Proposta de Nunes de terceirizar gestão de Casas de Cultura gera polêmica

Artistas afirmam que tentativa é a de privatizar espaços; secretária rebate dizendo que haverá melhorias

Por Clayton Freitas
Atualizado em 20 jan 2023, 20h28 - Publicado em 20 jan 2023, 20h26
Reunião envolvendo artistas que são contrários a proposta da Prefeitura de São Paulo de terceirizar gestão das Casas de Cultura
Reunião envolvendo artistas que são contrários a proposta da Prefeitura de São Paulo de terceirizar gestão das Casas de Cultura (@soscasasdecultura/Instagram/Reprodução)
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Artistas e diversos políticos de oposição ao prefeito Ricardo Nunes (MDB) o acusam de tentar privatizar as Casas de Cultura existentes na periferia do município. A proposta da Secretaria Municipal de Cultura é a de transferir a gestão e manutenção da infraestrutura desses espaços para organizações da sociedade civil (OSCs). A administração municipal nega se tratar de privatização e afirma que a medida é uma forma de ampliar as opções oferecidas, atrair mais público e também criar mais espaços de trabalho para a classe artística.

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As casas de cultura foram criadas por meio de uma lei de 1992 ainda na gestão da ex-prefeita Luiza Erundina, à época do PT e hoje deputada federal pelo PSOL. Além de ampliar as raras ofertas de opções culturais na periferia, levando peças de teatro, música, dança e outras manifestações artísticas, elas têm como premissa respeitar as particularidades de cada região. Um exemplo é a unidade de Cidade Tiradentes, na Zona Leste, voltada ao hip hop.

Para os artistas, transferir a gestão e manutenção dessas unidades para entidades de sociedade civil irá fazer com que as oportunidades rareiem ainda mais para eles. “Nem mesmo os funcionários e prestadores de serviço da cultura que já atuam nessas Casas de Cultura têm a garantia de que irão permanecer nos cargos”, afirma Aloysio Letra, Integrante do Fórum de Cultura da Zona Leste.

Ele integra um grupo de centenas de artistas e funcionários da cultura têm se reunido para discutir o assunto. A última dessas reuniões ocorreu no dia 18 de janeiro, última quarta-feira, no teatro Heleny Guariba, na Praça Roosevelt.

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A discussão subiu de tom nesta sexta-feira (20), quando o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) postou em suas redes sociais uma imagem do grupo reunido e escreveu ser contrário ao que chamou de “privatização”. Confira abaixo.

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O assunto, que até então vinha sendo discutido apenas na “bolha” dos artistas da periferia, forçou a secretária municipal de Cultura, Aline Torres, a se posicionar. Também via redes sociais, ela postou na tarde desta sexta-feira em seu perfil pessoal detalhes da medida, dizendo que ela vai mais do que dobrar a presença de público nesses espaços e que não se trata de privatização.

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À Vejinha, a secretária afirmou que “a campanha” eleitoral já começou, e que “as pessoas já estão se organizando com narrativas de campanha”. Ela se refere ao fato de que Boulos já demonstrou interesse em se candidatar para o cargo de prefeito nas eleições de 2024, disputa que também deve ter Nunes no páreo. (leia entrevista abaixo)

Religião

A notícia de que a transferência de manutenção dessas estruturas começou a circular no início do ano de 2022, porém, sem muitos detalhes. Vários ativistas culturais começaram a questionar a prefeitura para saber do que se tratava, e grupos de discussão começaram a se formar. A notícia chegou até a vereadora Elaine Mineiro (PSOL), mais conhecida como Elaine do Quilombo Periférico, presidente da subcomissão de cultura da Câmara de Vereadores, que convidou a secretária Aline para explicar o assunto em uma audiência. “Não tivemos a resposta oficial”, afirma a vereadora.

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Outras oito reuniões regionais foram marcadas na periferia, e nenhuma delas contou com a participação da secretária. A vereadora disse que foi pega de surpresa ao ver, no final do ano passado, a publicação no portal ParcipeMais, da prefeitura, o edital de chamamento das Casas de Cultura. “Eles soltaram esse chamamento para entender o que as pessoas estão pensando mas impossibilitaram até que a Câmara Municipal que fizesse as discussões”, afirmou.

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Segundo a vereadora Luana Alves, do PSOL, as Casas de Cultura estão com déficit de pessoal há muito tempo, e colocar uma organização social para gerir o espaço será um erro. “Atualmente quem toca na verdade o trabalho nesses espaços são jovens monitores. A contratação por parte de uma organização social que não conhece o território trará problemas para fixar a pessoa [a ser contratada]”, afirma.

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Outro questionamento que as duas vereadoras fazem é que, da forma como está, é possível até que entidades religiosas possam vir a gerir os espaços, já que elas têm esse aval segundo o marco regulatório das organizações sociais civis. O temor é que isso possa gerar conflito em locais que promovem manifestações artísticas que tem como base preceitos de religiões de matrizes africanas.

Em relação a fala de Aline de que se trata de uma discussão com viés político, Elaine afirma que suas críticas vêm muito antes de Nunes ser prefeito, e de Aline ser secretária.

Imagem mostra Aline Torres de braços cruzados. A fundo, comunidade da capital paulista
Aline Torres, do MDB (Alexandre Battibugli/Veja SP)

O que diz a secretária

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Qual é a realidade hoje das casas de cultura hoje?

A gente tem ali duas coisas isoladas que se encontram no meio do caminho. A secretaria de cultura tem sob sua gestão 19 casas de cultura. Elas estão dentro da sua estrutura de RH [recursos humanos] composta por um coordenador, que é um coordenador com um cargo de comissão. Não temos nenhum coordenador efetivo, e quando a gente fala efetivo é concursado. Então, em sua maioria, tem um outro servidor e um ou outro jovem monitor, que integra um programa de formação, e não trabalham. E são pessoas que estão ali para ajudar e aprendendo a organização da casa.

O que elas oferecem?

Essa condição de um grupo pequeno significa que a gente não consegue oferecer [serviços] com qualidade, o que é o objeto da casa de cultura, que é oferecer programação cultural, oficinas, shows, cessão de espaço para encontros, que as peças teatrais consigam ser contratadas pela casa. É uma ação nossa fomentar grupos periféricos que tem essas dificuldades. Ator faz arte e administrador administra. Então a gente não consegue fazer que um artista periférico, que não tem experiência, consiga acessar os processos da Secretaria de Cultura para ser contratado porque a burocracia é complexa.

E por qual motivo esse novo modelo de gestão?

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A gente tem um modelo consolidado na sociedade que é a gestão compartilhada. É um modelo de sucesso tanto na cultura do Estado, porque as Fábricas de Culturas são nesse formato, e as próprias creches da educação, que são conveniadas. Temos os CEUs agora entrando também nesse modelo de contrato. A diferença é que estamos fazendo isso buscando entidades pequenas, por meio de Mrosc [Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil]. Então não é privatização. É uma lei federal do PT e o PT não ia fazer uma lei de privatização, né?

O que mudará?

A gestão compartilhada funciona bem porque a partir desse momento eu vou conseguir contratar um efetivo grande de funcionários, eu aumento meu RH, eu vou conseguir ter técnico, eu vou conseguir ter equipamento de som. O artista quando eu vou contratar ele, ele é contratado para fazer um show no espaço onde tem deficiência de estrutura de equipamento. Com a entidade eu vou suprir isso porque ela tem mais facilidade para contratar do que a administração pública. A gente vai levar cada vez mais para as pessoas, eu vou conseguir contratar mais artistas, eu vou conseguir oferecer mais oficinas, mais programação cultural.

Qual é a sua opinião em relação às críticas?

O que que tem na outra via? A gente está num momento já de “a campanha começou” e é uma narrativa política. A cadeira do prefeito é uma cadeira importante e as pessoas estão se colocando como candidatas. E aí você tem uma militância, que é a militância aguerrida. Os movimentos que estão trabalhando para que essa pauta tenha esse alcance de privatização são dirigentes partidárias, são pessoas alocadas em partidos que tem narrativas partidárias, são dirigentes. Então a campanha começou e as pessoas estão se organizando como narrativas de campanha e está tudo no jogo a democracia faz parte. Eu só acho triste é eles usaram uma mentira.

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