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Ministérios alertaram Weintraub para manter contrato da Cinemateca

O rompimento, em dezembro, deu início ao caos na instituição, que soma 800 000 reais em contas de luz atrasadas

Por Pedro Carvalho
10 jul 2020, 09h55
Protesto na Cinemateca, no início de junho: acervo em risco (Van Campos/Fotoarena/Veja SP)
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Os ministérios da Economia e da Cidadania tinham alertado Abraham Weintraub, então titular da Educação (MEC), para a necessidade de manter o contrato com a organização social (OS) Roquette Pinto para a gestão da Cinemateca Brasileira. O fim da parceria entre o governo e a Roquette Pinto foi confirmado pelo MEC menos de três semanas antes de ser levado a cabo, em dezembro passado. As pastas informaram ao MEC que não haveria tempo para se contratar outra OS, o que deixaria sem gestão o maior acervo visual da América Latina — algo que de fato aconteceu. Os alertas foram obtidos pelo Ministério Público Federal, que investiga a questão.

A Roquette Pinto fazia a gestão da Cinemateca desde 2018, quando venceu um chamamento público para administrar a instituição até 2021. O serviço foi incluído em outro contrato que a OS tinha com o MEC, sobre a gestão da TV Escola. Isso porque uma OS não pode ter contratos com dois ministérios diferentes — a Cinemateca era ligada ao Ministério da Cultura, atualmente transformado em Secretaria Especial da Cultura (Secult). Como o chamamento público seguia válido, os ministérios pediram que a parte do contrato relativa à Cinemateca fosse mantida, mesmo que a gestão da TV Escola fosse encerrada, para evitar deixar o acervo à deriva. “Bastaria vontade política para se fazer um novo contrato”, disse uma fonte que participou das negociações pelo lado do governo, em reportagem sobre o tema publicada por Veja SP em junho.

Sem repasses, a Cinemateca soma um buraco de R$ 13 milhões (o prejuízo, na verdade, se encontra no caixa da Roquette Pinto, que seguiu pagando as contas da instituição enquanto teve fôlego). Nesta sexta-feira (10), venceu a quarta conta de luz sem pagamentos, o que eleva para 800 000 reais a dívida com a Enel. O serviço de bombeiros e as manutenções elétricas e de refrigeração foram suspensas, um risco para os 250 000 rolos de filmes guardados no prédio da Vila Mariana. Sem salários desde março, os 150 funcionários estão em greve — com apoio informal da própria Roquette Pinto. A paralisação deixa em suspenso cerca de 100 pedidos de cineastas e pesquisadores, o que inclui, por exemplo, o repasse de imagens a uma grande produtora inglesa que prepara um filme sobre Pelé.

Em 12 de dezembro, menos de três semanas antes do rompimento, a Secretaria do Audiovisual (o braço da Secult que supervisiona a gestão da Cinemateca) mandou um ofício ao MEC para pedir uma posição oficial sobre o possível fim do contrato. “Tal solicitação considera duas reuniões realizadas no Ministério da Educação, nos dias 14/10 e 21/11. [Nelas houve] indicação de que o Ministério não iria renovar o contrato e encerraria a parceria com a ACERP [a Roquette Pinto]”, dizia o texto.

O MEC respondeu uma semana depois. “Confirma-se o que fora declarado na reunião em 21/11/2019, sobre a não renovação do contrato”, dizia texto. Dias antes, Weintraub alertou também o Ministério do Turismo (onde, conforme já estava definido, a Secretaria Especial de Cultura iria se alojar a partir de junho) sobre a mudança. “Destaco que não há interesse deste Ministério da Educação na continuidade do contrato de gestão. A informação tem o objetivo de possibilitar a esse Ministério do Turismo a adoção das providências que considere necessárias, no exercício de suas competências”.

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A partir daí, Weintraub passou a ser aconselhado a não romper o acordo com a Roquette Pinto. Em 23 de dezembro, o alerta veio de Herber Trigueiro, então secretário do audiovisual substituto, em nome do Ministério da Cidadania. “Solicitamos ao Ministério da Educação que faça uma prorrogação do Contrato de Gestão atual por 6 (seis) meses. (…) A prorrogação se faz necessária pelo risco de fechamento da Cinemateca”, dizia o texto. “O eventual fechamento (…) traz um enorme risco à história do audiovisual brasileiro. O acervo conta com grande quantidade de películas em bases de composições químicas diferentes, como o polímero de acetato, o qual tem sua deterioração acelerada em ambientes sem um controle ideal de umidade e temperatura, e as à base de nitrato, extremamente inflamável reagindo ao oxigênio e com o risco de autocombustão”, alertava a mensagem.

O Ministério da Economia também se pronunciou sobre a questão, em uma nota técnica de 26 de dezembro. “Entende-se ser pertinente a prorrogação do prazo de vigência [do contrato], sob pena de descontinuidade (…) e da consequente interrupção da gestão dos acervos. (…) Esta Secretaria [de Gestão] entende ser mais eficiente a prorrogação do contrato, de modo a evitar riscos jurídicos e institucionais”, dizia o documento. “Caso não haja prorrogação (…), a Cinemateca e o patrimônio público sob sua guarda podem ser prejudicados, podendo ter seu acervo danificado ou perdido por falta de cuidados técnicos especializados”.

Para funcionários da OS e autoridades que acompanham a questão, houve uma tentativa de aparelhamento da Cinemateca por parte de Weintraub. “Desde o início, Weintraub fez uma perseguição à Roquette Pinto. Ele queria ocupar as vagas da Cinemateca com ‘olavistas’ [seguidores de Olavo de Carvalho], para criar um núcleo de oposição ao [governador João] Doria (PSDB) em São Paulo”, afirma um funcionário da OS que participou das negociações. 

“Houve uma enorme trapalhada, de cunho ideológico, por parte de Weintraub”, diz o vereador Gilberto Natalini (PV), que acompanha a questão na Câmara Municipal. Por iniciativa de Natalini, um grupo de 12 vereadores se comprometeu a dedicar emendas individuais de 50 000 reais para a Cinemateca, para pagar as contas emergenciais. 

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Procurado, o MEC enviou nota à Veja SP. “O Ministério da Educação informa que o contrato de gestão que possuía com a Acerp foi encerrado em dezembro de 2019, após ter completado o prazo de cinco anos previsto. Não houve rompimento de contrato. A renovação do contrato de gestão, no entanto, é ato discricionário do órgão supervisor, no caso o MEC. Ressaltamos que, como órgão supervisor, o contrato gestão com o MEC era para gerir exclusivamente a TV Escola. A gestão da Cinemateca começou a ser feita em 2018 pelo então Ministério da Cultura, atual Secretaria de Cultura do Ministério do Turismo, quando entrou para o contrato de gestão como órgão interveniente”, diz o texto.

Veja SP não conseguiu contato com Abraham Weintraub, que se encontra fora do país, mas deixa espaço aberto à manifestação do ex-ministro. A reportagem pediu diversas vezes entrevistas ao Ministério do Turismo e à Secul, que fazem a gestão da Cinemateca, mas as respostas foram negativas. 

O Ministério Público vai definir, nos próximos dias, se entrará com uma Ação Civil Pública para apurar o que vem acontecendo na Cinemateca — no momento, a preferência do órgão é buscar um acordo extrajudicial para o pagamento das dívidas, o que seria mais rápido. 

A Enel enviou nota à reportagem, na qual informa que “firmou, em abril, um acordo de negociação de débitos com a Cinemateca, que infelizmente não foi cumprido, permanecendo a dívida em aberto. Recentemente, houve uma nova reunião com a Instituição, mas o débito permanece sem negociação. Uma nova reunião já foi agendada para rediscutir a negociação, visando atender à necessidade da Instituição. A Companhia reforça que, apesar da regulamentação setorial permitir, ainda não efetuou corte no fornecimento de energia da Cinemateca”.

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No dia 20 de maio, a atriz Regina Duarte fez uma live com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para anunciar que iria dirigir a Cinemateca Brasileira. Até hoje, a direção da Roquette Pinto não recebeu nenhuma informação oficial sobre essa possibilidade.

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