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Empresário do ramo imobiliário mata sócio e se suicida na sequência

Episódio chocou a comunidade judaica de São Paulo, da qual ambos faziam parte

Por João Batista Jr. e Mauricio Xavier
Atualizado em 1 jun 2017, 18h18 - Publicado em 31 mar 2012, 00h50

O advogado Martinico Izidoro Livovschi, de 69 anos, era um homem solitário e problemático. Com fama de grosseiro, vivia distante da família, não tinha amigos, sofria de diabetes e apresentava nos últimos tempos sinais de depressão aguda. No dia 21, postou no correio duas cartas digitadas em papel A4 para dois de seus quatro filhos. Na primeira, de duas folhas, reclamava de hipotéticos desfalques financeiros que estaria sofrendo na Elco Administração e Imóveis — da qual era um dos donos — e pedia “desculpas pelo que estava prestes a fazer”. Na segunda, com cinco páginas, narrava a história de seu relacionamento de quatro décadas com o sócio, Miguel Novak, de 78 anos, enfileirando supostas acusações de desvio de dinheiro. Como ficou claro depois, as correspondências eram uma tentativa de justificar um plano macabro.

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Na quinta (22), Livovschi chegou por volta das 7h30 ao prédio onde mantinha um escritório particular de advocacia, um andar acima da sede da imobiliária, na Rua Correia de Melo, no Bom Retiro. Uma hora depois, na sala com mesas simples e computadores ultrapassados, matou seu sócio com dois tiros, um no abdômen e outro na cabeça. Em seguida, sentou-se no chão, encostou o revólver Taurus calibre 38 na cabeça e suicidou-se. Cópias das duas cartas foram encontradas em uma valise preta que estava na sala. Além de abalar amigos e conhecidos, o episódio chocou a comunidade judaica de São Paulo, da qual eles faziam parte. 

Foi o ponto final de uma relação que começou em 1969, quando os dois, apresentados por amigos em comum, abriram a Elco (o nome é uma fusão das duas últimas letras dos primeiros nomes dos fundadores). Ela fez parte do primeiro grupo de empresas desse mercado na cidade a investir na administração de condomínios e se consolidou como uma das mais fortes do ramo imobiliário na década de 70. Chegou a controlar quase 200 prédios na capital. No auge do negócio, os proprietários faturavam cerca de 50.000 dólares por mês. Nos anos 2000, entretanto, a empresa começou a perder terreno. Hoje, não tem nenhum edifício sob sua responsabilidade e se resume a alugar imóveis, cerca de 300, quase todos no Bom Retiro.

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Em paralelo ao declínio comercial, o convívio entre os donos, que nunca chegou a ser de amizade, deteriorou-se. Há três anos, os problemas de saúde (físicos e psicológicos) de Livovschi se agravaram, o que, segundo sua família, teria levado às desconfianças e às brigas. Os dois discutiram na calçada em frente ao prédio da empresa há um mês. Um processo de dissolução da sociedade teve sua sentença publicada em novembro, mas ainda há recurso em andamento. Com o assassinato, clientes — em sua maioria judeus — foram ao escritório para saber se o negócio terá continuidade. A resposta de Silvério Inocêncio Vaz, funcionário da Elco há dezenove anos, tem sido “sim”. Sua intenção é trocar o nome da firma, que não tem patrimônio, apenas os contatos de décadas no ramo. Ele era o único que havia prestado depoimento à polícia até a semana passada. “Não há muito que investigar, vamos prender quem?”, afirma José Maurício Schimmelpfeng, delegado assistente do 2º DP, no Bom Retiro.

Os ex-sócios eram de origem polonesa, do ramo judaico asquenazita, mas não seguiam à risca os preceitos da religião. Ambos raramente eram vistos em sinagogas e, segundo pessoas próximas, Novak apreciava pratos como costela de porco (o consumo de carne suína é proibido dentro do judaísmo). Nos últimos dias, várias pessoas da comunidade ainda pareciam indignadas com a frieza do assassino e o ineditismo do caso. “Temos alicerces para nos defender de atos de horror, daí toda a perplexidade provocada pela ação”, declara Henry Sobel, rabino emérito da Cogregação Israelita Paulista. “Eu nunca tinha ouvido falar de uma tragédia parecida envolvendo a colônia”, diz a chef e empresária Bety Lucki, que contratou Livovschi para atuar em um processo contra as ex-sócias no restaurante Z Deli.

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Novak foi sepultado no Cemitério Israelita Butantã. Seus três filhos e a primeira esposa compareceram por uma semana às duas rezas diárias — uma às 7h30 e outra às 18 horas — no apartamento onde ele morava com a atual mulher, Helena Schargel, com quem estava casado havia 26 anos. Já o corpo de Livovschi, que era separado fazia 38 anos, foi cremado na Vila Alpina, contrariando uma tradição do judaísmo. Se fosse enterrado, ele ficaria numa ala do cemitério destinada aos suicidas. 

Flat de Livovschi - crime 2263
Flat de Livovschi – crime 2263 ()

Na juventude, Livovschi praticou futsal com destaque no clube A Hebraica, em Pinheiros, mas atualmente seu convívio social era quase nulo. Há dois anos, deixou uma casa alugada no Morumbi, distribuiu suas louças e objetos domésticos entre conhecidos e passou a desembolsar 4.000 reais por mês por um apartamento de 70 metros quadrados em um flat na região. Teoricamente, trabalhava ali. Pedia aos funcionários que o chamassem de “doutor”, mas nunca recebeu visitas, nem sequer um telefonema. Salvo para fazer suas refeições, deixava o imóvel uma ou duas vezes por mês para ir à Elco. Lá, só retirava correspondências e ia embora em meia hora. Esse comportamento não o impedia de praticar pequenas cordialidades no dia a dia. Há duas semanas, presenteou com uma barra de chocolate e uma nota de 10 reais a recepcionista do flat que o avisou de uma vaga em um apartamento de 58 metros quadrados. O advogado, que procurava uma unidade menor, chegou a realizar a mudança.

Novak tinha uma personalidade oposta à do ex-parceiro de negócios. Ele era do tipo que colecionava amigos e estava feliz com a viagem que faria a Buenos Aires no mês que vem com sua mulher. Um de seus grandes prazeres era sair para jantar. Gostava especialmente de ir a restaurantes de Higienópolis, bairro onde morava. A cantina Jardim de Napoli e a pizzaria Bráz estavam entre os seus pontos prediletos. “Ele vinha aqui três vezes por semana”, conta o maître Vinícius Belinato, da Bráz. “De tão brincalhão e gentil, todos os garçons da casa faziam questão de cumprimentá-lo.”

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O empresário sofria com alguns problemas de saúde condizentes com a sua idade: no mês passado, trocou de marcapasso no Hospital Albert Einstein e, na ocasião, brincou com o médico: “Doutor, esse aparelho tem de durar até os meus 90 anos”. Além dos três filhos que deixou do primeiro casamento, tinha outros dois enteados — filhos de Helena. Um deles é o empresário Cássio Schargel. “Minha mãe está muito abalada. No dia em que ele foi assassinado, os dois tinham combinado almoçar juntos”, conta. “Ela ainda não tirou os chinelos que ele deixava ao lado da cama.”

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