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Com mais de 60, paulistanos ilustres vivem momentos inusitados

Mario Sergio Cortella, Laura Cardoso, Tom Zé e Rivellino têm saudade da padoca, caminham no estacionamento, lêem, fazem música e churrasco no isolamento

Por Pedro Carvalho
Atualizado em 17 abr 2020, 11h53 - Publicado em 17 abr 2020, 06h00
Cortella: home office em Higienópolis e cotidiano sem pão na chapa (Foto: arquivo pessoal/Reprodução)

Desde 16 de março, Mario Sergio Cortella só pisou três vezes fora do apartamento onde mora com a mulher, Claudia Hamra, em Higienópolis. As escapadas eram para que ficassem ainda mais isolados. “Temos uma casa de campo perto de São Paulo, vamos lá para tomar um pouco de sol. Sem contato com ninguém, é claro”, ele explica. Na divisão doméstica da quarentena, o filósofo cozinha e lava a louça, enquanto Claudia faz a faxina. Ele se ressente de não poder encontrar a mãe, de 91 anos, moradora da região. “Ligo todos os dias e digo: ‘Eu te amo. E por isso não vou te visitar’.” As caminhadas pelo bairro também fazem falta. “Sinto uma saudade danada de um pingado com pão na chapa, no sábado de manhã, na padoca da Rua Aracaju.”

Pascolato: caminhadas no estacionamento e vídeos para divertir os netos (Foto: arquivo pessoal/Veja SP)

Nos desfiles e nos eventos sociais, Costanza Pascolato quase sempre veste roupas brancas ou pretas. A empresária e consultora de moda quebrou a regra durante a quarentena, vivida em seu apartamento de Higienópolis. “Uso sempre uma cor nova. Ajuda a deixar o dia um pouco diferente do anterior”, ela explica.

Costanza acorda às 7 horas. Abre a janela, respira profundamente por alguns minutos, medita e faz alongamentos. Só então responde a mensagens e escreve textos. Tem evitado as notícias. “A gente acaba sabendo de qualquer maneira”, diz. Os exercícios foram adaptados. A aula de pilates é on-line. As caminhadas ganharam um cenário improvável. Todo dia, Costanza desce ao estacionamento do prédio (que vive vazio, porque o edifício só tem oito moradores) e, de máscara e fones de ouvido, anda por duas horas. “Sair na rua, nem pensar.”

Atualmente, a única companhia é Mariza, sua funcionária há três décadas, que passou a morar no apartamento. Para matar a saudade da família, Costanza tem gravado e mandado vídeos divertidos aos netos, que vivem no exterior. “Lavo o cabelo em casa, porque não posso ir ao cabeleireiro. Faço filminhos de bobes e lenços coloridos, dançando com músicas latino-americanas ao fundo. Eles adoram”, conta.

A atriz, na casa de Itu, onde passa a quarentena: sossego, família e leitura (Fotos: arquivo pessoal/Veja SP)

Desde a primeira semana de março, a paulistana Laura Cardoso tem se protegido da covid-19 na casa de campo da família, em itu (a 100 quilômetros da capital). “estou passando muito bem aqui, está tudo tranquilo. Mas ando triste com toda esta situação que está acontecendo no mundo”, conta a atriz. Boa parte da família optou pela quarentena no interior. Junto de laura estão duas filhas, duas netas e um bisneto. “aqui estamos mais protegidos das aglomerações. Queremos seguir as recomendações dos médicos, dos jornais, das pessoas que entendem do assunto.”

Para preencher o tempo, Laura tem recorrido a velhos costumes que a acompanham por toda a vida. o principal é a leitura de livros e jornais. na foto à direita, acima, enviada à Vejinha por seus familiares, ela devora Sobre a Capacidade de Amar e Outros Assuntos Poéticos, lançado no ano passado pelo autor de novelas Walcyr Carrasco. As palavras cruzadas têm sido outra distração inseparável da artista.

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Além disso, Laura aproveita a companhia do bisneto Fernando, 19. Eles cozinham juntos — Laura gosta de ensinar-lhe os truques das receitas — e saem para passear no pomar vizinho à casa. “Ele é a paixão dela. Se alguém quiser saber por onde anda a Laura, basta procurar o Fernando”, diz Adriana Balleroni, neta da artista e mãe de Fernando.

A presença da família é um alívio, mas não anula a esquisita sensação de isolamento da quarentena. “sinto muita falta de ver as pessoas, de conversar na rua, de ir a uma livraria. eu gosto muito da rua”, revela Laura.

“Vamos seguir por aqui até passar esta epidemia”, afirma Adriana — que ficou isolada por catorze dias antes de viajar para o sítio, após casos da Covid-19 serem confirmados no banco onde ela trabalha.

Laura, com a sabedoria de quem tanto já viu, não se queixa das restrições — e mantém a esperança. “Temos de seguir o que estão dizendo as pessoas da (área da) saúde e ficar em casa. Daqui a pouco, tudo volta. Sempre volta”, ela ensina.

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(Foto: arquivo pessoal/Veja SP)

“Estou de roupa de ficar em casa, de pijama”, diz Tom Zé ao telefone. o músico encara a quarentena em Perdizes, no apartamento onde mora com a esposa, Neusa Martins, 79. Ele anda atarefado. Corre para terminar composições da peça Língua Brasileira, de Felipe Hirsch — que estrearia em mar- ço, não fosse o coronavírus. O espetáculo tinha duas canções de tom Zé, mas o adiamento fez Hirsch espichar a parceria. “Ele me pediu cinco temas. Trabalho manhã, tarde e noite.”

Sem a companhia de outros músicos, tom Zé recorre aos meios digitais para criar os arranjos. “O Daniel Maia, com quem sempre toco, acaba de me mandar dez playbacks pelo celular. Aí a Neusa liga para a Tânia, nossa secretária, que é quem entende de tecnologia, e ela ensina como tirar do computador”, ele conta.

O compositor também precisou retomar um velho costume: pegar o violão. “Fazia tempo que eu não tocava. Agora, tenho feito eu mesmo o acompanhamento de algumas composições. Dia desses, eu me vi em um programa da TV Cultura e pensei: meu deus, como eu tocava!”, diverte-se.

Mesmo ocupado, Tom Zé sente falta da vida social do período a.C. (ou antes do corona- vírus). “Eu saía, virava, mexia, encontrava os amigos, ia ao teatro, ao cinema”, relembra.

Talvez sintoma do isolamento, a entrevista se transforma em uma demorada conversa ao telefone. Tom Zé percorre a infância em Irará (Ba), a ditadura militar, os livros que mudaram sua vida. ao final, uma despedida típica dos tempos da quarentena: “Pode colocar na reportagem: uma das distrações do período foi você ter ligado”

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Trabalho e ligações para amigos: Delfim em quarentena (Foto: arquivo pessoal/Veja SP)

Delfim Netto parece preocupado. “Tenho tomado muito cuidado, extremo cuidado”, ele diz, a voz séria e circunspecta. Depois, frasista incorrigível, deixa escapar uma risada e completa: “Eu me escondo do bichinho até no banheiro!”.

O ex-ministro conta (agora a sério) que tem se mantido totalmente isolado no apartamento em frente ao Clube Pinheiros, onde vive com a família. “Trabalho o tempo todo. Leio, escrevo, publico artigos”, afirma.

Delfim não é afeito a reuniões virtuais. “Sou um troglodita em tecnologia. Tenho dificuldade. Falo com os amigos só pelo telefone”, explica. “Mas converso bastante com eles. Não me sinto sozinho. A conversa fica mais pobre, é claro. No restaurante é muito mais agradável falar da vida alheia e reclamar do governo”, brinca.

Entre as leituras da quarentena, o economista recomenda The Rules of Contagion (As regras do contágio), de Adam Kucharski. “Ele é matemático e epidemiologista. Mostra como as epidemias surgem, produzem seus efeitos e por fim vão embora”, Delfim indica. “Ao final, você se convence de que (as epidemias) são parte da dinâmica do homem”, conclui.

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O economista (ao centro): live na Páscoa com a família (Foto: arquivo pessoal/Veja SP)

A quarentena deu a Roberto Teixeira da Costa a oportunidade de usufruir uma fazenda “esquecida” nas últimas décadas. Pioneiro do mercado financeiro brasileiro e fundador da Comissão de Valores Mobiliários (órgão que regula o setor), ele se encontra isolado, junto da esposa, em um sítio em Redenção da Serra, cidade próxima a Taubaté. “Era uma fazenda da época do café, que comprei trinta anos atrás e restaurei. Sempre tive paixão por fazendas antigas. Mas, nessas três décadas, o período máximo que passei aqui tinha sido de uma semana. Agora, estou há mais de um mês”, conta.

Outra oportunidade que resultou da quarentena: salvar um livro que por pouco não “nasceu velho”. Roberto, também especialista em relações in- ternacionais, estava prestes a lançar Por que o Brasil Tem Medo do Mundo?. “Eu tinha passado um ano escrevendo, a obra estava em revisão final. Mas as relações entre os países agora precisam ser repensadas de acordo com a realidade pós-pandemia”, ele explica. “Felizmente, estou tendo a chance de atualizar o texto.”

Nos últimos anos, o economista trabalhava em um escritório alugado na esquina da Rua Fernão Cardim com a Alameda Joaquim Eugênio de Lima, nos Jardins. Agora, apesar do cenário mais bucólico, tenta seguir uma rotina parecida. “Tenho mantido os horários e trabalhado bastante, por causa do livro”, diz. “O chato é não ver os filhos e netos, que estão em São Paulo.”

Rivellino e o filho Rodrigo: “Na chácara, sempre tem alguma coisa para fazer” (Foto: arquivo pessoal/Veja SP)

Em 1975, com duas Copas e um título mundial na bagagem, Roberto Rivellino comprou uma chácara em Vinhedo, a 75 quilômetros da capital paulista. Dois anos atrás, o ex-jogador realizou um sonho: deixou de vez o bairro do Campo Belo e se mudou para a propriedade. De lá para cá, só viaja a São Paulo às segundas e terças, para gravar programas de TV e resolver compromissos. É na chácara que Rivellino tem passado a quarentena, na companhia dos filhos Rodrigo (foto) e Márcio. “Não saio daqui, meus filhos não deixam. Mas está tudo tranquilo, sem problema nenhum”, diz o craque.

Pelas manhãs, Rivellino faz de vinte a trinta minutos de esteira. Precisa pegar leve, porque se recupera de uma cirurgia na coluna, realizada em maio do ano passado. Consegue alongar-se e erguer alguns pesos. Depois, cuida dos passarinhos da chácara, um antigo hobby do ex-jogador. “Agora não é uma época boa, eles mudam as penas e ficam sem cantar”, explica. Também tem se dedicado à horta orgânica montada pelo filho. “Eu apanho limão para fazer suco de manhã, pego ovos das galinhas caipiras. Sempre tem alguma coisa para fazer, né?”, conta.

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Nas tardes, churrasco e cerveja são as distrações preferidas. Às vezes, ele também assiste aos jogos antigos que as TVs têm reprisado na quarentena. “Gosto de ver, mas só os jogos dos outros. Nunca gostei de me ver em campo.”

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