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Muro pedido em Paraisópolis evidencia rejeição a pobres em área nobre

Moradores do Morumbi queriam muralha de 3 m de altura para separar parque na favela de casas de alto padrão; outros bairros têm atos de "não no meu quintal"

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Guilherme Queiroz
17 jul 2020, 06h00

Durou pouco mais de duas semanas a ideia dos moradores do Morumbi, vizinhos à favela de Paraisópolis, de construir um muro de 3 metros de altura para separar o futuro parque municipal de suas casas. No último dia 27 de junho, a Associação dos Amigos do Jardim Vitória Régia, que representa 250 residências, enviou o pedido à Secretaria do Verde, alegando que a “pequena área recreativa”, de 60 000 metros quadrados (pouco maior que o Parque Trianon), “poderá concentrar um grande público, dada à alta densidade da comunidade”. Além disso, no documento, os vizinhos da maior favela de São Paulo, com 100 0000 habitantes, não teriam mais acesso a um dos dois portões do local. A solicitação foi rejeitada no último dia 13 e o parque deverá ser entregue em outubro deste ano (o projeto foi lançado em 2008, mas só começou no ano passado) sem muros e com duas entradas.

A solicitação da associação, que também queria proibir piqueniques no futuro espaço, pegou a principal liderança de Paraisópolis de surpresa. “Achei estranho. Eles sempre foram nossos principais parceiros no Morumbi e farão parte do conselho do parque. Recentemente fizeram uma grande arrecadação de alimentos e estiveram conosco na briga em prol do monotrilho, que nunca saiu”, afirma Gilson Rodrigues, presidente da União de Moradores. Procurada, a diretora da Associação Vitória Régia, Claudia Leme, que assina o ofício enviado à prefeitura, não quis dar entrevista. A rejeição à aproximação de moradores em áreas nobres (ou de proibir “novidades” nas vizinhanças) cunhou a expressão em inglês not in my backyard, não no meu quintal, que pode ser observada em várias situações mundo afora. Em 2010, ao reclamar da construção de uma estação de metrô em Higienópolis, uma moradora afirmou que a obra levaria mendigos e drogados, “uma gente diferenciada”, para o arredor. Dias depois, em protesto, um “churrasco da gente diferenciada” levou centenas de pessoas à avenida que dá nome ao bairro.

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A dez quilômetros dali, na Vila Leopoldina, a construção de um conjunto habitacional com mais de 500 moradias populares colocou mais uma vez o preconceito em evidência. O projeto prevê a extinção de duas favelas ao lado da Ceagesp (com a remoção de seus moradores) e a reforma de um conjunto Cingapura, mas esbarra no aceite dos novos vizinhos. Em 2018, reportagem da Vejinha mostrou as queixas. “Se viesse só o rapaz que trabalha e come marmita, não haveria problema. A questão é o que vem junto”, disse um deles. O projeto está parado há dois anos na Câmara. Para quinta-feira (16), a vereadora Soninha Francine (Cidadania) convocou uma audiência pública para tentar dar andamento à proposta. “Mesmo diante de um interesse egoísta, da valorização do seu imóvel, como essas pessoas podem rejeitar um projeto como esse?”, questiona a parlamentar.

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220 moradias populares em Maresias foram canceladas após reclamação da associação local

Na Bela Vista, outro empreendimento popular deixou moradores contrários. Nesse caso, dizem, a questão não é social, mas geológica. “Não é que somos discriminatórios e não queremos conviver com um projeto social. Se esse tipo de empreendimento for construído ruirá as fundações dos nosso prédios, é um problema estrutural”, afirma o ex-deputado petista Adriano Diogo, morador do condomínio Praça dos Franceses. O projeto da Canopus Construtora, elaborado pelo escritório Königsberger Vannucchi Arquitetura, prevê seis prédios com nove andares cada um. O condomínio de luxo, que se opõe, tem torres de 27 andares e está em uma cota a 30 metros de altura em relação à rua de baixo, onde sairá o projeto mais econômico. A construtora afirmou que, como o projeto está em tramitação na prefeitura, não comentaria o caso.

Croqui de empreendimento na Vila Leopoldina, onde hoje há um terreno da prefeitura: dois anos parado na Câmara (Divulgação/Divulgação)

No Litoral Norte paulista, a gritaria antipovo surtiu efeito. Previstas para serem construídas a 500 metros da badalada Praia de Maresias, em São Sebastião, cerca de 220 moradias populares viraram pó após a queixa da associação local. O anúncio levou a uma mobilização da Sociedade Amigos da Praia de Maresias (Somar). Em ofício para a prefeitura, os membros questionavam a falta de saneamento na região, temores de uma piora na segurança e desvalorização imobiliária. “Hoje esses grandes núcleos habitacionais acabam sendo dominados por poderes paralelos”, afirma o ex-presidente da Somar, Eliseu Arantes, que estava à frente da empreitada em janeiro, quando uma reunião do grupo contou até com a presença do secretário-executivo do Ministério das Comunicações, Fabio Wajngarten. “São Sebastião precisa de moradias populares? Sim. Mas não sei se em Maresias, pois vivemos do turismo”, argumenta. A licitação foi cancelada em fevereiro. Procurada, a prefeitura informou que não há nova data para o lançamento. O quintal deles foi salvo.

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Publicado em VEJA SÃO PAULO de 22 de julho de 2020, edição nº 2696. 

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