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Enterramento de fio deixa rastro de falta de cuidado antes e após obras

Projeto deixa rastro de acabamentos malfeitos no asfalto e nas calçadas

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 3 jul 2020, 09h14 - Publicado em 3 jul 2020, 06h00

Criado pelo então prefeito João Doria em 2017, o programa Cidade Linda Redes Aéreas tem tirado o sono de muita gente, além de causar perigos para motoristas e pedestres que trafegam pelos bairros da Consolação e da Bela Vista. Em vias como Peixoto Gomide, Bela Cintra, Barata Ribeiro e Dona Antônia de Queirós, entre muitas outras, o enterramento de fios tem deixado um rastro de falta de cuidado antes, durante e depois dos trabalhos. “Na Rua Frei Caneca, em frente ao shopping, após o término das obras dos dois lados, recapearam essas partes e deixaram a metade da pista com asfalto velho. Não poderiam recapear a rua toda?”, questiona o administrador de empresas Fabio Canova, 44. “Sem falar que deixaram ondulações, buracos e desníveis na via.” Na Rua Caio Prado, a longa faixa que margeia a calçada ficou quase um mês tampada com uma brita misturada com areia (imagina a lamaceira após a chuva do sábado, 27). Dias depois, a via ganhou uma camada de asfalto (ondulado e imperfeito). A cena se repete por diversas outras ruas.

Ruas Peixoto Gomide e Dona Antônia de Queirós: provisório e sem qualidade (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Dono de um café na Rua Antônio Carlos, o engenheiro Guilherme Saltini, 34, chama a atenção para outras questões. “As calçadas quebradas foram cimentadas de qualquer jeito. Além disso, os restos das construções ficam muitos dias depositados nas ruas. Cadê a prefeitura para fiscalizar o andamento das obras?”, questiona. “A Bela Cintra e a Peixoto Gomide foram recapeadas há menos de dois anos. E aquele dinheiro gasto na época foi perdido?”, indaga Saltini.

Saltini, na Rua Antônio Carlos: “Fizeram de qualquer jeito” (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Essas obras na região central fazem parte de um acordo da prefeitura com a Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (TelComp), que representa três centenas de empresas do ramo. O combinado foi que 52 quilômetros de fios seriam enterrados, tirando do caminho mais de 2.000 postes da região central e de bairros como Vila Olímpia. A escolha da área levou em conta locais onde a Enel (antiga AES Eletropaulo) já havia feito o enterramento da sua fiação aérea. A empreitada, orçada em 200 milhões de reais, será totalmente bancada pelas teles, mas deveria ter ficado pronta em 2018. Diante do atraso, o promotor Silvio Marques, da Promotoria do Patrimônio Público e Social, se reuniu em novembro do ano passado com as empresas para cobrar prazos e as obrigou a retomar as obras. Paralelamente a isso, Marques trabalha em uma ação civil pública para obrigar todas as companhias da cidade a enterrar a fiação e a utilizar apenas conexões subterrâneas.

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Canova, na Rua Matias Aires: ondulações e desníveis (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Outra queixa de quem vive os transtornos de perto nos bairros em que o serviço vem sendo realizado é quanto ao barulho proveniente das máquinas. “Estou ficando louco. Eles ligam a britadeira às 7 horas da manhã e vão até as 7 horas da noite. É o mesmo tormento de segunda a sábado, só param no domingo”, afirma o analista de software Giovanni Monteiro, 41, morador da Rua Avanhandava. “Com a pandemia, minha empresa entrou em home office. Imagina eu conseguir me concentrar com aquele barulho. Pareço o personagem do filme Feitiço do Tempo (Bill Murray) que sempre acorda no Dia da Marmota. O meu dia é o da britadeira.”

Independentemente dos transtornos, há quem diga que a quebradeira está sendo feita no lugar errado. “Poderiam executar essas obras embaixo dos passeios, não no leito viário”, afirma a arquiteta e urbanista Saide Kahtouni. “No mundo todo utiliza-se o subsolo do leito viário para as instalações de esgoto, drenagem e do gás de rua, e o subsolo das calçadas de pedestre para as fiações subterrâneas das redes de caráter elétrico.” Procurada, a TelCom respondeu por meio de nota que a construção da rede subterrânea da Consolação será concluída de acordo com as normas estabelecidas pela municipalidade.

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A gestão municipal afirma que as obras ainda estão em andamento e que os revestimentos do asfalto são provisórios. Além disso, assegura que as normas vigentes preveem construções de tubulações sob o asfalto, não necessariamente sob a calçada. “Mas o serviço provisório precisa ter qualidade, o que não parece ser o caso”, afirma o secretário das Subprefeituras, Alexandre Modonezi. “Tenho cobrado a melhora da qualidade do serviço das concessionárias na cidade. O Geoinfra (plataforma recém-criada) nos possibilitou um controle de quem está fazendo serviço na via, contratamos empresas para fazer acompanhamento tecnológico na rua. A cidade nunca teve isso.”

Pedestre na Rua Dona Antônia de Queirós e moto na Haddock Lobo: dois anos de atraso (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Não é por falta de legislação que a situação dos postes da nossa cidade continua a mesma. São Paulo possui quase 70.000 quilômetros de fios pendurados em 1,2 milhão de postes. Em 2005, o então prefeito José Serra (PSDB) sancionou um projeto de lei que obrigava as concessionárias de energia elétrica e telecomunicações a enterrar no mínimo 250 quilômetros de fios por ano na metrópole. A lei, contestada na Justiça, entrou para o rol das legislações que não pegaram. Em Buenos Aires, na Argentina, não há praticamente mais nenhum fio aéreo na região central. A medida foi incluída em uma grande reforma promovida na década de 1950.

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 8 de julho de 2020, edição nº 2694. 

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