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Sem tempo

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h45 - Publicado em 18 set 2009, 20h18

O inverno é propício para o amor; o verão estimula desejos. Amores de inverno são mais aconchegantes, mais ternos e românticos, assim como as roupas de inverno, as bebidas de inverno, as comidas. Ouso dizer que a necessidade de garantir fontes contínuas de calor torna os namoros do inverno mais duráveis. Desejos do verão são andorinhos, riscos rápidos no céu.

Será que isso ainda vale?

Leio, intrigado, uma reportagem na qual se adianta, com a leviandade própria dos diários populares, que casais jovens urbanos da classe média já não fazem questão de namoros duráveis: algumas semanas está bom para eles. Não acontece só com os homens, diz o jornal; as moças também não têm tempo para o amor dedicado. Antes de chegarem a um ponto em que romper seria uma pisada feia na bola, eles se separam. Criaram uma ética da separação: não podem “enganar” a paquera, levando-a a pensar que aquilo vai continuar, que ela é a pessoa da sua vida. Chega a hora de “dar um tempo”. Dão o que não têm: tempo.

Poderiam, se quisessem, prolongar a relação. Quando os níveis de urgência baixassem, poderiam exercitar a tolerância, acomodar-se aos pequenos defeitos de parte a parte, buscar prazeres socializados, se conhecer em profundidade, encaixar projetos. Mas há muitas coisas no caminho, como a carreira, os cursos, as baladas, os gostos, outras pessoas, a turma, a liberdade. Como colocar uma pessoa apenas na frente de tudo?

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Uma pesquisadora e uma antropóloga americanas chegaram a balizar a duração das paixões amorosas modernas: por volta de dezoito meses. É o tempo que dura o desejo, diz a pesquisa. Lembro-me de um filme de Marilyn Monroe de 1955, O Pecado Mora ao Lado, que girava em torno da “comichão dos sete anos”, ou seja, a altura do casamento em que brota no homem o desejo de pular a cerca. Sete anos. O tema do filme deve ter-se baseado em alguma pesquisa da época. As pesquisadoras de agora reduzem o prazo da coceira para dezoito meses. Lá. Aqui, a julgar pelos jornais, a coceira não dá essa trégua. Trópicos…

O desejo é furtivo, misterioso, subjetivo e cambiante. Pode querer uma coisa hoje, outra amanhã. Ou uma coisa em uma pessoa hoje e a mesma coisa em outra pessoa amanhã. O desejo não tem compromisso com pessoas, mas com objetos. Às vezes é incompreensível para quem o vê de fora, por isso se fala em “obscuro objeto do desejo”, “quem ama o feio bonito lhe parece” etc. O desejo tem sua dinâmica secreta.

Já o amor joga aberto, divulga, anuncia, nomeia o que quer, e é sempre mais do que o desejo: quer compromisso, casa, filhos, projetos comuns. Significaria que o casal não se deseja mais? Não, o desejo espreita nas frestas do amor.

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Há os inquietos, os instáveis. Amam uma pessoa e desejam outra, imaturos. E há os casais que se bastam, não querem filhos, não querem se subdividir, como aqueles que apareceram numa reportagem de Veja. Estáveis, duráveis, blindados. É meio europeu, isso. Um modo civilizado de não ter tempo.

Esta digressão já vai longe, volto ao ponto de partida. Falava do inverno, do gostoso relacionamento do inverno, que se alonga além do tempo que dizem estar na moda. Ninguém quer ficar sozinho no frio, tomar tapa de vento gelado nas esquinas. A estação sugere ficar em casa, dividir um cobertor, um sofá sob agasalhos com filme rolando, um vinho, uma pizza delivery, um chocolate quente, uma sopa, pés entrançados, calores compartilhados. Diminuem os adeptos do amor breve, pois dá trabalho criar a intimidade que favorece levar uma pessoa para dentro de casa.

Alguns ficarão. Outros, quando o verão chegar, hão de preferir o vôo das andorinhas.

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