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Meu sono sumiu: o que fazer para evitar a insônia na quarentena

As queixas de problemas na hora de dormir cresceram e com elas a procura por alternativas para uma boa noite

Por Guilherme Queiroz, Juliene Moretti Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 27 Maio 2024, 18h14 - Publicado em 22 Maio 2020, 06h00
Falta de sono se tornou queixa frequente nos consultórios médicos (Chris Andrews/Getty Images)
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Quando deito na cama, por mais cansada que eu esteja, o sono vai embora. No meio da madrugada, parece que acabei de tomar um energético”, conta a publicitária Luciana Matos, de 38 anos. Há uma década, ela teve um episódio grave de insônia, na ocasião tratado com medicamentos. Isso era passado até semanas atrás. “Faz dois meses que eu durmo de duas a três horas por noite”, relata. Entre seus pensamentos estão incertezas com a Covid-19 e com o futuro. “Moro perto de dois hospitais, ouço as ambulâncias passando e entro em desespero.” Por enquanto, voltar ao psiquiatra não está nos seus planos.“Optei pelo chá de camomila, não durmo, mas fico calma”, diz. Com a pandemia, o aumento das queixas de insônia era esperado pelos especialistas, já que as noites em claro muitas vezes estão associadas ao stress, à ansiedade e à depressão. “Nosso organismo reage para nos proteger e cria substâncias para ficarmos mais alertas. Aumenta, por exemplo, a produção de adrenalina”, explica o psiquiatra Alfredo Maluf, do Hospital Albert Einstein, ao apontar como o stress pode afetar nosso sistema neurobiológico.

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(Denise Pará Diniz Romaldini, psicóloga do setor de Gerenciamento de Estresse da Unifesp/Veja SP)

Na plataforma de atendimento psicológico on-line Vittude, por exemplo, a falta de sono ou a dificuldade em mantê-lo têm sido relatadas por sete em cada dez pacientes nos últimos dois meses. Atualmente, o site recebe cerca de110 000 clientes — um crescimento de 400% em dez semanas. Também on-line, na plataforma Psicologia Viva, que pulou de 5.000 consultas para 18.000 no mês de abril, a busca por profissionais que tratam insônia e transtornos do sono passou de 8% para 17% entre fevereiro e o último mês. A situação se agrava ainda mais com o isolamento, a inatividade e a falta da luz do sol, segundo Dalva Poyares, neurologista do Departamento de Psicobiologia da Unifesp. Mesmo se a insônia estiver relacionada a outras comorbidades, não é recomendado deixá-la de lado. “Pode ser comum como sintoma, mas, se não lhe der a devida atenção, ela se perpetua e se torna um transtorno também e passa a ser tratada como doença crônica”, diz a neurologista Rosa Hasan, coordenadora do Laboratório do Sono do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo.

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Luciana, sem dormir e ouvindo as sirenes das ambulâncias: distância de medicamentos e chá de camomila (Rogério Pallatta/Veja SP)

De acordo com Rosa, normalmente a insônia desperta a atenção quando a frequência das noites maldormidas aumenta e o indivíduo passa a ter prejuízos no decorrer do dia. A “fritura” na cama deve acontecer mais de três vezes por semana, por três meses, seja com a dificuldade de dormir, despertar durante a noite ou acordar de forma prematura. “E influencia no dia a dia, como aumento da irritabilidade, a falta de concentração, a perda de memória, o cansaço e a expectativa na hora de dormir com o aumento da ansiedade se vai conseguir ou não”, explica. Mas o alerta neste momento de pandemia está vindo antes, já que todos passam por mudanças bruscas da rotina.

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Ana Lúcia: busca de alternativas para tentar dormir (Rogério Pallatta/Veja SP)

É o caso da biomédica Ana Lúcia Girello, de 55 anos. Acostumada a viagens de avião constantes por causa do trabalho, desde março ela está em home office e reclama da vida menos agitada. “É mais monótono, o dia parece não passar”, afirma Ana, que nunca foi muito adepta da TV e agora fica acordada nas madrugadas para tentar dormir com a luz do aparelho. Testou meditação e até aromaterapia, mas o resultado não apareceu. “Não me concentro nas técnicas e sinto que é tempo perdido, mas estou querendo mudar a situação.” Os compromissos da dentista Vivian de Moraes, de 41 anos, também mudaram. Com dois consultórios, as filhas pequenas e cronograma intenso de exercícios físicos, ela teve um baque na hora de se isolar. “Minha rotina se transformou: comecei a fazer mais cursos on-line e a estudar e agora fico pensando neles durante a noite”, diz ela, que enfrenta também o retorno do hábito das filhas de dormir em sua cama. Já tem um mês que seu sono é irregular e ela sente o impacto no fim do dia, quando fica mais irritada. “Por volta das 4 da manhã, vou deitar no quarto delas. Fico contando as horas que tenho para dormir, com ansiedade de não conseguir levantar.” Ela já recorreu a aplicativos de meditação e a áudios de sons de chuva, mas não resolveu. “Eu tenho prescrição de tranquilizante, mas não quero abusar”, diz. É o contrário do que tem aparecido no consultório da neurologista Andrea Bacelar, presidente da Associação Brasileira do Sono, que vem se preocupando com a automedicação e o uso excessivo dos remédios.“Muitos são pacientes que já tinham a recomendação e acabam triplicando a dose. Outros já haviam suspendido o medicamento e retornaram com eles, sem a indicação para o fazer.” Tranquilizantes, ansiolíticos para tratamento de ansiedade e indutores do sono são recursos importantes, porém é necessária uma análise específica para cada indivíduo e cuidados para que eles não causem dependência nem o efeito psicológico no paciente de achar que só vai dormir se tomar o remédio. O tratamento começa com doses menores, em horários adequados. “Até mesmo aqueles produtos com melatonina, o hormônio que regula o sono, têm um período específico para ser tomados e fazer efeito”, explica.

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Vivian e as filhas, Valentina e Barbara, e a mascote Shimi: (Rogério Pallatta/Veja SP)

Com o eletricista J.K., de 37 anos, que já fazia uso de medicação para o transtorno esquizoafetivo, a insônia passou a assombrar novamente na quarentena, em períodos intermitentes. “Penso na minha família, se alguém vai contrair a Covid-19, se eu vou conseguir comprar álcool em gel. E tem a parte financeira, que pesa bastante”, conta. Sua psiquiatra alterou a dosagem da medicação para tentar ajudá-lo. “Melhorou 40%, mas ainda me atrapalha”, diz. A insônia atinge menos os homens. “Ela é de duas a três vezes mais frequente nas mulheres. Isso se dá pelas comorbidades. Mulheres têm mais transtornos de humor e de ansiedade, além da variação hormonal”, explica Andrea Bacelar.

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(Veja SP/Veja SP)

Claudia Almeida, de 39 anos, não tinha nenhum sintoma antes do início da pandemia e da suspensão de seu trabalho com transporte escolar. Foi receitado a ela um antidepressivo, remédio que ainda tem receio de tomar. “São dois medos: o de entrar em depressão e o de ficar dependente da medicação”, explica Claudia. Ela também foi encaminhada a sessões de terapia com psicólogos para acompanhamento.

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Silvia Conway: hábitos saudáveis para evitar medicação (Arquivo pessoal/Veja SP)

Antes da medicação, há outros recursos recomendados pelos médicos que costumam ser eficazes para interromper o ciclo da falta de sono, em especial para aqueles que estão começando a enfrentar o problema. Rever e ajustar os hábitos do dia a dia e ter o auxílio de psicólogos em terapias são alguns deles. “Nos primeiros momentos em que a insônia aparece, as pessoas vão criando mecanismos para driblar a situação, mas sem saber que eles podem ser prejudiciais”, diz a psicóloga Silvia Conway, especialista em distúrbios do sono. “Ficar na cama esperando dormir, ingerir álcool, beber chás, ficar com eletrônicos ligados na cama, que prejudicam a produção de melatonina, tudo isso consolida a insônia”, explica. Segundo ela, as pessoas têm a crença de que uma relação saudável com o sono é deitar na cama e “capotar”. Mas não é bem assim. É normal despertar de maneira leve durante a noite, virar de lado, se mexer. “Uma boa noite é aquela que você dorme quando está com sono e acorda bem e disposto e, durante o dia, não sente cansaço.”

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Danielle: mesmo não sendo indicado, ela recorre ao celular (Rogério Pallatta/Veja SP)

Para evitar o conflito com o lençol, é indicado sair da cama de vez quando o sono não vem. “Procure por atividades que não demandam estado de atenção e iluminação forte”, diz a neurologista Rosa, da USP. Os exemplos vão desde arrumar gavetas até leituras leves, fora do ambiente do quarto, que deve ser reservado para dormir e para as práticas sexuais. “Se o sono não vier, terá de manter a calma e a rotina normal no dia seguinte, sem estender ou querer compensar com cochilos fora de hora, porque não funciona”, diz. Durante o dia, mesmo dentro de casa, existe a necessidade de manter os exercícios físicos e passar um período da manhã sob a luz do sol. “A meditação mais cedo é uma saída”, explica Elisa Kozasa, pesquisadora em neurociência do Hospital Albert Einstein. Há alimentos que são fontes de melatonina, como o kiwi, a uva, a cereja. “Ainda não há estudos sobre a dosagem e o horário que eles podem ser consumidos, mas sugiro à noite”, diz Maria Fernanda Naufel, doutora em nutrição da Unifesp. A instrutora de pilates Danielle Ribeiro, de 38 anos, já tinha superado sua insônia fazia dez anos, depois de ser diagnosticada com transtorno de ansiedade. Nas últimas semanas, no entanto, percebeu que tem ficado mais acordada. “Tomo muito café e reduzi”, conta. Para se distrair, recorre ao celular. “Sei que não é recomendado, mas me faz ficar um pouco mais sonolenta”, explica. O uso dos aparelhos eletrônicos, inclusive TV, indicam os especialistas, deve ser suspenso até uma hora antes de dormir. O alerta principal é prestar atenção nesses hábitos que prejudicam o sono e alterá-los, e, se já melhorados, procurar auxílio médico. “A maioria das pessoas não cuida bem do sono, e a insônia não deve ser tratada como um sintoma banal”, afirma Rosa.

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Publicado em VEJA SÃO PAULO de 27 de maio de 202, edição 2688.

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