muita gente a entender os efeitos danosos dessa pandemia e como ela pode afetar pessoas de todas as idades, inclusive as avaliadas como saudáveis.

Força, Bernardo! Força, Nina!

O depoimento:

 

O lado do covid-19 que ninguém conta.

Primeiro vem a negação, você está cansado, está pegando pesado demais no trabalho, é só uma virose. A gente acha que sabe tudo da doença, mas no fundo, bem lá no fundo, você não acredita que vai bater na sua porta. Passa um dia, passam dois, aí a ficha começa a cair e resolvemos separar tudo, quarto, banheiros, talheres, e mesmo assim nem imagina que na real tem muito mais que TUDO isso pra fazer. Foi lá no comecinho, antes de todos se isolarem. Era mesmo só coisa de televisão. Até que recebo uma mensagem durante o trabalho: ‘Posso estar com coronga’. Vindo dele sempre tem um semi-humor e eu me vejo ali, no meio de toda minha equipe, ninguém se tocava há alguns dias já, mas estava ali e podia ser um perigo pra todos. Começa então a fase do lixo humano. É assim mesmo que você se sente. Um lixo humano. Pra quem eu posso ter transmitido? Quando vão aparecer os sintomas em mim? Fecha tudo! Ninguém me encosta! A partir de agora TODOS em quarentena!

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Chego em casa e só penso em coisas práticas. Precisamos comer durante 15 dias, cozinho, congelo, cozinho, congelo. Avisa um, avisa outro. Quem lembra de todo mundo que esteve junto na última semana? Em tempos normais é impossível. Eu dona de restaurante e ele professor, vendedor e faz-tudo de uma importadora de vinhos, como lembrar de todos? São mais de 100 pessoas! Impossível. Alguns se desesperam e nem sequer perguntam da nossa saúde. Volta a sensação. Lixo humano.

Já são 5 dias de Covid em casa e mal falei dos sintomas. Claro, eu não estava sentido. Por enquanto era só uma “gripezinha” num jovem, magro, saudável e sem problemas respiratórios. Ia ficar tudo bem logo, eu só precisava de comida pra quando estivéssemos os dois com a tal “gripezinha”. Ligo para um grande amigo médico e faço perguntas práticas da doença, sou muito bem orientada dos procedimentos e sigo acreditando que era só uma “gripezinha”. Pera aí, “gripezinha” não precisa medir temperatura e saturação de tempos em tempos. Mesmo com as orientações, ainda não tinha me dado conta. Claro, eu não estava sentindo. Medidas de saturação e temperatura acima do normal, segundo orientações médicas. Agora é hora de ir ao hospital. Mas pera aí! “Gripezinha” leva A gente pro hospital às 23 horas?

Primeiro atendimento médico do PS: “O caso dele é gravíssimo, vamos interná-lo”. Essa frase não saiu da minha cabeça por semanas, a ficha caiu igual a uma avalanche. Desmoronei mesmo. Vem todos os piores pensamentos do mundo. Claro, ele é A pessoa da minha vida. Como eu não tinha me dado conta da gravidade do caso? Lixo humano novamente. Internação, isolamento total dele e meu no hospital, as pessoas só falam com a gente com máscaras, óculos, roupas e a distância. Por segurança de todos, claro. Lixo humano. 16 horas passaram, aí então tivemos uma avaliação da infectologista: ‘O caso dele é complicado, mas ele é jovem e saudável, vamos ser otimistas, agora você precisa ir pra casa e se isolar de tudo e de todos’.

Voltar pra casa sem ele, essa foi a pior das dores. Eu só queria ficar lá, ao lado dele, cuidando do meu jeito meio tosco. Fui pra casa, dirigindo, sozinha, aos prantos. Eu só queria ficar lá, ao lado dele. Como sobreviver isolada e longe dele? Eu tinha comida, muito comida. De nada importava aquela comida, eu não tinha ele. Sobrevivi. Eu tenho o cachorro mais legal do mundo e a melhor rede de pessoas por perto. Tenho uma amiga que me mandava uma música linda e me incentivava a dançar. Funciona, acreditem. Tenho vizinhos, que me davam comida quentinha e me viam chorar através do nosso muro de um metro e meio. Tenho um amigo que me ligava várias vezes por dia via vídeo, pra eu não me sentir só. Tenho pais, que estavam aqui, mesmo bem longe, estavam aqui. Tenho amiga que deixa pão com carta e desenho no muro, amiga que deixa pudim no portão e dá tchau do outro lado da rua. Todos esses são gestos que pra alguns parecem nada, mas foram o que me manteve em pé. Eu tenho mesmo muita sorte.

Entre UTI, quarto, cateter, lágrimas, angústias, inseguranças, sobrevivemos aos 14 dias de coronga. Sigo tentando me levantar dessa avalanche emocional que me derrubou. Mesmo assim eu tenho sorte, tenho ele e nem sei o estrago físico que essa doença provoca. O trabalho dele é dobrado, se recuperar física e mentalmente. O  Covid-19 NÃO é só uma ‘gripezinha’, a Covid-19 é avassalador. Preparem seus pulmões e suas cabeças, todo o resto a gente reconstrói depois.

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