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Protesto de motoboys atravanca trânsito

Alguns dos 150 000 motoboys paulistanos se comportam como donos da rua. Embora realizem um trabalho útil de entregas numa metrópole congestionada, eles desrespeitam as leis de trânsito, vivem em guerra com os motoristas, são temerários e, quando resolvem protestar, complicam ainda mais o tráfego de São Paulo

Por Alessandro Duarte e Edison Veiga
Atualizado em 6 dez 2016, 09h05 - Publicado em 18 set 2009, 20h31

Há uma guerra em marcha nas ruas e avenidas de São Paulo. De um lado, prefeitura e governo federal. De outro, milhares de motoboys insatisfeitos com medidas que tentam colocar alguma ordem em seu frenético vaivém. No último dia 18, pelo menos 700 motociclistas atravancaram ainda mais o trânsito em diversas regiões para protestar contra o aumento do seguro obrigatório (de 183,84 para 254,16 reais), a proibição de circular pelas vias expressas das marginais e a obrigatoriedade de utilizar apenas veículos com menos de nove anos de fabricação, entre outras determinações. Os motoboys, sempre em grupo, prometem fazer mais barulho e, para defender os interesses de uma minoria, atrapalhar todos os paulistanos. O poder público garante que vai endurecer a fiscalização. No início do ano entraram em vigor novas regras do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), como normas para o uso de baús e a necessidade de faixas refletivas nas laterais e na traseira dos capacetes, que devem ser certificados pelo Inmetro. Também será obrigatório que o motoboy trabalhe com um veículo registrado em seu nome.

Muitas das medidas visam à segurança dos próprios motociclistas. Todos os dias, 25 acidentes com motos ocorrem nas ruas paulistanas, com o saldo de um morto. “As motos são apenas 9% da frota, mas representam 25% dos acidentes com vítimas fatais”, afirma o secretário municipal dos Transportes, Alexandre de Moraes. O grande número de acidentes é explicável. Na ânsia de realizar suas tarefas o mais rápido possível, o motoboy coloca a sua vida e a de outros em risco. Afinal, a maioria ganha por produção. Para driblarem o trânsito, cometem toda sorte de infrações. Cruzam faróis vermelhos, passam por calçadas, andam na contramão… “Minha mãe e minha mulher pedem todo dia para eu sair dessa profissão”, conta José Mariano Lucas Junior, motoboy há cinco anos. “Mas não tem jeito. Ser motoboy vicia.” Eles recebem por volta de 5 reais a hora, apesar de as empresas chegarem a cobrar do cliente 18 reais pelo mesmo período. Se a compra de algum equipamento de segurança significa gasto extra, eles deixam para lá. Um capacete certificado pelo Inmetro, por exemplo, custa a partir de 70 reais. Para economizar, há quem prefira modelos importados da China, que saem por até metade desse valor – e não dão a mesma proteção. “A moto é instável e, quando cai, o motociclista não tem controle sobre o corpo”, diz a médica fisiatra Júlia Maria D’Andréa Greve, do Hospital das Clínicas. “Um capacete fajuto não absorve o trauma, mesmo em velocidades baixas.” Além do óbvio prejuízo ao trânsito – um motociclista acidentado fecha, por vários minutos, ao menos uma faixa de rolamento –, esse é também um problema de saúde pública. Segundo dados da Secretaria dos Transportes, um acidentado grave atendido em um hospital estadual custa ao governo cerca de 200.000 reais.

Surgidos na década de 80 como uma evolução motorizada do office-boy, os motoboys rapidamente se multiplicaram e foram incorporados às necessidades diárias do paulistano. Tanto que eram 19 000 em meados dos anos 90 e, hoje, estima-se que haja mais de 150 000 costurando o trânsito da cidade com suas buzininhas agudas, capas pretas e agilidade que parece desafiar as leis da física. Comunicam-se num dialeto próprio, recheado de gírias como “enrolar o cabo” (acelerar), “trampo roça” (serviço distante) e “roda presa” (motorista lento). Não à toa, ficaram conhecidos como “cachorros loucos”. Mas não os chame assim. A não ser que queira briga. Eles agora desejam ser conhecidos como “profissionais motociclistas”. A convivência nas ruas não é nada pacífica. Casos em que motoristas tiveram os espelhos retrovisores de seus veículos arrancados ou mesmo portas chutadas por motoboys são comuns. “Falta educação para quem dirige carro, ônibus, caminhão e, claro, moto”, afirma Ronaldo Simão Costa, motoboy há catorze anos. “É a violência do trânsito que muitas vezes nos obriga a reagir com mais violência.” O crescimento absurdo do número de motoboys na cidade é a principal causa da explosão da frota de motocicletas. Em 2000, 375.000 circulavam pela capital. De acordo com o Departamento Estadual de Trânsito (Detran), no ano passado já eram 652.000, um aumento de 74%. Nesse mesmo período, a frota de automóveis cresceu 17%. O modelo mais usado pelos motoboys é a Honda CG 125 cilindradas.

Numa metrópole com tráfego caótico como São Paulo, os motoboys tornaram-se uma espécie de mal necessário. “Mesmo quem não gosta da gente acaba usando nossos serviços”, diz Aldemir Martins de Freitas, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Motociclistas da Cidade de São Paulo (Sindimoto). “Seja para receber uma pizza quentinha, um remédio urgente ou um documento importante.” Veja São Paulo testou a eficácia de seus serviços. Na última quarta (23), enviou três envelopes (de moto, de carro e de ônibus) da Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini, na Zona Sul, para a região central. A idéia era ver qual portador chegava primeiro. O motoboy ganhou disparado (confira quadro na pág. 34).

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Com suas motos muitas vezes em más condições – eles dizem que é proposital, para evitar roubos –, os motoboys trabalham muito. Em média, dez horas por dia. Mas, claro, também se divertem. Neste fim de semana ocorre a terceira edição do Motoboy Festival, um evento que pretende reunir 20 000 pessoas no Centro de Exposições Imigrantes. Haverá quarenta estandes e uma programação que prevê leilão de motos, eleição da “musa motoboy”, concursos, gincanas, testes oftalmológicos e até uma palestra com a vereadora Soninha (PPS). Em 2003, eles foram tema do premiado documentário Motoboys – Vida Loca. “Rodamos o filme durante um ano nos piores horários das ruas mais movimentadas da cidade”, conta o roteirista Giuliano Cedroni. Nos palcos, faz sucesso o engraçado personagem Jacksonfaive, interpretado pelo ator Marco Luque nos espetáculos teatrais do Terça Insana. Seus esquetes espalharam-se e ganham audiência em sites de vídeo na internet. “É um personagem muito próximo das pessoas”, diz. “Tento fazer com que a platéia tenha uma visão mais humana do motoboy.”

A prefeitura vem realizando testes para delimitar os espaços de carros e motos. Na semana passada, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) resolveu experimentar uma faixa exclusiva na Avenida 23 de Maio, a exemplo da que existe na Avenida Sumaré. Deu tudo errado. Enquanto os motoboys passavam ligeiros, os motoristas ficaram parados em congestionamentos atípicos para o mês de janeiro. O prefeito Gilberto Kassab anunciou na quarta que a medida não foi aprovada. A partir do dia 11, não poderão mais trafegar na via expressa das marginais Pinheiros e Tietê. Segundo a companhia, na via expressa são registrados duas vezes mais acidentes que na via local. “É um absurdo”, afirma Gilberto Almeida dos Santos, presidente do Sindicato dos Mensageiros Motociclistas do Estado de São Paulo (Sindimotosp). “A via local, por causa do entra-e-sai de carros, é mais perigosa. Sem falar que o trânsito ali é mais demorado.” O presidente da CET, Roberto Scaringella, rebate: “É claro que na via expressa da marginal o motoboy chega mais rápido. Às vezes, ao céu”.

Essa briga entre motoboys e poder público deve esquentar ainda mais. O vereador Jooji Hato (PMDB) promete colocar em votação, no início de fevereiro, uma proposta para derrubar o veto da ex-prefeita Marta Suplicy a seu projeto de lei que proíbe a carona em motocicletas de segunda a sexta-feira. “É uma forma de evitar crimes”, diz Hato, que é motociclista há quarenta anos e atualmente pilota uma Honda CB Hornet 600 cilindradas. “Grande parte dos motoqueiros que trafegam em dupla tem a intenção de assaltar.” Ele lembra que já foi vítima de motociclistas com comparsas na garupa por duas vezes. De acordo com um levantamento feito em 2007 pelo Departamento de Polícia Judiciária da Capital (Decap), 61,5% dos 15 000 casos de crimes contra o patrimônio cometidos nas zonas oeste, central e em parte da sul tiveram a participação de motociclistas. Em três blitze realizadas em novembro e dezembro, o 34º Batalhão de Trânsito da Polícia Militar vistoriou 8 633 motos. Noventa delas foram apreendidas e sessenta ocupantes presos em flagrante. “Em raríssimos casos a legislação permite a apreensão de veículos em mau estado”, afirma o major Ricardo Fernandes de Barros, comandante do 34º Batalhão. “Depois da imprudência, a conservação inadequada é a causa do maior número de acidentes.”

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A vida sobre duas rodas

150 000 motoboys circulam em São Paulo, segundo um dos sindicatos da categoria. Para a Secretaria de Transportes, seriam 250 000

2 000 empresas de motofrete atuam na cidade

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1 000 reais brutos por mês é quanto ganha em média um motoboy que trabalha dez horas por dia

200 000 reais é quanto custa aos cofres públicos um acidentado grave atendido em hospital estadual, segundo a Secretaria de Transportes

61,5% dos crimes contra o patrimônio são cometidos por bandidos de moto

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O que eles não querem

Aumento do seguro obrigatório de 183,84 para 254,16 reais

Proibição de trafegar nas vias expressas das marginais

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Obrigatoriedade de utilizar apenas veículos com menos de nove anos de fabricação

Proibição de uso de motos em nome de terceiros para trabalhar

Faixas refletivas nas laterais e na traseira dos capacetes, que devem ser certificados pelo Inmetro

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