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12. Charles Miller e Miguel Bataglia: personagens do futebol brasileiro

O primeiro introduziu o esporte em São Paulo e o segundo foi o primeiro presidente do Sport Club Corinthians Paulista

Por Roberto Pompeu de Toledo
Atualizado em 5 dez 2016, 18h31 - Publicado em 22 out 2010, 21h50

Sorte? Predestinação? Não bastasse ter abrigado a ocorrência que entrou para a história como a independência do Brasil, São Paulo tem um segundo privilégio de que se vangloriar — foi em seu solo que nasceu o futebol brasileiro. Alguns diriam, exagerando um pouco, mas não muito, que, à chegada do paulistano Charles William Miller de volta da Inglaterra, em 1894, trazendo duas bolas, uma bomba para enchê-las e um livro de regras, coube à cidade sediar também o segundo maior evento da história nacional. Charles Miller (1874-1953), muito justamente, dá nome à praça em frente ao glorioso Estádio do Pacaembu. Em outro recanto da cidade, a esquina das ruas José Paulino e Cônego Martins, no Bom Retiro, um marco comemora outro evento de largo alcance, ocorrido dezesseis anos depois. Naquele local, um grupo de trabalhadores se reuniu para fundar o Sport Club Corinthians Paulista, cujo primeiro presidente seria Miguel Bataglia. São dois eventos que se complementam.

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Charles Miller nasceu no Brás, filho de engenheiro escocês da São Paulo Railway (a estrada de ferro Santos-Jundiaí) e mãe brasileira de origem inglesa. Miguel Bataglia, que algumas fontes dão como alfaiate, outras como funcionário da Light, e nada impede que tenha exercido as duas funções, nasceu na Itália e morava no Bom Retiro. Os dois vinham de meios estrangeiros, mas de polos opostos da comunidade imigrante. Miller era do reduzido e poderoso polo dos imigrantes patrões. Bataglia, do numeroso contingente dos imigrantes operários ou artesãos. Os dois vão descrever uma parábola na qual o futebol nasce elitista e exclusivo e amadurece popular e massificado, tendo como palco mais frequente, nos anos heroicos, as várzeas da cidade de São Paulo.

Charles Miller foi enviado pelos pais à Inglaterra aos 10 anos, para fazer seus estudos. A Inglaterra da rainha Vitória, no auge do poder imperial, acreditava ter nos sports praticados nas escolas elemento decisivo para a formação do caráter e do físico de jovens capazes de dar conta de interesses coloniais ou comerciais que iam das Índias às Américas, passando por boa parte da África. Em Southampton, onde se instalou, Miller apaixonou-se pelo futebol, esporte que, com o críquete e o rúgbi, disputava a preferência da juventude britânica. Revelou-se bom atacante. Ao voltar ao Brasil, dez anos depois, pôs-se, com devoção de missionário, a pregar as virtudes do novo esporte e a angariar adeptos. No dia 14 de abril de 1895, promoveu o que é considerado o primeiro jogo oficial do Brasil, disputado por funcionários da São Paulo Railway, entre os quais Miller, e da San Paulo Gas Company, outra empresa inglesa. O time da ferrovia ganhou de 4 a 2, dois gols de Miller. O jogo foi realizado na Várzea do Carmo.

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São Paulo não tem praias, mas tem, ou tinha, várzeas. A Várzea do Carmo, que se estendia por onde hoje se situa o Parque Dom Pedro II, era tão alagadiça que em certas épocas do ano, nos tempos de Anchieta, trancava a colina histórica numa ilha — seus terrenos encharcados ajudando os rios Anhangabaú e Tamanduateí a cercá-la por todos os lados. Mau para uma cidade que por muitos séculos sofreria os transtornos das enchentes. Bom para o esporte, que nessas bordas do Tamanduateí, assim como nas do Tietê, frutificou num gênero tipicamente paulistano — o futebol de várzea. Charles Miller aglutinou a turma elegante do São Paulo Athletic, do Paulistano ou do Germânia (o futuro Pinheiros) que durante os primeiros anos monopolizou o futebol oficial na cidade. Os pobres e remediados, enquanto isso, ensaiavam informalmente nas várzeas seus chutes, dribles e passes.

O Corinthians, cujo nome copiava o do inglês Corinthian Club, foi fundado por um grupo no qual prevaleciam profissões como pintor de paredes, cocheiro e sapateiro. As primeiras reuniões eram na barbearia de Salvador Bataglia, irmão de Miguel. O objetivo era jogar na várzea, contra times como o União Lapa (primeiro adversário, do qual o Corinthians perdeu de 1 a 0) e o Estrela Polar (segundo adversário e primeira vitória: 2 a 0). Em 1913, o Corinthians ganharia o direito de disputar o Campeonato Paulista, ao lado dos clubes da elite. Em 1914, ganhou seu primeiro campeonato. O nobre football dos ingleses se escancarava para as massas.

 

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