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“Recebeu meu invite?”

O paulistano precisa participar de pelo menos três reuniões por dia. Para a vida valer a pena. Senão, melhor nem sair de casa

Por Francine Bittencourt
Atualizado em 27 dez 2016, 19h03 - Publicado em 30 mar 2016, 18h13

São Paulo já foi conhecida como a terra da garoa.

Mas por mais que já tenha chovido bastante, não é o que temos de mais abundante por aqui.

O que chove mesmo é Invite para reunião.

Um atrás do outro.

+ Crônica: “ME SOLTA, LAVA-JATO?”

-Recebeu meu invite?

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-Sim.

-Mas você não deu ok?

-Não sei dar ok. Mas eu vou.

 

Não tenho outra alternativa.

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Pior que ir para uma reunião, é ter que aceitar o Invite para ir.

 

Segundo pesquisas, somos a cidade com mais reuniões do mundo.

Estimativas mostram que mais de cem mil delas ocorrem diariamente na capital.

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Sendo que 96% não servem para nada.

 

Mas não importa.

O que importa é ter uma sala lotada de figurantes com slides passando sobre qualquer coisa.

O paulistano precisa participar de pelo menos três reuniões por dia. Para a vida valer a pena.

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Senão, melhor nem sair de casa.

 

O máximo pode ser dez.

É o auge.

A consagração.

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Fingindo exaustão, mas explodindo de felicidade, eles repetem.

-Tive dez reuniões hoje.

Como se pedissem.

Me entreguem um prêmio.

Me abracem.

Me amem.

 

Se duvidar, tem discurso do Box do banheiro no fim do dia, com sabonete de microfone.

“Queria agradecer, meu pai e minha mãe, e aos meus chefes. 

Pela graça dos invites alcançados”.

Às vezes nem chega a dez.

São quatro bem longas, mas dá para arredondar. 

Quem há de questionar?

Duas coisas não podem faltar nunca.

Uma é o café fresquinho. 

A outra é o pessoal que faz figuração.

São eles que caracterizam como reunião aquilo que poderia ser resolvido facilmente entre duas pessoas.

No máximo três.

Se houvesse foco.

Mas não há.

São vários tipos de figurantes.

Tem aquele que fica com o olhar perdido no infinito, mas anota tudo quieto.

Tem o chato reprimido, que fala qualquer coisa só para mostrar para o chefe que está por dentro.

Tem o humilhado, absolutamente indispensável.

Constrangimentos são sempre bem-vindos.

E tem eu.

Que escrevo esse texto.

Enquanto finjo participar de uma.

Me chamar para uma reunião equivale chamar uma criança para tomar injeção.

A diferença é que ela vai gritando.

Enquanto eu vou em silêncio.

Ao longos desses duzentos e trinta anos que participo de reuniões sem fim, desenvolvi algumas técnicas que me salvam da morte lenta enquanto alguém mostra um slide com gráficos.

Uma delas é tomar bastante água.

Não por sede.

Mas para ganhar tempo.

Calculo o tempo que vou levar para pegar o copo.

Encher, levar até a boca e dar o gole.

Só aí já são dez segundos. 

Se tomar cinco copos já são cinquenta segundos a menos.

Parece nada.

Mas dá quase um minuto.

Faço o mesmo com o café.

Até pegar a xícara, colocar o adoçante, mexer bem devagar a colherzinha e tomar.

Às vezes, eu até finjo que queimei a língua, só para pedir licença, e sair por cinco minutos.

Cinco minutos.

Trezentos segundos.

É como ganhar na Mega-Sena do tempo.

Pareço uma sequestrada pedindo ajuda com os olhos enquanto entram novos slides na tela.

Só tem uma coisa pior que tudo isso.

É ter que passar por tudo isso, outra vez.

Acontece muito.

Quando a reunião está super adiantada, quase terminando, por dentro eu já estou vibrando.

Ufa, Cabô!

Já começo a dancinha da volta para mesa.

Em câmera lenta a porta se abre.

E entra alguém atrasado.

Nunca é qualquer pessoa.

Sempre é alguém muito importante.

Que estava preso em outra reunião.

Recomeçamos, do zero.

Todo mundo sorri, fingindo compreensão.

Eu quero morrer engolindo a própria mão.

Mas não posso.

Ainda tenho mais três reuniões pela frente.

Talvez dez.

Ou nenhuma.

Depois desse texto.

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