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O obituário do obituarista Toninho Boa Morte

Jornalista responsável pela coluna "Falecimentos do Estadão" morre aos 77 anos

Por Redação VEJA SÃO PAULO
Atualizado em 5 dez 2016, 18h14 - Publicado em 18 mar 2011, 23h53

Os redatores de obituários nunca morrem. Foi o que observou o jornalista e escritor americano Gay Talese, em um famoso perfil que escreveu do redator de necrológios do jornal “The New York Times” nos anos 60. Não morrem, constatou Talese, porque nunca ou quase nunca é publicado o obituário de um obituarista — uma das mais modestas, indesejadas e anônimas funções dentro da imprensa. Na semana passada, porém, houve uma exceção e tanto. A morte de Antonio Carvalho Mendes mereceu um espaço que ele jamais teve para tratar dos milhares de falecimentos que noticiou: uma página inteira de “O Estado de S. Paulo”.

No próximo dia 1º de abril, Toninho Boa Morte, apelido que ganhou meio a contragosto na redação, completaria cinquenta anos de carreira no jornal. Começou sua trajetória em 1960, convidado pelo então diretor Julio de Mesquita Filho, que considerava “um pai, um amigo e um mestre”. Levou apenas um dia para assumir os obituários. Gabava-se de nunca ter noticiado uma morte antes da hora. Se desconfiava que estava sendo vítima de algum trote (chegou a receber fax de gente querendo divulgar a própria morte só para ver se tinha amigos), ligava para parentes ou para o serviço funerário para checar.

Quando sua mãe, com quem morava, morreu, em 1999, o “Estadão” ofereceu-lhe um espaço gratuito para que escrevesse sobre ela. Toninho, no entanto, preferiu pagar um anúncio fúnebre — atualmente, os mais baratos custam 2.600 reais (de 4,6 centímetros de largura por 3 centímetros de altura, com publicação regional) — para homenageá-la. Depois disso, passou a viver sozinho num sobrado na Vila Mariana. Era metódico, fechadíssimo e pouco falava da vida pessoal. Os colegas de trabalho só souberam da existência de uma ex-mulher, de um filho e de uma neta em 2009, ano em que ele foi hospitalizado devido a um câncer de próstata. “O ‘Estadão’ era a vida e a família do meu pai”, diz o filho, Antonio Victor Mendes, de 49 anos, que o conheceu apenas aos 16. “Ele dizia que a minha mãe era muito competente para cuidar da minha criação sozinha.”

Durante quase duas décadas, também assinou uma coluna sobre cães. Torcia pelo São Paulo e gostava de falar do clube como se fosse um dirigente. O último jogo do tricolor que acompanhou, pela televisão, foi a vitória por 4 a 0 sobre o Atlético-MG, em dezembro do ano passado. Esportista, praticou esgrima, natação e atletismo — participou de oito edições da São Silvestre. O sepultamento no Cemitério Paquetá, em Santos, na quarta (16), foi seu último pedido em vida. Irmão benemérito da Irmandade de São Benedito, Toninho queria ficar próximo a outros integrantes da entidade, que possui um jazigo no local desde 1872. Ele calculava com grande exagero ter escrito mais de 800.000 necrológios durante a carreira. Mas se recusou a deixar pronto o próprio obituário, ou até mesmo um epitáfio. “Não vou ler mesmo”, costumava dizer.

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